sábado, 12 de setembro de 2009
Quando a solidão bater a sua porta Não se desespere
Que seu mundo virou um deserto
Que não resta mais oportunidades
Que todos te odeiam.
Lembre-se que tudo pode mudar
Que tudo pode ser diferente
Que Deus sempre arruma um jeito para nos dar
A prova que precisamos para
Seguir em frente!
Lembre-se que somos testados a cada minuto da nossa vida
Deus só testa os fortes
Porque sabe que podemos enfrentar os obstáculos
Que se opõem a nossa frente
Só assim receberemos as flores da alegria
Do amor
Da paz
E do amor!!!
Lembre-se que Deus estará sempre dentro de você
Te dando a força que estiver precisando
Basta você procura-lo que vai achar
Sempre que precisar
Experimente
Um dia você lembrara que
Estava preste a fazer
A maior besteira de sua vida
E ficara contente por ter lido esta
Mensagem dirigida a você
Que sofre
Ele estará sempre com as mãos
Sobre você como o pai que e.
sexta-feira, 11 de setembro de 2009
Asurini do Xingu
Após o contato com a sociedade nacional, em 1971, os Asurini do Xingu - cuja denominação foi dada pelas frentes de atração - sofreram uma drástica baixa populacional. Contudo, o perigo eminente de sua extinção física sempre contrastou com uma extrema vitalidade cultural, manifesta na realização de extensos rituais, práticas de xamanismo e um elaborado sistema de arte gráfica.
Desde o século XIX, os índios que dominavam a região entre os rios Xingu e Bacajá - hoje conhecidos como Araweté, Arara, Parakanã ... - recebiam o nome Asurini (Asonéri, na língua Juruna), que significa "vermelho", segundo o etnógrafo Curt Nimuendajú (1963c: 225). A margem direita do Rio Xingu sempre foi chamada "Terra dos Assuriní" pelos habitantes de Altamira e demais moradores das margens do referido rio, em seu curso médio (Lukesch,1976:11 e Soares,1971b:3). O cronista estrangeiro Condreau (1977:37) também cita os asurini com um dos grupos que habitavam o Baixo Xingu.
De acordo com Nimuendajú (1963c:225), a denominação dada pelos Kayapó aos Asurini é Kube-Kamrég-ti, (sendo Kube, "índio"; Kamrég-ti, "vermelho"; ti, aumentativo). De acordo com os Xikrin do Bacajá (subgrupo Kayapó), o nome que dão ao Asurini é Krã-akâro (cabeça com corte de cabelo arredondado, ou cabeça redonda). Nimuendaju menciona Asurini e Asurinikin como outras denominações do grupo, além de Surini, em Juruna; Adgí Kaporuri-ri (adji, "selvagem", Kaporurí, "vermelho", ri, "muito"), em Xipáia; e Nupánunupag (Nupánu, "índio"; pag "vermelho"), em Kuruaia.
Ao contatar os índios do Igarapé Ipiaçava, o missionário católico e etnólogo A. Lukesch denominou-os Asurini, por serem Tupi e "índios vermelhos", devido o uso abundante do urucum (1976:42). O sertanista da Funai A. Cotrim, que deu continuidade ao trabalho feito por Lukesch, também os chamou de Asurini (1971b). Esta denominação é aceita pela Funai, que a utiliza até os dias de hoje. Também são conhecidos com Asurini do Xingu, diferenciando-os dos Asurini do Tocantins (Akuáwa Asurini).
A autodenominação do grupo é Awaeté, que significa "gente de verdade" (Awa= gente, eté = sufixo que dá ênfase como "verdadeiro", "muito"). Diante dos "brancos", chamam-se At(*s)urini, da palavra asuruni, denominação dada pelas frentes de atração.
A língua Asurini pertence à família lingüística Tupi-Guarani, classificada, segundo Aryon Rodrigues (1984), no sub conjunto V, ao qual pertence também à língua Kayabi. Velda Nicholson, do SIL (Sociedade Internacional de Lingüística), estudou a língua Asurini do Tocantins e realizou um trabalho comparativo com a língua dos Asurini do Xingu (1982), no qual aponta semelhanças e diferenças na fonologia, regras
morfológicas e gramaticais.
Em 1998, Ruth Monserrat, do Museu Nacional, com o auxílio das Irmãzinhas de Jesus e apoio do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), publicou uma gramática Asurini que, por sua vez, vem sendo utilizada pelas professoras na escola da aldeia Koatinemo. Dessa maneira, todos os Asurini falam sua própria língua, sendo que os indivíduos com menos de 40 anos são todos bilíngües.
Localização
A única aldeia atual se localiza à margem direita do Rio Xingu, onde fica a Terra Indígena Koatinemo, homologada em 1986. De 1972 a 1985, a aldeia ficava à margem do Igarapé Ipiaçava, afluente da margem direita do Xingu. As roças, locais de caça, pesca e coleta estão situados entre as margens dos rios Xingu, Piranhaquara e Igarapé Piaçava. Esporadicamente, chegam às suas cabeceiras do Xingu, onde encontram-se antigas aldeias (Mancin, 1979b:1-20).
Menina asurini e seu irmão
no Kuatinemu.
Foto: Fabíola Silva, 2001.
População
De acordo com informações colhidas junto aos próprios Asurini e estimativas feitas pela antropóloga Berta Ribeiro (1982), o grupo indígena contava 150 indivíduos por volta de 1930. Desta época até o ano de contato (1971), muitos Asurini foram mortos em choque com os Kayapó ou os Araweté, quando mulheres e crianças e mulheres também foram seqüestradas.
Após contato com as frentes de atração, a população Asurini do Xingu decresceu quase 50% até 1982, principalmente em razão dos efeitos das novas doenças transmitidas pelos brancos em razão do despreparo dessas frentes. Em 1971, a população contava, aproximadamente, com 100 indivíduos e, em 1982, chegou a 52. Já em 1992, contava-se 66 Asurini e, em 1994, esse número subiu para 72. Em 2002, a população Asurini era composta de 33 mulheres, 18 homens e 55 jovens e crianças, num total de 106 indivíduos. Em grande medida, essa recuperação demográfica se deve ao aumento da população infantil e, conseqüentemente, à mudança no padrão de composição familiar, juntamente com os casamentos interétnicos.
Histórico do contato
As primeiras notícias sobre os Asurini datam de fins do século XIX. Em 1894, o ataque a um regional, no local chamado Praia Grande, acima da boca do Rio Bacajá, foi atribuído aos índios Asurini (Nimuendajú,1963c:225). Em 1896, os Asurini atacaram na Serra do Passahy e na Praia Grande, de acordo com o cronista estrangeiro Coudreau (1977:37). Nas margens do Rio Bacajá ainda se verificaram investidas dos Asurini no final do século XIX (Nimuendajú,1963c:225). Nesse período, esses índios também foram atacados diversas vezes por brancos (provavelmente extratores de caucho), que atearam fogo às suas aldeias (Mancin,1979b:2).
Das margens do Rio Bacajá, deslocaram-se em direção às cabeceiras dos rios Ipiaçava e Piranhaquara, onde estabeleceram várias aldeias. Em 1932 há notícia de um ataque de índios asurini na foz do Igarapé Bom Jardim. Em 1936, foram atacados pelos índios Gorotire, subgrupo Kayapó, durante sua expansão em direção ao norte (Nimuendajú,1963c:225). Pressionado pelos Kayapó, os Asurini passaram a habitar as margens do Rio Ipixuna durante um longo período.
