terça-feira, 15 de setembro de 2009

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Os guardiães do verde

Os guardiães do verde

As tribos do Xingu em paz, mas alertas

para a guerra contra os destruidores da natureza


Silvio Ferraz, do Xingu


 



Fotos: Paulo Jares

Posto Diauarum: porta de entrada das tribos
para o
Xingu. Festa da Taquara: diariamente, durante
três
meses, para afastar tristeza

Defendido com bordunas, flechas e muita
lábia pelos 3.600 índios de catorze etnias que habitam a região, o Parque
Nacional do Xingu sobrevive milagrosamente sem poluição com sua fauna
e flora intocadas. As fotos de satélite feitas do centro do país, onde
está encravada a reserva indígena, são desoladoras. Pecuaristas e madeireiras
transformaram a região em uma gigantesca mesa de bilhar. O negócio deles
é tocado sem o menor respeito pela natureza, de modo que a floresta é
queimada em busca de árvores de valor comercial ou simplesmente derrubada
para se transformar em pasto. Sobrou uma ilha verde cercada de desmazelo
ecológico, a terra dos índios do Xingu. Pergunte-se a dez habitantes do
planeta Terra quem são os civilizados nessa região e a resposta nesses
tempos ecologicamente corretos será: os índios.





Educação

Os
índios preparam-se para gerir o próprio território. Aprendem português,
geografia, ciências, cálculo porcentual e a fazer tabelas. Os cursos
usam até vídeos.


Os mais velhos são chamados
para narrar as tradições de seus povos. Ser professor é um cargo
cobiçado nas tribos.


Localizado no norte de Mato Grosso, divisa com o Pará, espalhado por
27.000 quilômetros quadrados, quase o tamanho
da Bélgica, o Parque Nacional do Xingu foi uma iniciativa de sertanistas
liderados pelos irmãos Cláudio, Orlando e Leonardo Villas-Boas. Materializada
em 1961 pelo presidente Jânio Quadros, para preservar a cultura, os hábitos
e a religião desses povos, ninguém dava nada pelo destino da reserva.
Instalada em terras pertencentes à União, acabou vingando. Sem seringais
nativos, livrou-se da cobiça dos exploradores. Os Villas-Boas buscaram
uma política de preservação isolada. Ou seja, manter os índios o mais
distante possível da cultura dos brancos. Assim conseguiram evitar os
choques que teriam estraçalhado o lado mais fraco. Os contatos eram tão
controlados que os indígenas eram obrigados a pedir licença quando iam
viajar para os vilarejos mais próximos do Parque do Xingu. "Queríamos
mantê-los longe da cachaça e dos bordéis", conta Orlando Villas-Boas,
hoje acompanhando a vida no Xingu de sua casa no Alto da Lapa, em São
Paulo, visitada periodicamente por seus amados índios.







Fotos: Paulo Jares


Jovens da tribo
Kamaiurá passam urucum contra os
mosquitos. No Xingu a
expectativa de vida subiu para 50 anos

Saúde


A população recebe cuidados médicos da
Escola Paulista de Medicina. Já houve um caso de Aids. Os índios
escovam os dentes
três vezes
ao dia,
num programa da Colgate-Palmolive
que distribui 20 000 escovas e tubos de pasta
de
dentes por ano.

 


"Nossa maior conquista foi a pacificação", garante Orlando.
De fato, não foi fácil quebrar vocações guerreiras como a dos índios suyás.
Seu esporte preferido era a guerra. Os jovens, desde cedo, recebiam cultura
militar dos guerreiros e, dos mais velhos, histórias de grandes feitos.
Quando a paz monótona se prolongava, os suyás tratavam de quebrá-la com
expedições punitivas aos territórios dos jurunas ou dos kamaiurás ou trumais.
Hoje, netos de avós que se odiavam bebem na mesma cuia sem temer a morte
por envenenamento. Além da pacificação das tribos que se entredevoravam
há menos de meio século, os brancos tomaram outra providência vital: a
aplicação regular de vacinas permitiu o crescimento populacional. Atualmente,
com uma taxa de natalidade de 3,6%, os índios se multiplicam mais velozmente
que a média dos demais brasileiros. A expectativa de vida entre eles aumenta
num ritmo mais animador que a dos demais grupos populacionais brasileiros.
Chegou a 50 anos no ano passado e segue crescendo. A média brasileira,
de 68 anos, continua subindo, porém mais lentamente que a dos índios do
Xingu. Portanto, não está distante o dia em que, mantida a atual situação,
os índios do Xingu estarão vivendo mais e, sem dúvida, melhor que seus
vizinhos do centro geodésico do país.


Graças à sabedoria de algumas lideranças indígenas e brancas, o Xingu
é hoje um raro arranjo harmônico entre culturas díspares. Foram os brancos
que escolheram a área da reserva e que pacientemente transportaram em
aviões militares um a um todos os índios, vindos de vários pontos da Amazônia,
para seu novo lar. Com isso tiraram os indígenas da rota certa do extermínio.
Obviamente, não se faz uma transposição dessas sem um preço. Os brancos
introduziram o sal na dieta e, com ele, a hipertensão arterial. Enfermidades
cardíacas e diabetes, outros males que passaram a ser conhecidos dos índios.
"Mais recentemente apareceu até um caso de Aids, o problema é raro,
mas já preocupa", diz o médico Douglas Rodrigues, coordenador da
equipe da Universidade Federal de São Paulo que, desde 1965, cuida das
doenças mais sérias das tribos entre elas
as mais resistentes, gripe e tuberculose. São quatro viagens anuais à
região, o que dá aos índios um padrão de assistência de muito boa qualidade.


A nova geração xinguana aprende a preservar a natureza, mantendo a identidade.
Inevitavelmente, convive com sandálias havaianas, pilhas, lanternas, calções
de brim, camisetas do Flamengo e do Palmeiras e até mesmo clones de tênis
usados na orla carioca ou nas ruas de São Paulo. Barcos de alumínio impulsionados
por motores de popa de 25 cavalos, rádios, poucos aparelhos de televisão
com antenas parabólicas movidas a bateria solar quebram o silêncio e completam
as concessões ao modernismo.