Entre 1965 e 1970, os Asurini foram desalojados dessa área pelos índios por eles denominados Ararawa (Araweté). Há notícia de que os Xikrin do Bacajá atacaram os Asurini em 1966 (Cotrim, 1971b e Lukesch,1971:13) na região do Rio Branco, afluente do Bacajá. Na década de 1960, a caça ao gato selvagem e a extração da seringa levaram os regionais a adentrarem os afluentes da margem direita do Rio Xingu, provocando encontros hostis com a população indígena. Reocupando a região do Rio Ipiaçava e Piranhaquara, os Asurini continuaram mantendo relações de hostilidade com os brancos, todavia, em encontros rápidos e fugidios.
Os Asurini realizavam saques nos acampamentos dos brancos para obterem artigos de metal (facões, machados etc.). Na década de 1970, intensificou-se a presença dos brancos com a finalidade de contatar os grupos indígenas da região e decorrente do surgimento de novas atividades econômicas: mineração, agropecuária e projetos do governo (em especial a construção da Rodovia Transamazônica).
Entre as alterações, Cotrim enfatiza a perspectiva de extensão da província ferrífera da Serra dos Carajás até a margem direita do Rio Xingu, trazendo "ao cenário de disputas do território tribal novos protagonistas: a Meridional Consórcio United States Steel-CVRD" (Soares,1971b: 4). Segundo o sertanista, através de sobrevôos aéreos foram localizados diversos aldeamentos e estabelecido um programa de "pacificação" financiado pela referida empresa, ficando a responsabilidade da missão sob encargo dos missionários católicos Anton e Karl Lukesch.
Para o Monsenhor Anton Lukesch, "contatar uma das poucas sociedades realmente isoladas e não aculturadas que ainda sobrevivem no mundo moderno e estudar, entender e tornar conhecido seu estilo de vida aborígine" representam o sonho mais profundo de todo etnólogo. Além disso, Lukesch justifica sua expedição como uma "participação" que se tornara urgente para "evitar confrontações interétnicas dramáticas e trágicas" com o advento da Transamazônica (1976:9). Entretanto, Antonio Cotrim Soares alega:
"Em parte, o respeito aos domínios territoriais dos Asurini prende-se mais à ausência de disputas de interesses econômicos do que propriamente ao receio de embates violentos, quando são bastante conhecidas as estórias xinguanas das promoções de excursões armadas, financiadas pelos potentados regionais contra grupos indígenas, que impediam a expansão das atividades extrativistas dos seringais. Como se vê, foi a inexistência de seringais nativos que preservou a autonomia territorial dos Asurini" (1971b:13).
Na década de 1970, acossados por grupos inimigos por um lado, e "pacificados" pelos interesses de uma empresa multinacional por outro, os Asurini não tiveram outra opção a não ser aceitar o contato. Conta o padre Lukesch (1976:18) que um índio fazia gestos pedindo que fosse embora, no momento do primeiro encontro, mas outro Asurini assumiu a dianteira e tentou estabelecer relações diretas e amistosas com os brancos.
Nessa época, ocorriam brigas intertribais e, de acordo com Takamui, um asurini de mais de 50 anos, seu povo teve que fugir dos Araweté, se deslocando em direção ao Piranhaquara e Ipiaçava com o objetivo de buscar aliança com os brancos ali existentes. Não só os irmãos Lukesch estavam em seu encalço, como também a Funai mantinha frentes de atração nessa área. Soares relata as atividades da frente que chefiava no decorrer da segunda penetração na área do Igarapé Ipixuna (janeiro/fevereiro de 1971), como a visita a uma das aldeias habitadas e a documentação coletada através de fotografias e gravações. Um detalhe em seu relatório - "A existência de uma maloca comunal abandonada" (1971a:3) - evidencia o que estava ocorrendo entre esses grupos. A existência de objetos de madeira e de cerâmica decorada com desenhos geométricos e da casa comunal atesta que se tratava de uma aldeia asurini, ocupada pelos Araweté e cujos habitantes teriam fugido após o ataque deste grupo.
Em abril de 1971, a expedição dos Lukesch, melhor patrocinada que as pobres frentes de atração da Funai, contatou os índios do Ipiaçava, fazendo com que Cotrim Soares alterasse o roteiro da sua expedição e assumisse os trabalhos dos padres, uma vez que as atividades destes foram proibidas pelo órgão indigenista (Soares,1971b:5).
Cotrim interpretou a aproximação pacifica dos Asurini com os brancos como uma solução para sua situação desesperada: "entre estes (os brancos) teriam um refúgio seguro contra as hostilidades dos seus antagonistas - ou mesmo aliados para uma futura vindeta". Os Asurini não tiveram melhor sorte com a frente da Funai do que com os missionários austríacos, os irmãos Lukesch. Segundo Cotrim, as
atividades dos padres foram proibidas pela Funai "devido aos sérios prejuízos que involuntariamente causaram à comunidade" (1971b:5). Devido à não adoção de medidas preventivas pela expedição de Lukesch, houve "contaminação do grupo" com uma violenta epidemia de gripe e malária, resultando em 13 mortes e longo período de convalescença, que atingiu todo o grupo.
Cotrim, entretanto, não deixa de reconhecer que também houve um relaxamento da parte da Funai. Por exemplo, deixou-se de vacinar os componentes das frentes de penetração. Nas palavras do sertanista, "Um outro acontecimento que não passa desapercebido foi o retardamento da nossa ação em debelar o surto epidêmico, pois não dispúnhamos de recursos imediatos, visto os entraves burocráticos na liberação destes" (1971b:6).
As dificuldades para prosseguir o trabalho junto aos Asurini e o desencanto de Antonio Cotrim Soares com a "causa indígena" ficaram conhecidos na época com seu desabafo à imprensa, quando recusou-se a continuar sendo "coveiro de índios" e denunciou as condições de trabalho na Funai:
"com o evento do contato, as primeiras conseqüências já são manifestas: ...Moléstias contagiosas, depopulação, crise alimentar e prenúncio de sua dependência à sociedade nacional. Uma gama de fatores que contribuíram para essas conseqüências, tendo como principal pivô a falta de racionalização no método desenvolvido nesta fase de contato - denominada pelos promotores de catequização. Os efeitos negativos advieram pela ausência de medidas profiláticas, distribuição inconseqüente de brindes, falta de seleção e controle do grupo de trabalho nas suas relações com os índios - parece-nos que este método de atuação nos contatos com grupos arredios tornou-se uma peculiaridade, sem o exclusivismo dos promotores. No primeiro plano, os resultados mais funestos foram de natureza biótica, além de elevada taxa de mortalidade, debilitou-os organicamente por um longo período. Os mais atingidos pelo 'fatalismo' foram os velhos. As vicissitudes dos efeitos depopulativos começaram a atingir sua organização social; as lideranças de grupos domésticos ficaram acéfalas, desorganizando inicialmente sua força produtiva. Toda a vida social foi afetada, principalmente suas atividades econômicas que ficaram estagnadas por falta de força de trabalho. Perdurou por mais de dois meses o estado geral de debilitação. Decorrente deste estado, perderam a estação de preparo do solo, sendo apenas aproveitado um baixo percentual do trabalho iniciado".
Em outro momento: "O seu cotidiano é de penúrias, já que surgem as primeiras manifestações de desencantamento, apesar de proverem-se de alimentos fornecidos pelos brancos. Atualmente, a base da sua dieta alimentar é farinha fornecida pela Funai, complementada com reduzida cota de batata-doce, mandioca e outros alimentos colhidos em suas roças".
E ainda: "A quota de alimentos fornecida pela Funai é insignificante em relação ao mínimo calórico recomendado pela tabela dietética, a quota média do fornecimento diário de farinha é de 12Kg para 40 índios - representando cerca de 300g homem/dia. Adicionando-se a esses fatores, temos os traumas psicológicos: os contrastes tecnológicos, hábitos sofisticados, intervenção em seu comportamento médico - religioso (adoção de técnicas medicinais com produtos químicos farmacêuticos) entre os efeitos imediatos, talvez, já postos em confrontações, nesta fase do contato" (1971b: 23-24).
Demitido da Funai, Cotrim abandonou sua carreira de sertanista e os Asurini continuariam a sofrer os prejuízos do contato. Contam os índios que, depois de Cotrim, permaneceu outro membro da Frente esquecido entre eles e que chegou a ficar "sem açúcar". Os próprios índios resolveram ir sozinhos a Altamira buscar recursos, enganando o responsável pelo Posto, quando lhe disseram que saíam para uma excursão de caça. O episódio é contado hoje com humor, mas revela o abandono a que foram relegados, uma vez "pacificados".
Na década de 1980, por recomendação da antropóloga Berta Ribeiro - que estivera entre os Asurini em 1981 -, o Secretariado Nacional do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) conseguiu autorização do então presidente da Funai, Cel. Paulo Leal, para que duas missionárias do grupo Irmãzinhas de Jesus viessem se estabelecer entre os Asurini do Xingu. Elas desembarcaram na aldeia em meados de 1982, trazendo na bagagem uma longa e bem-sucedida experiência de apoio à recuperação dos Tapirapé, também um povo Tupi, que vive nas proximidades do Rio Araguaia (MT) e que passou por um processo semelhante de depopulação após o contato. As missionárias não quiseram assumir formalmente nenhuma atividade de assistência, em substituição às obrigações da Funai. Na época, não se formalizou entre elas e a Funai nenhum tipo de convênio, ficando explícito que se tratava de "uma ação paralela, de orientação e conhecimento dos problemas do grupo em seu processo de recuperação".
Modo de vida
Na aldeia asurini existem diferentes tipos de habitação, sendo que as mais comuns, onde residem os diferentes grupos domésticos, são do tipo regional, ou seja, com paredes de barro, estrutura de madeira e cobertura de palha. A maior casa da aldeia (aketé, tavywa), medindo aproximadamente 30m de comprimento, 12m de largura e 7m de altura, corresponde à descrição da moradia característica dos Tupi: a planta é retangular. A colocação dos moirões, vigas e traves obedecem a regras adequadas para a construção da estrutura básica que caracteriza sua forma abobadada. Nesse sentido, ela difere das demais por ter uma construção melhor elaborada. Na cobertura é utilizado apenas o broto da folha de palmeira e na estrutura são usadas determinadas espécies de árvores para cada posição. Na construção participa todo o grupo, sob a liderança dos que passarão a residir na casa. No chão são enterrados os mortos e aí se realizam as principais cerimônias asurini.
Tradicionalmente, a aketé ou tavywa era a habitação coletiva de um grupo local. Entretanto, reunidos junto ao Posto da Funai, os Asurini se reorganizaram num grupo formado por indivíduos de diferentes grupos locais e com população demograficamente desequilibrada, devido ao decréscimo populacional. Como observa Soares (1971b:23), desde a época do contato a morte dos mais velhos abalou a estrutura política do grupo, já que entre eles se encontravam os seus líderes. A maioria dos homens é xamã (pa(z*)é) e a intensificação dos rituais xamanísticos deve estar relacionada a esse esforço de reorganização tribal.
A composição dos grupos domésticos revela uma tendência da estrutura social típica dos grupos Tupi, mas observa-se também uma instabilidade decorrente do desequilíbrio demográfico. Há certa semelhança entre a organização social asurini e tenetehara, para os quais, segundo Galvão e Wagley (1961:39), "em essência, a família extensa é um grupo de mulheres relacionadas por parentesco, sob
liderança de um homem". A regra de residência é uxorilocal e os homens que pertencem a um grupo doméstico, pelo casamento com mulheres aparentadas entre si, mantêm relações de cooperação nas atividades de subsistência.Nas famílias nucleares, há vários casos de poliandria. Nesses casos, a mulher mais velha já passou da fase de procriação e a mais nova dedica-se intensamente às atividades rituais (são as cantadoras que acompanham os pajés), ao aprendizado da arte gráfica (pintura corporal e decoração de cerâmica) e auxilia a "mãe" nas atividades básicas de sobrevivência (roça, cozinha, tecelagem, cerâmica e coleta).
A mulher asurini casa-se na adolescência, mas terá seu primeiro filho na juventude (25 anos aproximadamente). Até esse período, estará aprendendo e aperfeiçoando-se nas tarefas subsistência, de modo que participará dos rituais como cantadora. A confecção da cerâmica, muito valorizada entre os Asurini (estética e utilitariamente) também pode ser definida como atividade excludente às funções procriativas da mulher. Há mulheres asurini que nunca tiveram filhos (hoje com mais de 45 anos de idade), entre as quais há exímias artistas.
Outra condição para a procriação é a existência de dois maridos, um jovem e outro mais velho. Durante a gestação até o quarto mês, vários homens participam da formação do feto e mantêm relações sexuais freqüentes com a mulher para que a criança "nasça forte". No resguardo, participam apenas os dois pais casados com a mãe. O pai mais velho será o principal responsável pela educação do filho, se for do sexo masculino. Para o mais novo, o nascimento do primeiro filho é marca de passagem de uma categoria de idade à outra (essa passagem não é formalmente ritualizada entre os Asurini). Uma das justificativas das mulheres para os casamentos sem filhos é a ausência do pai mais novo (iau n´ative).
Notas sobre as fontes
Para quem se interessar em saber mais sobre o processo que envolve o sistema de arte gráfica e adornos corporais dessa população, bem como informações gerais, deve consultar o artigo de 1982 de Berta Ribeiro, “A Oleira e a Tecelã”, publicado no n. 26 da Revista de Antropologia. Há também o texto “Pintura e Adornos Corporais”, de Lux Vidal e Regina Müller, publicado no terceiro volume da coletânea
Suma Etnológica Brasileira, de 1987. Da mesma Regina Müller, há ainda o livro Os Asurini do Xingu (História e Arte), de 1990, e o artigo “Tayngava, a noção de representação na arte gráfica”, que faz parte do clássico livro Grafismo Indígena, organizado por Lux Vidal, de 1992. Por fim, em 2000 foi concluída a Tese de doutorado na área de Antropologia Social pela USP de Fabíola Silva: As Tecnologias e seus significados.
Para ver mais fotos http://img.socioambiental.org/v/publico/asurini-do-xingu/
Fontes de informação
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--------. Tayngava, a noção de representação na arte gráfica Asurini do Xingu. In: VIDAL, Lux (Org.). Grafismo indígena. São Paulo : Edusp ; Studio Nobel ; Fapesp, 1992. p.231-48.
O último sobrevivente
O último sobrevivente
Imagem digital de vídeo de Vincent Carelli com rosto do índio desconhecido realçado por computador
Equipe da Funai tenta contatar indígena que vive sozinho
LEONARDO SAKAMOTO E JOÃO MARCOS RAINHO
"Acompanhando o ruído de folhas pisadas, vimos seu vulto por entre os arbustos. Caminhava rapidamente, mas sem correr e sem olhar para o nosso lado, sumindo na sua experiência de fugitivo. Pouco adiante, cerca de 200 metros, o reencontramos sentado em frente a uma palhoça. Ao nos ver, pulou para dentro. Iniciamos, então, uma longa tentativa para convencê-lo de que não queríamos lhe fazer mal. Um índio canoé que nos acompanhava depositou seu arco e flecha ao lado da palhoça, tirou a camisa e começou um ritual de cura para ver se o atraía.