Fotos: Paulo Jares



O cacique Kuiussi, dos suyás, ladeado pelos pajés, reúne suas
forças: seus guerreiros, as duas mulheres e as crianças. Índias yawalapitis
ralam a mandioca-brava, base da alimentação sadia.
Os guerreiros não vão mais à guerra, e a luta "huca-huca"
virou esporte que só perde para o futebol


 


A viagem, descendo o rio, um mergulho no paraíso. As praias surgem a
partir de maio e vão até setembro, quando as chuvas recomeçam e o rio
sobe e invade as matas. As areias finíssimas, alvas e com pequenas dunas
onde pousam garças e uma infinidade de pássaros silvestres emolduram a
mata fechada. A duas horas do Posto Diauarum, aparece o Suiá-Miçu, afluente
do majestoso Rio Xingu. Mais uma hora, despontam as primeiras malocas
da aldeia rikô, da tribo suyá. O cacique é Kuiussi pintado com urucum,
para espantar os enxames de mosquitos. Farta cabeleira negra penteada
até os ombros, a narina esquerda sem um pedaço, sem que isso o faça mais
amedrontador. Kuiussi chegou ao Xingu com 2 anos. Sua tribo desaparecia
aceleradamente. Cláudio Villas-Boas livrou os suyás da extinção. Hoje
eles são quase 300 orgulhosos sobreviventes. Até a língua suyá, que morria,
revigorou-se.






Economia


Os kaiabis são mestres em panelas de barro
e na cestaria. Os bancos dos kamaiurás, imitando animais, são cobiçados.
Todos são agricultores. Mandioca, banana, amendoim e milho são culturas
de base. Entre si, vivem de trocas. Começaram a exportar para São
Paulo e Rio.



O coração do país é um lugar feliz. Ali, festa e trabalho se confundem.
São 3 horas da manhã, e o silêncio da noite na floresta é cortado, de
repente, pela batida surda dos tambores. Começa a festa do Kahrankasaka,
a "festa do tracajá feio", a pequena tartaruga que povoa os
rios da região. Só para homens. Chocalhos nas pernas e nos tornozelos,
cantam e dançam em círculo até o sol raiar, em homenagem à chuva que faz
a água, à água que faz o rio, ao rio que alimenta os peixes, aos peixes
que alimentam os homens. O sol, a luz, o dia e a noite, as árvores, as
onças e as pacas, antas e abelhas são homenageados. Até mesmo o rato.
Os suyás acreditam que, por ter descoberto o milho, o rato merece graças.
As mulheres também têm sua festa particular: a principal é a Yamurekumã,
com data móvel. Reza a lenda que, cansadas de só comer o jacaré caçado
pelos companheiros, elas os punem com uma greve sexual. Na noite em que
o mito é relembrado, as índias surram os homens e nem o cacique e o pajé
livram-se de boas bordoadas. É para feminista nenhuma botar defeito.





Fotos: Helvio Romero


Os yawalapitis amarram as pernas e os
braços
para realçar a musculatura. Altos, sadios,
trabalham na
agricultura e abastecem a casa com peixe e caça


Enquanto a civilização ainda engatinha com o v-chip, a solução eletrônica
que vai permitir aos pais censurar os programas de televisão inadequados
para seus filhos, os caciques do Xingu já resolveram o problema. Foram
radicais. Eles perceberam que as brincadeiras das crianças tornavam-se
violentas depois que assistiam a programas de televisão e simplesmente
baixaram a ordem: desligar os aparelhos. Todo mundo obedece.


A paz vale ouro quando se é obrigado a conviver num espaço territorial
limitado. A transformação dos índios ykpengs de selvagens ranzinzas e
agressivos a um povo que valoriza a convivência pacífica é emblemática
no Xingu. O cacique ykpeng, também pajé, uma espécie de sacerdote e curandeiro,
é Melobô, um "estadista ateniense", como é descrito pelo antropólogo
Darcy Secchi. Apesar da fisionomia dura, Melobô ama a política e a negociação.
É a voz de oposição a outra força política, o prestigioso Aritana, cacique
dos yawalapitis, no Alto Xingu. No passado acabariam medindo forças num
combate sanguinário. Hoje, Aritana e Melobô estão unidos contra o inimigo
externo, os fazendeiros que sempre ensaiam invadir a reserva.





Política


Há menos de meio século, as tribos que
hoje habitam o Xingu guerreavam o tempo todo. Kaiabi não podia ver
kayapó. Juruna que cruzasse com suyá morria. Atualmente, vivem o
que chamam
de "longa trégua".
A luta agora é pela preservação ambiental.


O cacique Aritana é um autêntico embaixador. Carismático, muito conhecido
fora do Xingu, ele domina com fluência nove idiomas indígenas. É dele
a estratégia da geopolítica do casamento, a pacificação pelo matrimônio.
Está dando certo. Casado com duas irmãs, Timai e Sakastro, Aritana é pai
de nove filhos. Sua política consiste em solidificar a paz no Alto Xingu
por intermédio de alianças matrimoniais com outras tribos, bordando uma
verdadeira colcha de interesses e conveniências. Aritana parece habilitado
a isso, já que é capaz de manter a paz em sua casa, onde vive com duas
mulheres luxo que só os caciques ou os
guerreiros que podem sustentar usufruem. "A grande vantagem, no meu
caso, é só ter uma sogra", confessa com uma gostosa gargalhada. Alto,
forte, o cacique dos yawalapitis mantém os braços cruzados e o olhar enviesado
enquanto conversa. Ele conta que os suyás, os amantes da guerra, os waurás,
os "do contra", e os implicantes jurunas eram grandes inimigos
de sua gente à época de seu avô: "Vinham, lutavam e roubavam até
nossas mulheres". Ele próprio é personagem de um desses "raptos
das Sabinas". Seu pai, Parú, reconhecido pajé especialista em ervas,
tornara-se amigo de Orlando Villas-Boas ainda nos tempos da pacificação
dos índios do Brasil central, nos idos dos anos 50. Com a cumplicidade
do sertanista, Parú seqüestrou uma mulher de outra tribo, com a qual se
casou, e daí nasceu Aritana. Pairando acima desses caciques, a imagem
de Mairawê Kaiabi, presidente eleito da Associação das Terras Indígenas
do Xingu, Atix, uma espécie de ONU dos índios.