Ficamos na espera e nada, nem um ruído. Sentindo-se ameaçado, resolveu nos mostrar seus sentimentos. Enfiou uma flecha para fora e apontou para um membro da equipe. Não sabemos se foi de propósito ou não, mas o fato é que ele errou. E errou por pouco, pois a lança passou a centímetros do peito do Vincent. Usando uma vara, lhe oferecemos milho, que violentamente despedaçou com seus golpes. Tentamos conversar, rimos na sua frente, oferecemos mais milho, machado, ajuda. Mas sempre em vão, só a flecha. Sempre a flecha..."
Esse é o relato de Marcelo dos Santos, chefe da Frente de Contato Guaporé, em uma das inúmeras tentativas de estabelecer comunicação com o último índio remanescente de um grupo desconhecido. Ele perambula sozinho numa área de selvas ao sul do estado de Rondônia. Ninguém sabe qual seu nome, qual sua etnia, língua ou origem. Um vulto que assombra silenciosamente a floresta Amazônica, atormentando com sua existência os fazendeiros que destruíram sua roça e mataram sua gente.
Para entender sua história, primeiro é preciso compreender sua realidade. A Frente de Contato Guaporé é um braço da Fundação Nacional do Índio (Funai) que tem por objetivo localizar e proteger os últimos grupos indígenas isolados de Rondônia. Estima-se que milhares de índios nessa condição ainda estejam espalhados pelas matas do estado.
A frente vive diariamente uma corrida contra o relógio. A região é uma das que mais crescem em todo o país com a expansão da fronteira agrícola na direção oeste. Na década de 80, na ânsia de desenvolvimento, o governo dividiu enorme extensão de terras em lotes, que foram arrematados em leilões. O objetivo original era de que cada família ficasse com um pequeno lote, alcançando, dessa maneira, a colonização definitiva do estado. Ninguém poderia comprar mais de um. Famílias influentes, porém, utilizando testas-de-ferro, adquiriram dezenas deles e criaram latifúndios. No papel, são diversos lotes, com vários donos. Na prática, estão reunidos em grandes fazendas, com uma só sede e um gerente, que fala em nome de um único proprietário.
Rio torto
A presença desses proprietários gigantes acabou por expulsar muitos dos pequenos colonos. De acordo com Joaquim – o nome é fictício para evitar represálias – engenheiros a mando da família Moisés de Freitas (que junto com a família Duarte dita a lei no sul de Rondônia) desviaram o curso de um rio, impedindo que a água chegasse à sua terra. Dessa forma, foi obrigado a abandoná-la e ir para a cidade.
O comércio de madeiras nobres, como o mogno e a cabreúva, é proibido em toda a Amazônia. Contudo, como se sabe, a proibição fica só no papel. Caminhões carregados levantam poeira pelas estradas de terra de Colorado do Oeste, Pimenta Bueno, Vilhena e dezenas de outros municípios, transportando toneladas de madeira recém-cortada.
A principal rodovia do estado, a BR-364, sai de Rondônia, rasga o Acre e termina no ponto mais ocidental do Brasil, a serra do Divisor. Boa parte da população desse eixo depende das serrarias para sobreviver. Em Vilhena, as atividades voltadas ao beneficiamento da madeira respondem por metade de todas as vagas do setor secundário – dados da Federação das Indústrias do Estado de Rondônia. Isso sem considerar os trabalhadores não registrados que ganham por dia de serviço, principalmente na derrubada de árvores na mata.
A capa vegetal original do estado está indo abaixo. O município de Pimenta Bueno teve 27% de sua área desmatada. São Felipe d’Oeste, 52%. Primavera de Rondônia, 87%. Com isso, os olhos dos latifundiários e madeireiros voltam-se cada vez mais para as 16 áreas indígenas do estado, que ocupam quase 4,5 milhões de hectares, ou seja, 18,5% da superfície rondoniense.
Com açúcar, sem afeto
Mas se a cobiça sobre as áreas indígenas consolidadas já é um prato cheio para conflitos, o que dizer da possibilidade de "perder" propriedades com documento e tudo para índios? Como ainda restam grupos indígenas isolados no estado, esse é um risco real para fazendeiros locais. Uma vez descobertas novas comunidades e comprovada sua presença tradicional em determinada área, o direito dos índios àquela terra prevalece sobre eventuais títulos de propriedade (ver matéria principal desta edição). A quem possuir esses documentos cabe apenas uma indenização pelas benfeitorias que tenha realizado.
É claro que isso dificilmente vai cobrir o valor da madeira que se poderia abater ilegalmente. Portanto não é preciso dizer que, para um proprietário, encontrar índios na fazenda é sinal de mau agouro. Próximo a Corumbiara, índios canoés e aicunsus foram contatados pela primeira vez há alguns anos. Como resultado desse encontro, a Frente Guaporé conseguiu que o governo interditasse uma área de 600 quilômetros quadrados, abrangendo diversas propriedades rurais, para garantir a sobrevivência desse grupo.
A interdição de terrenos, que visa evitar intervenções no local enquanto se estuda como ajudar os índios encontrados, não significa ainda que aquela área será de fato demarcada como terra indígena. Mas é um sinal de que isso pode acontecer.
Por isso basta circular a notícia da descoberta de índios numa região para que fazendeiros de toda a redondeza se alarmem. Afinal, áreas indígenas costumam ser extensas. Em alguns locais, começa-se uma espécie de "caçada", para antecipar-se à chegada da Funai e evitar futuros problemas.
Testemunhas afirmam que foi isso o que aconteceu próximo à cidade de Chupinguaia. Ao perceber que outras propriedades, no vizinho município de Corumbiara, foram interditadas para a reserva do Omerê, pecuaristas que sabiam da existência de índios isolados em suas terras teriam mandado presenteá-los com açúcar temperado com veneno de rato. Os poucos que escaparam ao envenenamento teriam sido mortos ou afugentados à bala. Isso teria ocorrido há mais de dez anos. Infelizmente, as testemunhas que poderiam comprovar as suspeitas sobre os fazendeiros estão desaparecidas. Medo de serem as próximas vítimas em uma terra sem lei.
Em fuga
Nosso índio do início da reportagem teria sido o último sobrevivente desse grupo e, desde então, viveria fugindo com medo dos brancos pelas matas da região. Através de informantes e investigações, a equipe da Frente Guaporé chegou até ele. De olhos miúdos e desconfiados, o índio tem características encontradas em poucos grupos indígenas. Usa costeletas. Sua moradia, pequenas cabanas construídas com armação de varas e cobertas de palha, possui em seu interior um buraco de 2,5 metros de profundidade. Próximo às suas palhoças, escolhe uma árvore e com um machado faz um anel no tronco, uma espécie de coroa. Acredita-se que o buraco e o anel tenham finalidades espirituais.
Muda-se com freqüência, principalmente quando um branco descobre onde está residindo. Nos últimos anos, já se mudou cerca de 15 vezes –sempre dentro de uma área de mata virgem. Para garantir sua segurança, em 1997 foi solicitada ao governo federal a interdição de uma região de 60 quilômetros quadrados, abrangendo pedaços de três fazendas: Carlinhos, Socel e Modelo.
A primeira delas, que possui apenas uma pequena área incluída, já não possuía capa florestal na época da interdição. A Socel não está realizando desmatamentos nos lotes atingidos. Porém, a Fazenda Modelo, dos irmãos Dennis e Hércules Gouveia Dalafini, tem uma história que vem de longe.
Não foram eles que envenenaram os índios, pois adquiriram a propriedade anos após a provável chacina. Mas, quando as terras foram parar em suas mãos, descobriu-se que existia uma aldeia, habitada por alguns indivíduos. Acredita-se que essa era a aldeia dos índios envenenados. Testemunhas afirmam que a clareira que se distingue nitidamente em fotos de satélite encomendadas pela Funai é o local onde ficava a aldeia, que teria sido minuciosamente "limpo" pelos Dalafini em 1994, para apagar qualquer vestígio de ocupação indígena anterior – cabanas, roças e até árvores. De acordo com as mesmas testemunhas, quem morava na aldeia fugiu sob uma chuva de balas.
Foto da mata devastada para faser estradas em Corumbiara
As fotos do satélite, tiradas em 1996, já estão bem desatualizadas. No ano passado, ou seja, desrespeitando a portaria federal que interditou a área, os Dalafini praticamente puseram abaixo toda a mata. Hoje, o lote 37, setor 9, da gleba Corumbiara é um grande pasto. E, para piorar, os proprietários não autorizam a entrada de agentes da Funai na área porque, a exemplo do senador Amir Lando em outra área indígena (ver texto abaixo), não quiseram receber a ordem judicial que mantinha a interdição – a portaria tem prazo determinado. Em tese, a prorrogação vale até dezembro deste ano, porém, como os proprietários não assinaram o documento, a data será postergada. Dennis Dalafini, procurado pela reportagem, não respondeu à ligação até o fechamento desta edição.
Surdez
Talvez o índio não queira mesmo conversa com brancos. A maior aproximação foi um canequinho de alumínio e uma machadinha de ferro que a Frente de Contato Guaporé lhe deixou como presentes e ele levou. Vários dialetos indígenas já foram usados em tentativas de conversa, mas sem sucesso. Não se descarta a possibilidade de que seja surdo em decorrência de ingestão do veneno.
A intenção da frente seria convencê-lo a morar em uma reserva de outros índios de contato recente. "Não é mais possível salvar sua sociedade", diz Roque Laraia, diretor de Assuntos Fundiários da Funai. Em sua opinião, manter o índio totalmente solitário naquele pedaço de terra seria uma "crueldade".
Contudo, ao que parece, apesar das várias tentativas, nosso fugitivo de costeletas quer permanecer sozinho. Talvez também saiba que pode ter o mesmo destino de outras tribos de Rondônia que, de tanto contato com os brancos, acabaram por querer ser iguais a eles. Como alguns nhambiquaras, que descobriram que a madeira da qual suas terras estavam recheadas valia cachaça, carros, casas de alvenaria, aparelhos de televisão. O resultado foi o aparecimento de uma classe de índios ricos, formada por aqueles que cuidavam da madeira. Mas que não fizeram planos para o futuro: deixaram suas terras nuas, gastaram todo o dinheiro e agora estão na miséria.
A história do índio solitário não é única. Como ele, milhares de outros estão sozinhos, mesmo vivendo em aldeias. Abandonados, encurralados na terra que um dia já foi sua. Trocados por boi com o apoio e a conivência da sociedade civil. Ou servindo de atração circense nas capitais.
Marcelo dos Santos, da Frente Guaporé, conclui seu relato: "Depois de seis horas de tentativas, desistimos. Ele, mais do que ninguém, sabe o que é perder todos os seus parentes pelas mãos dos que agora aparecem para ofertar comida. Está só e parece querer morrer assim".
A fazenda do senador
O senador Amir Lando (PMDB-RO), sócio de uma das propriedades interditadas pela Funai, está sendo acusado de promover a derrubada e o comércio ilegal de madeira da reserva indígena do Omerê, próximo a Corumbiara. Há também a denúncia de que o senador esteja fazendo pressão contra a interdição de suas terras e tentando forçar a demissão de membros da Funai de Rondônia – o que, é claro, facilitaria a vida de latifundiários que querem despejar os "incômodos inquilinos" descobertos em suas propriedades.
"Sempre fui um defensor dos índios", defende-se Amir Lando. O senador afirmou que tirou apenas algumas árvores para fazer porteiras para sua fazenda e 25 pontes para a prefeitura de Corumbiara e que, legalmente, suas terras não fazem parte da interdição.
Ele não reconhece a interdição, segundo diz, por não ter sido pessoalmente intimado pela Justiça. Contudo, admita ou não, seu lote faz parte da reserva do Omerê e não se poderia retirar uma árvore sequer sem o consentimento dos órgãos competentes.
O Ibama, junto com a Polícia Federal, a pedido da Frente Guaporé, realizou uma vistoria na fazenda do senador e autuou-o pela derrubada ilegal de pelo menos 150 cabreúvas na área interditada.
Primeiramente, o auto de infração saiu em nome de Amir Lando. Porém – como em um passe de mágica – acabou mudando de nome, e foi destinado ao verdadeiro proprietário, Leandro Vicente Lopes – que, de acordo com jornalistas de Rondônia, seria parente do senador. Quando questionado pela reportagem, porém, Amir Lando afirmou que o lote é seu há 15 anos, "licitado pela União".
Enquanto o processo de interdição estivesse correndo, a madeira não poderia ser doada, vendida ou utilizada para qualquer finalidade. Como a situação era de "fiel depositário", as madeiras deveriam continuar lá. Não estão mais. De acordo com o secretário da Fazenda da cidade de Corumbiara (município onde está localizada a propriedade), as madeiras que o senador "deu" estão sendo utilizadas para fazer pontes. "E pontes grandes, com mais de 20 metros de comprimento."
A dura vida dos desbravadores
Se o sertanista Orlando Villas Bôas de fato ocupava nos últimos anos um cargo simbólico na Funai, como dizem seus ex-patrões, sua demissão sumária, no final de janeiro deste ano, foi também um símbolo. Foi como se a Funai tivesse posto um ponto final numa era de aventuras e desbravamento, de entrega à causa indígena – literalmente – de corpo e alma. Villas Bôas, que dedicou aos índios e ao mato 48 dos seus 86 anos, não é o último sertanista, mas certamente foi o inspirador dos poucos que restaram.
Afinal, não é qualquer um que tem em seu currículo mais de 1,5 mil quilômetros de picadas abertas, 250 malárias contraídas em serviço, oito línguas indígenas aprendidas, 5 mil índios contatados. E uma dúzia de livros para contar tudo isso (ver texto abaixo).
Orlando, que viabilizou a criação e a proteção do Parque Indígena do Xingu, citado como exemplo mundial, e batizou a mesma Funai que o dispensou por fax, acredita que sua maior contribuição foi outra. "Mandamos para a sociedade brasileira a notícia de que os índios não eram bichos selvagens que andavam pela selva matando gente." Hoje, com a saúde fragilizada, viaja menos, mas não consegue ficar totalmente à vontade em sua casa no agradável bairro paulistano do Alto da Lapa. "Sinto falta do mato, dos índios", diz.
Mas supondo que ele um dia voltasse a procurar índios isolados, como fez por décadas, teria que se adaptar às novas estratégias de aproximação a esses grupos, que vigoram desde 1987. Atualmente, a ordem é não fazer contato. O responsável por coordenar essa difícil tarefa é o diretor do Departamento de Índios Isolados da Funai, Sidney Possuelo, sertanista com 34 anos de profissão. Seis deles foram com Villas Bôas, que o considera carinhosamente sua "cria".
O novo procedimento é mais ou menos este: quando tem notícia de um povo indígena ainda desconhecido, o sertanista deve ir até o local, aproximar-se da tribo, documentar sua existência e tentar demarcar o território. Depois, montar um acampamento fixo e deixar ali um vigia. A idéia é impedir a entrada de invasores. Os índios, por sua vez, só saem se quiserem fazer contato.
Essas medidas visam protegê-los do encontro com os brancos. "Os índios têm uma grande curiosidade, um grande interesse em conhecer a nossa cultura, e isso pode ser extremamente perigoso para sua sobrevivência", concorda Villas Bôas.