Consensual e politicamente correto, o cacique é um personagem cujas funções
são pouco conhecidas fora do Xingu. Ele é uma espécie de capataz, o sujeito
que lembra aos demais das tarefas que precisam ser executadas. É incontrastável.
Para amaciar o poder existe o pajé, o único índio da hierarquia que está
acima do bem e do mal. É ele o responsável pelo bem-estar de seu povo.
Quando os médicos brancos chegaram ao Xingu para tratar dos índios, a
primeira coisa que os pajés providenciaram foi a delimitação das áreas
de atuação dos médicos e dos pajés. Exemplo prático dessa divisão é o
parto. O pajé tira a criança da barriga da mãe, dá umas boas baforadas
para espantar os maus espíritos e passa o recém-nascido para os médicos,
que se ocupam do cordão umbilical, da vacina antitetânica e dos antibióticos.
Ocorrem situações difíceis nessa divisão de atribuições. Às vezes, algum
doente carece de cuidados médicos urgentes para não morrer, mas os pajés
teimam em continuar com suas ervas e baforadas. Eventualmente o paciente
morre. Os médicos lamentam, mas não se intrometem.


A única aldeia em que o poder do pajé se encontra virtualmente ofuscado
é a do Sobradinho. Ali, os kaiabis fizeram um pacto original com a Assembléia
de Deus. Os religiosos pediram permissão ao cacique Matari para converter
sua tribo. O cacique pediu tempo. Três dias depois, veio a contraproposta:
ele e seu filho Aturi deveriam ser nomeados, de imediato, pastores da
Assembléia de Deus. Os protestantes toparam. Hoje, é a única tribo em
que o nu foi abolido, pelo menos em teoria. "Na hora do sufoco, todos
suspiram por uma pajelança", confidencia, com rancor mal camuflado,
um pajé de outra tribo kaiabi. Os kalapalos da aldeia tanguro também caíram
na tentação dos padres salesianos. Em troca da permissão para catequeses,
alguns índios vão, aos cuidados dos padres, estudar em São Carlos, interior
paulista. Tem sido assim a vida nesta nesga de terra privilegiada do Brasil.
A natureza agradece. As gerações vindouras de índios e brancos também
Font= Revista veja Editora abril

sábado, 12 de setembro de 2009

Quando a solidão bater a sua porta Não se desespere

Guando estiver triste pensando que nada de bom pode mais acontecer
Que seu mundo virou um deserto
Que não resta mais oportunidades
Que todos te odeiam.


Lembre-se que tudo pode mudar
Que tudo pode ser diferente
Que Deus sempre arruma um jeito para nos dar
A prova que precisamos para
Seguir em frente!
Lembre-se que somos testados a cada minuto da nossa vida
Deus só testa os fortes
Porque sabe que podemos enfrentar os obstáculos
Que se opõem a nossa frente
Só assim receberemos as flores da alegria
Do amor
Da paz
E do amor!!!


Lembre-se que Deus estará sempre dentro de você
Te dando a força que estiver precisando
Basta você procura-lo que vai achar
Sempre que precisar
Experimente
Um dia você lembrara que
Estava preste a fazer
A maior besteira de sua vida
E ficara contente por ter lido esta
Mensagem dirigida a você
Que sofre
Ele estará sempre com as mãos
Sobre você como o pai que e.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Asurini do Xingu



Após o contato com a sociedade nacional, em 1971, os Asurini do Xingu - cuja denominação foi dada pelas frentes de atração - sofreram uma drástica baixa populacional. Contudo, o perigo eminente de sua extinção física sempre contrastou com uma extrema vitalidade cultural, manifesta na realização de extensos rituais, práticas de xamanismo e um elaborado sistema de arte gráfica.





Desde o século XIX, os índios que dominavam a região entre os rios Xingu e Bacajá - hoje conhecidos como Araweté, Arara, Parakanã ... - recebiam o nome Asurini (Asonéri, na língua Juruna), que significa "vermelho", segundo o etnógrafo Curt Nimuendajú (1963c: 225). A margem direita do Rio Xingu sempre foi chamada "Terra dos Assuriní" pelos habitantes de Altamira e demais moradores das margens do referido rio, em seu curso médio (Lukesch,1976:11 e Soares,1971b:3). O cronista estrangeiro Condreau (1977:37) também cita os asurini com um dos grupos que habitavam o Baixo Xingu.

De acordo com Nimuendajú (1963c:225), a denominação dada pelos Kayapó aos Asurini é Kube-Kamrég-ti, (sendo Kube, "índio"; Kamrég-ti, "vermelho"; ti, aumentativo). De acordo com os Xikrin do Bacajá (subgrupo Kayapó), o nome que dão ao Asurini é Krã-akâro (cabeça com corte de cabelo arredondado, ou cabeça redonda). Nimuendaju menciona Asurini e Asurinikin como outras denominações do grupo, além de Surini, em Juruna; Adgí Kaporuri-ri (adji, "selvagem", Kaporurí, "vermelho", ri, "muito"), em Xipáia; e Nupánunupag (Nupánu, "índio"; pag "vermelho"), em Kuruaia.

Ao contatar os índios do Igarapé Ipiaçava, o missionário católico e etnólogo A. Lukesch denominou-os Asurini, por serem Tupi e "índios vermelhos", devido o uso abundante do urucum (1976:42). O sertanista da Funai A. Cotrim, que deu continuidade ao trabalho feito por Lukesch, também os chamou de Asurini (1971b). Esta denominação é aceita pela Funai, que a utiliza até os dias de hoje. Também são conhecidos com Asurini do Xingu, diferenciando-os dos Asurini do Tocantins (Akuáwa Asurini).