Para os índios, o risco é o contato; para os sertanistas, a própria selva. Villas Bôas e Possuelo são, na verdade, sobreviventes. Nos últimos 30 anos, 120 sertanistas e auxiliares da Funai morreram na selva. O trabalho é duro – além de, atualmente, ser muito mal remunerado. Cada expedição pode levar meses dentro do mato, com o risco de doenças e ataques de índios, bandidos, cobras e onças.
O sacrifício estende-se à família. "Fica difícil para eles suportar os seis, sete meses de ausência a que às vezes somos obrigados a nos submeter na selva", diz Possuelo, pouco antes de partir para uma nova missão.
A onça com morte anunciada
Orlando Villas Bôas demonstra prazer em contar histórias – talvez estimulado pelo fascínio que elas despertam nos ouvintes. Sem esperar o lançamento de "A arte dos pajés" (Editora Globo), seu 12º livro, previsto para março, ele não se contém e adianta uma de suas histórias:
"Certa vez, numa aldeia arara, um grupo de meninos foi correndo para o córrego, quase no pôr-do-sol. No meio do caminho, uma onça saltou e pegou um menino de 8 anos. Os outros voltaram correndo para a aldeia, gritando e chorando. A aldeia virou uma polvorosa . Quando eu e o Cláudio soubemos, fomos correndo para lá. Chegamos à noitinha. Os índios já tinham achado o corpo do menino, comido pela onça.
No outro dia de manhã, ficou combinado que 40 índios iam sair para a mata para procurar e matar a onça. Todo mundo estava lá no pátio da aldeia, o dia já clareando. De repente, quando eles já estavam indo para a mata, chegou o pajé, que era tio do menino. Ele disse: ‘Não precisa ir procurar a onça, porque quando o sol estiver aqui (apontou para o zênite), ela vai entrar por aqui (apontou um ponto da aldeia), vai passar aqui (perto de onde ele falava) e vai deitar ali (outro ponto ainda dentro da aldeia)’. Olhei para o Cláudio e ri. Alguns índios também ficaram duvidando. E nós ficamos desde as 7 da manhã esperando a hora. Quando o sol ficou a pino, um índio que estava nos limites da aldeia gritou: ‘Uma onça!’ E a onça veio caminhando. Passou ali na minha cara. Os índios todos se afastaram, fizeram uma barreira. A onça passou, não olhou para nós. Ela vinha toda escalavrada do lado esquerdo, como se tivesse brigado. Passou de cabeça baixa. Chegou no lugar que o pajé mandou, virou o corpo e deitou. Dois índios vieram correndo e quebraram o pescoço dela. Ela não deu um esturro, não fez um gesto, apenas morreu. Fui lá, pus a cabeça da onça em cima de uma pedra e tirei uma foto (acima). Não tem explicação..."
Fonte=
quinta-feira, 10 de setembro de 2009
Indios xingu
história dos índios
Xingu - Um paraíso sob ameaça
Na década de 1940, os irmãos Villas Bôas se disfarçaram de sertanejos e viajaram ao Mato Grosso para estudar a população indígena local. Anos mais tarde, eles tiveram a iniciativa de fundar o Parque Indígena do Xingu, ajudaram a preservar parte das etnias e, por isso, foram indicados duas vezes ao Prêmio Nobel da Paz. Hoje, apesar de o Xingu continuar sendo um oásis quase intocado, a região tem si
Cláudio e Orlando Villas Bôas com um índio do alto Xingu, na década de 1960
Orlando Villas Bôas com três índios Caiapó, em 1956. À direita de Orlando está Raoni Metuktire, líder dos caiapós, conhecido internacionalmente por sua luta em defesa da floresta amazônica e dos povos indígenas
A criação do primeiro parque indígena brasileiro, o Parque Indígena do Xingu, em 1961, no Mato Grosso, foi possível graças à mobilização iniciada praticamente duas décadas antes pelos irmãos Leonardo, Cláudio e Orlando Villas Bôas. Anônimos e disfarçados de sertanejos, esses paulistas de classe média se enveredaram na expedição Roncador-Xingu, organizada em 1943 pelo governo de Getúlio Vargas. A campanha também ficou conhecida como “Marcha para o Oeste” e tinha como objetivo a ocupação do interior do Brasil.
Em um primeiro momento, os três irmãos candidataram-se para participar da missão, mas foram impedidos pelos organizadores, pois se tratavam nitidamente de pesquisadores e não de homens que queriam tentar uma vida nova em terras desocupadas. Por isso, os Villas Bôas deixaram as barbas cresceram, vestiram-se com roupas simples e fingiram ser analfabetos para conseguirem autorização para viajar com a expedição. Foi assim que começou a missão de Leonardo, Cláudio e Orlando que, mais tarde, com a participação do antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997), resultou na demarcação do parque indígena.
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Uma vida dedicada aos índios | |
Os irmãos Villas Bôas, indicados duas vezes ao Prêmio Nobel da Paz, receberam elogios e críticas negativas pela atuação no Xingu. Marina e Noel, viúva e filho de Orlando, falam sobre as anotações deixadas pelo sertanista e o projeto de criar o Instituto Orlando Villas Bôas Orlando (1916-2002) e Cláudio Villas Bôas (1918-1998) estiveram à frente da direção do Parque Indígena do Xingu até 1975. Apesar de os irmãos terem sido reconhecidos mundialmente pelo seu trabalho, que os levou a serem indicados por duas vezes ao Prêmio Nobel da Paz, eles também receberam muitas críticas. Ao mesmo tempo em que os Villas Bôas foram elogiados pela preservação dos povos indígenas e pela iniciativa de organizar um programa de saúde pública, como vacinações e assistência médica para os índios, que morriam de gripe, disenterias e surtos de sarampo na década de 1950, devido ao contato com os brancos, os irmãos foram duramente criticados por terem fornecido ferramentas e bens materiais aos índios e interferirem no poder interno das aldeias. Segundo a Funai (Fundação Nacional do Índio, instituída em 1967, em substituição ao Serviço de Proteção ao Índio – SPI), isso teria contribuído para diminuir a produção artesanal tradicional e a degradação da cultura indígena. Noel Villas Boas, de 33 anos, filho de Orlando, conta que o pai guardava seis cadernos de diários (preservados postumamente), que começou a escrever em 1943, ano da primeira expedição ao Xingu. Parte dessas anotações virou livros, inclusive o póstumo Orlando Villas Bôas – expedições, reflexões e registros, organizado por Orlando Villas Bôas Filho, em 2006. No acervo preservado pela família são mantidas relíquias, como correspondências entre o sertanista e o marechal Rondon, os antropólogos Darcy Ribeiro e Claude Lévi-Strauss, e centenas de fotos e registros. "Estamos no processo de criação do Instituto Orlando Villas Bôas, para tornar esse material disponível ao público. Sobre a expedição Roncador-Xingu praticamente não há material similar no Brasil, é um hiato de 20 anos na história brasileira", afirma Noel, que visita anualmente o Parque Indígena do Xingu. |
Os três irmãos Villas Bôas reunidos em foto da década de 1950. da esquerda para a direita: Leonardo, Orlando e Cláudio
A chegada dos homens brancos
Antes de os irmãos Villas Bôas se aventurarem no interior do País com a expedição da década de 1940, a região do Xingu já havia sofrido intervenções de homens brancos. Um dos primeiros a pisar naquelas terras foi o desenhista e explorador alemão Karl von den Steinen (1855-1929) que, em 1884, acompanhado do geógrafo Otto Claus, partiu de Cuiabá e desceu o rio Xingu, estudou os índios e classificou os Bakairi como originários dos Caraíbas e não dos Tupi-Guaranis, como se acreditava no século XIX.
A expedição Roncador-Xingu, de 1944, serviu como divisor de águas para a adoção de uma política indigenista
De acordo com Orlando Villas Bôas, no livro Orlando Villas Bôas: expedições, reflexões e registros, os povos contatados na época da viagem de Steinen foram os Bakairi, Juruna, Suyá, Waurá e Trumai. Já em 1887, Steinen foi à região acompanhado pelo antropólogo Paul Ehrenreich (1855-1914) e o geógrafo Peter Vogel. Dessa vez, os europeus aproximaram-se dos índios Aweti, Kalapalo, Kamayurá, Mehináku e Yawalapiti.
Rei Leopoldo iii (1901- 1983), da Bélgica, joga xadrez com Cláudio Villas Bôas no Baixo Xingu, em 1967. O rei pretendia passar três dias no parque, mas acabou fi cando quase dois meses
Outras expedições viriam a acontecer somente a partir de 1896, como as organizadas pelos exploradores Hermann Meyer e Henri-Anatole Coudreau (1859-1899), representando o governo do Pará. Em 1920, o general Ramiro Noronha iniciou a exploração do rio Kuluene (afluente do Xingu), após fundar o Posto Indígena Simões Lopes (Bakairi), no rio Paranatinga.
No período entre o final do século XIX e início do século XX, é possível constatar a presença considerável de estrangeiros alemães, franceses, americanos e italianos, sendo que alguns acabaram sendo mortos em confronto com índios. Em 1944, a expedição Roncador-Xingu, da qual participaram os Villas Bôas, tornou-se um divisor de águas para a adoção de uma política indigenista, que surgiria anos mais tarde.
Quando os irmãos Villas Bôas chegaram ao Mato Grosso, os índios que habitavam a região estavam sendo dizimados
Uma visão de dentro | ||
Os índios Awajatu e Winti falam sobre o cotidiano das tribos do Xingu e a luta para preservar as tradições e os idiomas indígenas
Os festejos e os cantos indígenas também são mantidos, como a Tawarana (dança do papagaio), além da dança Taquara, que é um meio de celebrar a alegria na aldeia. "Nesses momentos, não são deixados de lado o cocar, a pintura, a utilização de bambu, dentre outros adereços típicos", diz Awajatu. Ele conta que a cultura branca é presente no Xingu, por meio da TV e uso de roupas. "Para evitar a influência ocidental e da tecnologia, estamos mantendo nossos traços culturais, dialogando em tupi e praticando as nossas danças. A hora de assistir à televisão é controlada. Usamos aparelhos de DVD, por exemplo, mas para mostrar vídeos sobre a nossa tradição. " O cacique afirma que a presença da monocultura da soja e extração de madeira no entorno do Xingu, desde a década de 1980, é um fator que preocupa todos os índios da região. "Se não fosse pela demarcação do Parque Indígena do Xingu, estaríamos enfrentando muito mais dificuldade", reconhece. "Representantes das 14 etnias que vivem lá dentro promovem reuniões para discutir os problemas, como a proximidade de hidrelétricas, dentre elas a construída no rio Kuluene. Por causa dela, a nossa água está secando aos poucos. Temos medo de que os peixes acabem, pois são nosso alimento", conta. Para o cacique, o trabalho dos irmãos Villas Bôas foi importante para a causa indígena. "Mostrou que nós somos seres humanos e não permitiu que os missionários catequizassem o Xingu. Por outro lado, acabou permitindo a introdução de tecnologias e ferramentas que acabaram sendo jogadas nos nossos rios", afirma. Winti Suya, da tribo Suya (localizada entre o Baixo e Médio Xingu, pertencente ao tronco linguístico macro-jê), é presidente da Associação Indígena Kisedjê. Ele conta que a preservação do idioma é uma luta constante em sua tribo. "Nossa língua ainda é forte: apenas 20 dos cerca de 480 índios que vivem em nossa aldeia falam português", diz. Entretanto, de acordo com o índio, outros reflexos dos costumes brancos já foram introduzidos lá, como o uso de roupas. "Nossa preocupação maior é a respeito do meio ambiente, conscientizar os fazendeiros sobre os problemas da nossa aldeia. A menos de 5 quilômetros de distância já existe cultivo de soja", relata Winti. Segundo ele, as mudanças na natureza também são reveladas nas espécies de fauna local: "atualmente quase não vemos a queixada ou o porcão do mato, que andava em bando por lá", diz. Para defender seus direitos, Winti diz que os índios começaram a recorrer ao apoio de organizações não governamentais, como o Instituto Socioambiental, dentre outras. "A ideia não é só defender os Suya, mas toda a comunidade indígena", diz. |
A aventura dos três irmãos
A expedição Roncador-Xingu teve início a partir de Uberlândia, em Minas Gerais, e foi instituída pela Fundação Brasil Central (FBC) durante o Estado Novo, que visava consolidar a soberania nacional ao ligar o Brasil Central ao Amazonas. Leonardo, Cláudio e Orlando Villas Bôas embrenharam-se nessa aventura pelas matas para auxiliar na demarcação e formação de núcleos populacionais "brancos" enquanto fingiam-se de sertanejos.
O Parque indígena do Xingu, situado ao nordeste do Mato Grosso, ocupa uma área de mais de 27.000 km2 |
Nesse grupo estão os Kamaiurá e Kaiabi (família Tupi-Guarani); Juruna (tronco Tupi); Aweti (tronco Tupi); Mehinako, Wauja e Yawalapiti (família Aruak); Kalapalo, Ikpeng, Kuikuro, Matipu e Nahukwá (família Karib); Suyá (família Jê); Trumai (língua isolada). Segundo o site Povos Indígenas no Brasil, do Instituto Socioambiental (ISA), existem mais de 4 mil índios na região do Xingu (dados de 2002).
Em 1952, Orlando Villas Bôas e Darcy Ribeiro, entre outros, apresentaram um anteprojeto de lei para a criação do Xingu |
Leonardo, Cláudio e Orlando ultrapassaram o objetivo oficial da expedição federal. No livro A Marcha para o Oeste – A epopeia da expedição Roncador-Xingu, de autoria de Orlando e Cláudio Villas Bôas, os irmãos descrevem que o primeiro contato do grupo de sertanistas com índios xavantes aconteceu em 25 de julho de 1945. Segundo eles, o contexto foi pouco amistoso, pois membros da equipe dispararam tiros para o alto, o que causou um "esboço" de reação de ataque dos índios, mas sem vítimas.
Ííndios se apresentam em cerimônia Kuarup, um ritual dos grupos indígenas que vivem no Xingu para homenagear os mortos |
Nessa época, o cientista ucraniano Noel Nutels (1913-1973) juntou-se ao grupo. Ao mesmo tempo, as primeiras ideias de criação do parque começam a ser idealizadas pelos sertanistas com ajuda do brigadeiro Raymundo Vasconcelos Aboim (1898-1990) e do antropólogo Eduardo Galvão.