A autodenominação do grupo é Awaeté, que significa "gente de verdade" (Awa= gente, eté = sufixo que dá ênfase como "verdadeiro", "muito"). Diante dos "brancos", chamam-se At(*s)urini, da palavra asuruni, denominação dada pelas frentes de atração.





A língua Asurini pertence à família lingüística Tupi-Guarani, classificada, segundo Aryon Rodrigues (1984), no sub conjunto V, ao qual pertence também à língua Kayabi. Velda Nicholson, do SIL (Sociedade Internacional de Lingüística), estudou a língua Asurini do Tocantins e realizou um trabalho comparativo com a língua dos Asurini do Xingu (1982), no qual aponta semelhanças e diferenças na fonologia, regras

morfológicas e gramaticais.



Em 1998, Ruth Monserrat, do Museu Nacional, com o auxílio das Irmãzinhas de Jesus e apoio do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), publicou uma gramática Asurini que, por sua vez, vem sendo utilizada pelas professoras na escola da aldeia Koatinemo. Dessa maneira, todos os Asurini falam sua própria língua, sendo que os indivíduos com menos de 40 anos são todos bilíngües.




Localização

A única aldeia atual se localiza à margem direita do Rio Xingu, onde fica a Terra Indígena Koatinemo, homologada em 1986. De 1972 a 1985, a aldeia ficava à margem do Igarapé Ipiaçava, afluente da margem direita do Xingu. As roças, locais de caça, pesca e coleta estão situados entre as margens dos rios Xingu, Piranhaquara e Igarapé Piaçava. Esporadicamente, chegam às suas cabeceiras do Xingu, onde encontram-se antigas aldeias (Mancin, 1979b:1-20).


Menina asurini e seu irmão
no Kuatinemu.
Foto: Fabíola Silva, 2001.
População

De acordo com informações colhidas junto aos próprios Asurini e estimativas feitas pela antropóloga Berta Ribeiro (1982), o grupo indígena contava 150 indivíduos por volta de 1930. Desta época até o ano de contato (1971), muitos Asurini foram mortos em choque com os Kayapó ou os Araweté, quando mulheres e crianças e mulheres também foram seqüestradas.



Após contato com as frentes de atração, a população Asurini do Xingu decresceu quase 50% até 1982, principalmente em razão dos efeitos das novas doenças transmitidas pelos brancos em razão do despreparo dessas frentes. Em 1971, a população contava, aproximadamente, com 100 indivíduos e, em 1982, chegou a 52. Já em 1992, contava-se 66 Asurini e, em 1994, esse número subiu para 72. Em 2002, a população Asurini era composta de 33 mulheres, 18 homens e 55 jovens e crianças, num total de 106 indivíduos. Em grande medida, essa recuperação demográfica se deve ao aumento da população infantil e, conseqüentemente, à mudança no padrão de composição familiar, juntamente com os casamentos interétnicos.


Histórico do contato

As primeiras notícias sobre os Asurini datam de fins do século XIX. Em 1894, o ataque a um regional, no local chamado Praia Grande, acima da boca do Rio Bacajá, foi atribuído aos índios Asurini (Nimuendajú,1963c:225). Em 1896, os Asurini atacaram na Serra do Passahy e na Praia Grande, de acordo com o cronista estrangeiro Coudreau (1977:37). Nas margens do Rio Bacajá ainda se verificaram investidas dos Asurini no final do século XIX (Nimuendajú,1963c:225). Nesse período, esses índios também foram atacados diversas vezes por brancos (provavelmente extratores de caucho), que atearam fogo às suas aldeias (Mancin,1979b:2).



Das margens do Rio Bacajá, deslocaram-se em direção às cabeceiras dos rios Ipiaçava e Piranhaquara, onde estabeleceram várias aldeias. Em 1932 há notícia de um ataque de índios asurini na foz do Igarapé Bom Jardim. Em 1936, foram atacados pelos índios Gorotire, subgrupo Kayapó, durante sua expansão em direção ao norte (Nimuendajú,1963c:225). Pressionado pelos Kayapó, os Asurini passaram a habitar as margens do Rio Ipixuna durante um longo período.



Entre 1965 e 1970, os Asurini foram desalojados dessa área pelos índios por eles denominados Ararawa (Araweté). Há notícia de que os Xikrin do Bacajá atacaram os Asurini em 1966 (Cotrim, 1971b e Lukesch,1971:13) na região do Rio Branco, afluente do Bacajá. Na década de 1960, a caça ao gato selvagem e a extração da seringa levaram os regionais a adentrarem os afluentes da margem direita do Rio Xingu, provocando encontros hostis com a população indígena. Reocupando a região do Rio Ipiaçava e Piranhaquara, os Asurini continuaram mantendo relações de hostilidade com os brancos, todavia, em encontros rápidos e fugidios.



Os Asurini realizavam saques nos acampamentos dos brancos para obterem artigos de metal (facões, machados etc.). Na década de 1970, intensificou-se a presença dos brancos com a finalidade de contatar os grupos indígenas da região e decorrente do surgimento de novas atividades econômicas: mineração, agropecuária e projetos do governo (em especial a construção da Rodovia Transamazônica).



Entre as alterações, Cotrim enfatiza a perspectiva de extensão da província ferrífera da Serra dos Carajás até a margem direita do Rio Xingu, trazendo "ao cenário de disputas do território tribal novos protagonistas: a Meridional Consórcio United States Steel-CVRD" (Soares,1971b: 4). Segundo o sertanista, através de sobrevôos aéreos foram localizados diversos aldeamentos e estabelecido um programa de "pacificação" financiado pela referida empresa, ficando a responsabilidade da missão sob encargo dos missionários católicos Anton e Karl Lukesch.

   

Para o Monsenhor Anton Lukesch, "contatar uma das poucas sociedades realmente isoladas e não aculturadas que ainda sobrevivem no mundo moderno e estudar, entender e tornar conhecido seu estilo de vida aborígine" representam o sonho mais profundo de todo etnólogo. Além disso, Lukesch justifica sua expedição como uma "participação" que se tornara urgente para "evitar confrontações interétnicas dramáticas e trágicas" com o advento da Transamazônica (1976:9). Entretanto, Antonio Cotrim Soares alega:



"Em parte, o respeito aos domínios territoriais dos Asurini prende-se mais à ausência de disputas de interesses econômicos do que propriamente ao receio de embates violentos, quando são bastante conhecidas as estórias xinguanas das promoções de excursões armadas, financiadas pelos potentados regionais contra grupos indígenas, que impediam a expansão das atividades extrativistas dos seringais. Como se vê, foi a inexistência de seringais nativos que preservou a autonomia territorial dos Asurini" (1971b:13).




Na década de 1970, acossados por grupos inimigos por um lado, e "pacificados" pelos interesses de uma empresa multinacional por outro, os Asurini não tiveram outra opção a não ser aceitar o contato. Conta o padre Lukesch (1976:18) que um índio fazia gestos pedindo que fosse embora, no momento do primeiro encontro, mas outro Asurini assumiu a dianteira e tentou estabelecer relações diretas e amistosas com os brancos.



Nessa época, ocorriam brigas intertribais e, de acordo com Takamui, um asurini de mais de 50 anos, seu povo teve que fugir dos Araweté, se deslocando em direção ao Piranhaquara e Ipiaçava com o objetivo de buscar aliança com os brancos ali existentes. Não só os irmãos Lukesch estavam em seu encalço, como também a Funai mantinha frentes de atração nessa área. Soares relata as atividades da frente que chefiava no decorrer da segunda penetração na área do Igarapé Ipixuna (janeiro/fevereiro de 1971), como a visita a uma das aldeias habitadas e a documentação coletada através de fotografias e gravações. Um detalhe em seu relatório - "A existência de uma maloca comunal abandonada" (1971a:3) - evidencia o que estava ocorrendo entre esses grupos. A existência de objetos de madeira e de cerâmica decorada com desenhos geométricos e da casa comunal atesta que se tratava de uma aldeia asurini, ocupada pelos Araweté e cujos habitantes teriam fugido após o ataque deste grupo.



Em abril de 1971, a expedição dos Lukesch, melhor patrocinada que as pobres frentes de atração da Funai, contatou os índios do Ipiaçava, fazendo com que Cotrim Soares alterasse o roteiro da sua expedição e assumisse os trabalhos dos padres, uma vez que as atividades destes foram proibidas pelo órgão indigenista (Soares,1971b:5).



Cotrim interpretou a aproximação pacifica dos Asurini com os brancos como uma solução para sua situação desesperada: "entre estes (os brancos) teriam um refúgio seguro contra as hostilidades dos seus antagonistas - ou mesmo aliados para uma futura vindeta". Os Asurini não tiveram melhor sorte com a frente da Funai do que com os missionários austríacos, os irmãos Lukesch. Segundo Cotrim, as

atividades dos padres foram proibidas pela Funai "devido aos sérios prejuízos que involuntariamente causaram à comunidade" (1971b:5). Devido à não adoção de medidas preventivas pela expedição de Lukesch, houve "contaminação do grupo" com uma violenta epidemia de gripe e malária, resultando em 13 mortes e longo período de convalescença, que atingiu todo o grupo.



Cotrim, entretanto, não deixa de reconhecer que também houve um relaxamento da parte da Funai. Por exemplo, deixou-se de vacinar os componentes das frentes de penetração. Nas palavras do sertanista, "Um outro acontecimento que não passa desapercebido foi o retardamento da nossa ação em debelar o surto epidêmico, pois não dispúnhamos de recursos imediatos, visto os entraves burocráticos na liberação destes" (1971b:6).




As dificuldades para prosseguir o trabalho junto aos Asurini e o desencanto de Antonio Cotrim Soares com a "causa indígena" ficaram conhecidos na época com seu desabafo à imprensa, quando recusou-se a continuar sendo "coveiro de índios" e denunciou as condições de trabalho na Funai:



"com o evento do contato, as primeiras conseqüências já são manifestas: ...Moléstias contagiosas, depopulação, crise alimentar e prenúncio de sua dependência à sociedade nacional. Uma gama de fatores que contribuíram para essas conseqüências, tendo como principal pivô a falta de racionalização no método desenvolvido nesta fase de contato - denominada pelos promotores de catequização. Os efeitos negativos advieram pela ausência de medidas profiláticas, distribuição inconseqüente de brindes, falta de seleção e controle do grupo de trabalho nas suas relações com os índios - parece-nos que este método de atuação nos contatos com grupos arredios tornou-se uma peculiaridade, sem o exclusivismo dos promotores. No primeiro plano, os resultados mais funestos foram de natureza biótica, além de elevada taxa de mortalidade, debilitou-os organicamente por um longo período. Os mais atingidos pelo 'fatalismo' foram os velhos. As vicissitudes dos efeitos depopulativos começaram a atingir sua organização social; as lideranças de grupos domésticos ficaram acéfalas, desorganizando inicialmente sua força produtiva. Toda a vida social foi afetada, principalmente suas atividades econômicas que ficaram estagnadas por falta de força de trabalho. Perdurou por mais de dois meses o estado geral de debilitação. Decorrente deste estado, perderam a estação de preparo do solo, sendo apenas aproveitado um baixo percentual do trabalho iniciado".



Em outro momento: "O seu cotidiano é de penúrias, já que surgem as primeiras manifestações de desencantamento, apesar de proverem-se de alimentos fornecidos pelos brancos. Atualmente, a base da sua dieta alimentar é farinha fornecida pela Funai, complementada com reduzida cota de batata-doce, mandioca e outros alimentos colhidos em suas roças".



E ainda: "A quota de alimentos fornecida pela Funai é insignificante em relação ao mínimo calórico recomendado pela tabela dietética, a quota média do fornecimento diário de farinha é de 12Kg para 40 índios - representando cerca de 300g homem/dia. Adicionando-se a esses fatores, temos os traumas psicológicos: os contrastes tecnológicos, hábitos sofisticados, intervenção em seu comportamento médico - religioso (adoção de técnicas medicinais com produtos químicos farmacêuticos) entre os efeitos imediatos, talvez, já postos em confrontações, nesta fase do contato" (1971b: 23-24).