E tudo isso pode acabar... | ||
Washington Novaes, jornalista e autor dos documentários Xingu – A terra mágica e Xingu – A terra ameaçada, diz que além de o parque sofrer com o avanço de estradas e da agricultura ao seu redor, os costumes dos índios estão se perdendo devido à influência da cultura branca
No texto, Novaes conta que a sua proximidade com as tribos do Xingu começou em 1980, quando foi ao local produzir um programa para o Globo Repórter, da Rede Globo de Televisão. A ideia era mostrar como era o modo de vida no parque indígena, onde não havia registros de doenças cardiovasculares. "Não havia obesidade, alcoolismo, sedentarismo e uso de sal com cloreto de sódio, por isso os índios eram saudáveis. Hoje a realidade é outra", compara Novaes. Depois da década de 1980, o jornalista continuou visitando a região e notou a mudança que ocorreu no parque. "Atualmente, o Xingu está cercado de problemas de fora para dentro, como também em seu interior", destaca. Segundo Novaes, a área foi cercada pelo avanço da agropecuária. "O parque é uma ilha envolta por pastos e cultura de soja, e isso se traduz em muitos problemas, fora o fato de tentativas periódicas de invasões de madeireiros e garimpeiros", avalia. Novaes explica que os rios formadores do Xingu nascem fora do parque e levam para dentro os agrotóxicos dessas propriedades do entorno, além do assoreamento, e isso já tem consequências, como aumento de temperatura e prejuízo à principal base de alimentação local, que é o peixe. "Também estão sendo construídas hidrelétricas nos principais rios que correm para dentro da área do Xingu. Segundo especialistas, os peixes não conseguirão subir o rio e em algumas hidrelétricas, como no rio Kuluene, o reservatório vai alagar uma área importante para a cultura local", explica o jornalista. Dentro do próprio Xingu, foram abertas estradas para facilitar a circulação entre as aldeias e as cidades próximas ao parque. "Essa situação intensificou o contato com a cultura branca. Há várias consequências, a primeira delas é que os jovens, ao absorverem essa cultura, querem usar roupas, ter DVDs, aparelhos de gravação, dançar forró. E, para isso, é preciso produzir artesanato, como pulseiras, colares e redes, a fim de adquirir dinheiro para esse consumo", diz Novaes. Mais um problema, segundo o jornalista, é que jovens xinguanos não querem cuidar da agricultura e nem se interessam mais pelas tradições. "Em praticamente todas as aldeias não há quem queira ser pajé, pois é um caminho longo e de sacrifícios, conta. O pajé faz o intermédio dos humanos com o mundo dos espíritos. "Se não houver isso, as culturas vão desaparecer. Tudo na vida deles tem essa relação. Cada árvore tem um espírito, as danças e cantos estão neste universo. A cultura está ameaçada por este ângulo, como também a organização social e política", afirma Novaes. Para o jornalista, a sociedade branca vê os índios pelo que eles não têm e não consegue reconhecer o valor dessa cultura. "De uma maneira geral, não há delegação de poder. Quem sabe mais e é mais experiente é respeitado. Todos são livres e têm o seu limite na liberdade da outra pessoa. Isso é um privilégio extraordinário", diz. "Eles sabem fazer sua própria casa, a lavoura, caçar, artesanato, identificar as espécies da natureza. Se o Brasil tivesse lucidez, transformaria o parque em patrimônio histórico, cultural e ambiental da humanidade. Ambientalmente, o Xingu é uma ilha de biodiversidade", diz Novaes. Sobre o trabalho dos irmãos Villas Bôas, o jornalista diz: "há muita gente que critica que os Villas Bôas juntaram etnias diferentes, mas na época deles ninguém fez melhor. Muitos índios poderiam ter sido exterminados, como os Panarás, que foram transferidos para dentro do Xingu [hoje têm reserva própria]". Em 2007, Novaes gravou novo documentário no parque, Xingu – A terra ameaçada, que mostra a realidade do Xingu atualmente. |
O médico e indigenista Nnoel Nnutels, ao lado de Marina Villas Bôas (à direta), atende a um índio Txikão (Iikpeng), em 1968 |
Orlando abraça um índio Txikão (Iikpeng), em 1967 |
Um marco para a concepção do parque aconteceu em 1952. Nesse ano, Orlando Villas Bôas, o antropólogo Darcy Ribeiro, Heloísa Alberto Torres (1895-1977) e o brigadeiro Raymundo Vasconcellos Aboim apresentaram um anteprojeto de lei ao vice-presidente da época, Café Filho, para que fosse criado o Parque Nacional do Xingu, com apoio do marechal Rondon. A materialização dessa proposta ocorreu em 19 de abril de 1961, com o decreto federal nº 50.455, sancionado pelo presidente Jânio Quadros. Nesse mesmo ano, Leonardo, o mais jovem dos irmãos Villas Bôas, morreu de problemas cardíacos.
Os desafios para o estabelecimento do parque eram muitos, começando pelas dimensões do território e pela diversidade dos troncos linguísticos diferentes que o ocupariam – ficaram definidos o Aruak, o Jê, o Karib e o Tupi. A área foi demarcada abrangendo uma extensão de terras e rios, sendo o principal o Xingu. O parque possui mais de 27 mil quilômetros quadrados e fica localizado na região nordeste do Estado do Mato Grosso. O local exibe uma rica biodiversidade, com vegetações que vão das savanas à floresta amazônica. A demarcação atinge parte dos municípios de Canarana, Paranatinga, São Félix do Araguaia, São José do Xingu, Gaúcha do Norte, Feliz Natal, Querência, União do Sul, Nova Ubiratã e Marcelândia.
Devido às peculiaridades geográficas, o território é dividido em alto, médio e baixo Xingu, em direção do sul ao norte. Com a concepção do parque, algumas etnias acabaram se unindo, criando uma miscigenação que as aproximaram. Mas outros povos, por sua vez, têm pouco contato, devido às distâncias terrestres e diversidade dos troncos linguísticos.
Ííndios tocam a flauta uruá na aldeia Kamaiurá, no Aalto Xingu. Aatualmente, os povos indígenas que vivem no parque precisam lutar para preservar suas culturas |
Outros dois povos, Tapayuna e Panará (da família linguística Jê), também entraram em contato com os irmãos Villas Bôas e chegaram a ser levados para dentro do parque durante a década de 1960. Entretanto, anos depois decidiram sair. No caso dos Panará, conseguiram a homologação de seu antigo território Panará. Já os Tapayuna se deslocaram a partir de 1987 para as aldeias Metyktire e Kremoro, do povo Metyktire, na terra indígena Capoto/Jarina.
A luta indígena continua
As décadas se passaram e as 14 etnias que ficaram concentradas no Xingu, como meio de proteção à sua sobrevivência, enfrentam atualmente uma batalha contínua pela preservação do patrimônio cultural e ambiental indígena. As novas gerações de muitas tribos já assimilam a cultura branca, com a educação bilíngue e o vestuário adotado nas aldeias. Por isso, os mais velhos temem pela perda das raízes ancestrais.
A luta pela vida e pelo espaço também continua por causa da pressão de fazendeiros com o expansionismo da agricultura – em especial da soja –, a extração de borracha e madeira, que agem no entorno do parque. A construção de hidrelétricas em rios que desembocam no Xingu é mais uma preocupação do ponto de vista ambiental e de sustentabilidade desses povos.
Segundo o site Povos Indígenas no Brasil, a ocupação predatória é preocupante. A cultura de soja é uma das que mais se alastra e avança em direção ao parque. Outro alerta no aspecto de preservação diz respeito a rotas rodoviárias Cuiabá-Santarém (BR-163) e BR-158, que circulam próximas ao parque indígena.
Referências:
Irmãos Villas Bôas, FUNAI. Disponível em http://www.funai.gov.br/indios/personagens/vilas_boas.htm. Acessado em 15/12/2008.
VILLAS BÔAS, Orlando e Cláudio. A marcha para o Oeste" – A epopeia da expedição Roncador-Xingu. 5ª edição. Globo. 1994.
Filho, Orlando Villas Bôas. Org. Orlando Villas Bôas – expedições, reflexões e registros. Metalivros. 2006.
NOVAES, Washington. Xingu – uma flecha no coração. Brasiliense. 1985.
Povo do Xingu, Site Povos Indígenas no Brasil, Instituto Socioambiental (ISA). Disponível em http://pib.socioambiental.org/pt/povo/xingu.
Site Povos Indígenas no Brasil: http://pib.socioambiental.org/
Sucena Shkrada Resk é jornalista e escreve para esta publicação. Portal Ciência & Vida.