Demitido da Funai, Cotrim abandonou sua carreira de sertanista e os Asurini continuariam a sofrer os prejuízos do contato. Contam os índios que, depois de Cotrim, permaneceu outro membro da Frente esquecido entre eles e que chegou a ficar "sem açúcar". Os próprios índios resolveram ir sozinhos a Altamira buscar recursos, enganando o responsável pelo Posto, quando lhe disseram que saíam para uma excursão de caça. O episódio é contado hoje com humor, mas revela o abandono a que foram relegados, uma vez "pacificados".



Na década de 1980, por recomendação da antropóloga Berta Ribeiro - que estivera entre os Asurini em 1981 -, o Secretariado Nacional do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) conseguiu autorização do então presidente da Funai, Cel. Paulo Leal, para que duas missionárias do grupo Irmãzinhas de Jesus viessem se estabelecer entre os Asurini do Xingu. Elas desembarcaram na aldeia em meados de 1982, trazendo na bagagem uma longa e bem-sucedida experiência de apoio à recuperação dos Tapirapé, também um povo Tupi, que vive nas proximidades do Rio Araguaia (MT) e que passou por um processo semelhante de depopulação após o contato. As missionárias não quiseram assumir formalmente nenhuma atividade de assistência, em substituição às obrigações da Funai. Na época, não se formalizou entre elas e a Funai nenhum tipo de convênio, ficando explícito que se tratava de "uma ação paralela, de orientação e conhecimento dos problemas do grupo em seu processo de recuperação".




Modo de vida

Na aldeia asurini existem diferentes tipos de habitação, sendo que as mais comuns, onde residem os diferentes grupos domésticos, são do tipo regional, ou seja, com paredes de barro, estrutura de madeira e cobertura de palha. A maior casa da aldeia (aketé, tavywa), medindo aproximadamente 30m de comprimento, 12m de largura e 7m de altura, corresponde à descrição da moradia característica dos Tupi: a planta é retangular. A colocação dos moirões, vigas e traves obedecem a regras adequadas para a construção da estrutura básica que caracteriza sua forma abobadada. Nesse sentido, ela difere das demais por ter uma construção melhor elaborada. Na cobertura é utilizado apenas o broto da folha de palmeira e na estrutura são usadas determinadas espécies de árvores para cada posição. Na construção participa todo o grupo, sob a liderança dos que passarão a residir na casa. No chão são enterrados os mortos e aí se realizam as principais cerimônias asurini.



Tradicionalmente, a aketé ou tavywa era a habitação coletiva de um grupo local. Entretanto, reunidos junto ao Posto da Funai, os Asurini se reorganizaram num grupo formado por indivíduos de diferentes grupos locais e com população demograficamente desequilibrada, devido ao decréscimo populacional. Como observa Soares (1971b:23), desde a época do contato a morte dos mais velhos abalou a estrutura política do grupo, já que entre eles se encontravam os seus líderes. A maioria dos homens é xamã (pa(z*)é) e a intensificação dos rituais xamanísticos deve estar relacionada a esse esforço de reorganização tribal.




A composição dos grupos domésticos revela uma tendência da estrutura social típica dos grupos Tupi, mas observa-se também uma instabilidade decorrente do desequilíbrio demográfico. Há certa semelhança entre a organização social asurini e tenetehara, para os quais, segundo Galvão e Wagley (1961:39), "em essência, a família extensa é um grupo de mulheres relacionadas por parentesco, sob

liderança de um homem". A regra de residência é uxorilocal e os homens que pertencem a um grupo doméstico, pelo casamento com mulheres aparentadas entre si, mantêm relações de cooperação nas atividades de subsistência.Nas famílias nucleares, há vários casos de poliandria. Nesses casos, a mulher mais velha já passou da fase de procriação e a mais nova dedica-se intensamente às atividades rituais (são as cantadoras que acompanham os pajés), ao aprendizado da arte gráfica (pintura corporal e decoração de cerâmica) e auxilia a "mãe" nas atividades básicas de sobrevivência (roça, cozinha, tecelagem, cerâmica e coleta).



A mulher asurini casa-se na adolescência, mas terá seu primeiro filho na juventude (25 anos aproximadamente). Até esse período, estará aprendendo e aperfeiçoando-se nas tarefas subsistência, de modo que participará dos rituais como cantadora. A confecção da cerâmica, muito valorizada entre os Asurini (estética e utilitariamente) também pode ser definida como atividade excludente às funções procriativas da mulher. Há mulheres asurini que nunca tiveram filhos (hoje com mais de 45 anos de idade), entre as quais há exímias artistas.



Outra condição para a procriação é a existência de dois maridos, um jovem e outro mais velho. Durante a gestação até o quarto mês, vários homens participam da formação do feto e mantêm relações sexuais freqüentes com a mulher para que a criança "nasça forte". No resguardo, participam apenas os dois pais casados com a mãe. O pai mais velho será o principal responsável pela educação do filho, se for do sexo masculino. Para o mais novo, o nascimento do primeiro filho é marca de passagem de uma categoria de idade à outra (essa passagem não é formalmente ritualizada entre os Asurini). Uma das justificativas das mulheres para os casamentos sem filhos é a ausência do pai mais novo (iau n´ative).


Notas sobre as fontes

Para quem se interessar em saber mais sobre o processo que envolve o sistema de arte gráfica e adornos corporais dessa população, bem como informações gerais, deve consultar o artigo de 1982 de Berta Ribeiro, “A Oleira e a Tecelã”, publicado no n. 26 da Revista de Antropologia. Há também o texto “Pintura e Adornos Corporais”, de Lux Vidal e Regina Müller, publicado no terceiro volume da coletânea

Suma Etnológica Brasileira, de 1987. Da mesma Regina Müller, há ainda o livro Os Asurini do Xingu (História e Arte), de 1990, e o artigo “Tayngava, a noção de representação na arte gráfica”, que faz parte do clássico livro Grafismo Indígena, organizado por Lux Vidal, de 1992. Por fim, em 2000 foi concluída a Tese de doutorado na área de Antropologia Social pela USP de Fabíola Silva: As Tecnologias e seus significados.
Para ver mais fotos http://img.socioambiental.org/v/publico/asurini-do-xingu/
Fontes de informação


  • AGUIAR, Gilberto F. Souza; GUERREIRO, João Farias; SANTOS, Sidney Emanuel Batista dos. Interindividual genetic relationships in an Amazonian indian village. Boletim do MPEG, Série Antropologia, Belém : MPEG, v. 9, n. 2, p. 171-97 , dez. 1993.


 



  • ARAÚJO, Ana Valéria (Org.). A defesa dos direitos indígenas no judiciário : ações propostas pelo Núcleo de Direitos Indígenas. São Paulo : Instituto Socioambiental, 1995. 544 p.



 



  • ARNAUD, Expedito. Mudanças entre os grupos indígenas Tupi da região do Tocantins-Xingu (Bacia Amazônica). In: --------. O índio e a expansão nacional. Belém : Cejup, 1989. p. 315-64. Publicado originalmente no Boletim do MPEG, Antropologia, Belém, n.s., n. 84, abr. 1983.


 



  • COUDREAU, Henri. Viagem ao Xingu. Belo Horizonte : Itatiaia ; São Paulo : Edusp, 1977. 166 p.


 



  • ETNOARQUEOLOGIA : a tecnologia ditada pelo coração. Pesquisa Fapesp, São Paulo : Fapesp, s.n., p.40-2, out. 1999.



 



  • FRANCHETTO, Bruna. Laudo antropológico : a ocupação indígena da região dos formadores e do alto curso do rio Xingu. Rio de Janeiro : s.ed., 1987. 159 p.


 



  • JANGOUX, Jacques. Preliminary observations on shamanism, curing rituals and propitiatory ceremonies among the Asurini indians of the middle Xingu in Brazil. Arquivos de Anatomia e Antropologia, Rio de Janeiro : Instituto de Antropologia Prof. Souza Marques, v.2, n.3, sep., p.11-76, 1978.


 



  • LO CURTO, Aldo Giuseppe. Asurini, gli artisti della giungla. Prosito : BSI, 1995. 32 p.



 



  • LUKESCH, Anton. Bearded indians of the tropical forest : the Asurini of the Ipiaçaba. Notes and observations on the first contact and living together. Graz : Akademische Druck, 1976. 147 p.




--------. Kontaktaufnahme mit Urwaldindianern (Brasilien) : Die Asurini im Xingu-Gebiet. Anthropos, Fribourg : Internationale Zeitschrift für Völker, n. 68, p.801-14, 1973.



  • MÜLLER, Regina Aparecida Pollo. Os Asuriní do Xingu : história e arte. Campinas : Ed. da Unicamp, 1993. 350 p. (Série Teses)




--------. Os Asuriní do Xingu. In: SANTOS, Leinad Ayer O.; ANDRADE, Lúcia M. M. de (Orgs.). As hidrelétricas do Xingu e os povos indígenas. São Paulo : CPI, 1988. p.173-8.




--------. Contexto histórico, reproducción y noción de representación entre los Assurini del Xingú : el análisis del discurso en el estudio de las sociedades indígenas. In: BASSO, Ellen B.; SHERZER, Joel (Coords.). Las culturas nativas latinoamericanas a traves de su discurso. Quito : Abya-Yala ; Roma : MLAL, 1990. p. 395-416. (Colección 500 Años, 24).



--------. Corpo e imagem em movimento : há uma alma neste corpo. Rev. de Antropologia, São Paulo : USP, v. 43, n. 2, p. 165-94, 2000.



--------. As crianças no processo de recuperação demográfica dos Asurini do Xingu. In: SILVA, Aracy Lopes da; MACEDO, Ana Vera Lopes da Silva; NUNES, Angela (Orgs.). Crianças indígenas : ensaios antropológicos. São Paulo : Global ; Mari, 2002. p.188-212.



--------. De como cincoenta e duas pessoas reproduzem uma sociedade indígena, os Asurini do Xingu. São Paulo : USP, 1987. 385 p. (Tese de Doutorado)



--------. Muertos y seres sobrenaturales, separación y convivencia : principios cosmológicos en la concepción Asurini de la muerte. In: CIPOLLETTI, Maria Susana; LANGDON, E. Jean (Coords.). La muerte y el mas alla en las culturas indígenas Latinoamericanas. Quito : Abya-Yala ; Roma : MLAL, 1992. p. 77-90. (Colección 500 Años, 58)



--------. Tayngava, a noção de representação na arte gráfica Asurini do Xingu. In: VIDAL, Lux (Org.). Grafismo indígena. São Paulo : Edusp ; Studio Nobel ; Fapesp, 1992. p.231-48.




  • RIBEIRO, Berta. A oleira e a tecelã. Rev. de Antropologia, São Paulo : USP, v.26, p.25-61, 1982.


  •  



  • SILVA, Fabíola Andrea. As tecnologias e seus significados : um estudo da cerâmica dos Asurini do Xingu e da cestaria dos Kayapó-Xikrin sob uma perspectiva etnoarqueológica. São Paulo : USP, 2000. 244 p. (Tese de Doutorado)


  •  



  • SOARES, Antônio Cotrim. Relatório apresentado pelo sertanista sobre contatos com os índios Asurini. PI Koatinemo : Funai, 1971. 62 p.



  •  



  • SOUZA, Maria Luiza Rodrigues. Nomes e história do contato entre os Assurini do Xingu. São Paulo : USP, 1994. (Dissertação de Mestrado)


  •  


  • A tecnologia ditada pelo coração : índios do Xingu definem seus processos técnicos por razões simbólicas. Pesquisa Fapesp, São Paulo : Fapesp, s.n., p. 40-2, out. 1999.


  •  



  • VIEIRA, Márcia Maria Damaso. O fenômeno de não-configuracionalidade na língua asurini do trocara : um problema derivado da projeção dos argumentos verbais. Campinas : Unicamp, 1993. 274 p. (Tese de Doutorado)



  •  



  • VIDAL, Lux; MÜLLER, Regina Aparecida Pollo. Pintura e adornos corporais. In: RIBEIRO, Berta (Coord.). Suma Etnológica Brasileira. v.3: Arte Índia. Petrópolis : Vozes, 1986. p.119-50.


  •  



  • Morayngava. Dir.: Regina Müller; Virginia Valadão. Vídeo Cor, 16 min., 1997. Prod.: CTI


  •  



  • Ritual das Flautas. Dir.: Delvair Montagner; Regina Müller. Vídeo Cor, Beta-SP/HI 8, 34 min, 1996. Prod.: CPCE/CNPq.



  •  



  • Saforai. Dir.: Regina Müller. Vídeo cor, Hi-8/NTSC, 23 min., 1993.
  • O último sobrevivente


    O último sobrevivente


    Imagem digital de vídeo de Vincent Carelli com rosto do índio desconhecido realçado por computador

    Equipe da Funai tenta contatar indígena que vive sozinho

    LEONARDO SAKAMOTO E JOÃO MARCOS RAINHO

    "Acompanhando o ruído de folhas pisadas, vimos seu vulto por entre os arbustos. Caminhava rapidamente, mas sem correr e sem olhar para o nosso lado, sumindo na sua experiência de fugitivo. Pouco adiante, cerca de 200 metros, o reencontramos sentado em frente a uma palhoça. Ao nos ver, pulou para dentro. Iniciamos, então, uma longa tentativa para convencê-lo de que não queríamos lhe fazer mal. Um índio canoé que nos acompanhava depositou seu arco e flecha ao lado da palhoça, tirou a camisa e começou um ritual de cura para ver se o atraía.

    Ficamos na espera e nada, nem um ruído. Sentindo-se ameaçado, resolveu nos mostrar seus sentimentos. Enfiou uma flecha para fora e apontou para um membro da equipe. Não sabemos se foi de propósito ou não, mas o fato é que ele errou. E errou por pouco, pois a lança passou a centímetros do peito do Vincent. Usando uma vara, lhe oferecemos milho, que violentamente despedaçou com seus golpes. Tentamos conversar, rimos na sua frente, oferecemos mais milho, machado, ajuda. Mas sempre em vão, só a flecha. Sempre a flecha..."

    Esse é o relato de Marcelo dos Santos, chefe da Frente de Contato Guaporé, em uma das inúmeras tentativas de estabelecer comunicação com o último índio remanescente de um grupo desconhecido. Ele perambula sozinho numa área de selvas ao sul do estado de Rondônia. Ninguém sabe qual seu nome, qual sua etnia, língua ou origem. Um vulto que assombra silenciosamente a floresta Amazônica, atormentando com sua existência os fazendeiros que destruíram sua roça e mataram sua gente.

    Para entender sua história, primeiro é preciso compreender sua realidade. A Frente de Contato Guaporé é um braço da Fundação Nacional do Índio (Funai) que tem por objetivo localizar e proteger os últimos grupos indígenas isolados de Rondônia. Estima-se que milhares de índios nessa condição ainda estejam espalhados pelas matas do estado.

    A frente vive diariamente uma corrida contra o relógio. A região é uma das que mais crescem em todo o país com a expansão da fronteira agrícola na direção oeste. Na década de 80, na ânsia de desenvolvimento, o governo dividiu enorme extensão de terras em lotes, que foram arrematados em leilões. O objetivo original era de que cada família ficasse com um pequeno lote, alcançando, dessa maneira, a colonização definitiva do estado. Ninguém poderia comprar mais de um. Famílias influentes, porém, utilizando testas-de-ferro, adquiriram dezenas deles e criaram latifúndios. No papel, são diversos lotes, com vários donos. Na prática, estão reunidos em grandes fazendas, com uma só sede e um gerente, que fala em nome de um único proprietário.

    Rio torto

    A presença desses proprietários gigantes acabou por expulsar muitos dos pequenos colonos. De acordo com Joaquim – o nome é fictício para evitar represálias – engenheiros a mando da família Moisés de Freitas (que junto com a família Duarte dita a lei no sul de Rondônia) desviaram o curso de um rio, impedindo que a água chegasse à sua terra. Dessa forma, foi obrigado a abandoná-la e ir para a cidade.

    O comércio de madeiras nobres, como o mogno e a cabreúva, é proibido em toda a Amazônia. Contudo, como se sabe, a proibição fica só no papel. Caminhões carregados levantam poeira pelas estradas de terra de Colorado do Oeste, Pimenta Bueno, Vilhena e dezenas de outros municípios, transportando toneladas de madeira recém-cortada.

    A principal rodovia do estado, a BR-364, sai de Rondônia, rasga o Acre e termina no ponto mais ocidental do Brasil, a serra do Divisor. Boa parte da população desse eixo depende das serrarias para sobreviver. Em Vilhena, as atividades voltadas ao beneficiamento da madeira respondem por metade de todas as vagas do setor secundário – dados da Federação das Indústrias do Estado de Rondônia. Isso sem considerar os trabalhadores não registrados que ganham por dia de serviço, principalmente na derrubada de árvores na mata.

    A capa vegetal original do estado está indo abaixo. O município de Pimenta Bueno teve 27% de sua área desmatada. São Felipe d’Oeste, 52%. Primavera de Rondônia, 87%. Com isso, os olhos dos latifundiários e madeireiros voltam-se cada vez mais para as 16 áreas indígenas do estado, que ocupam quase 4,5 milhões de hectares, ou seja, 18,5% da superfície rondoniense.

    Com açúcar, sem afeto

    Mas se a cobiça sobre as áreas indígenas consolidadas já é um prato cheio para conflitos, o que dizer da possibilidade de "perder" propriedades com documento e tudo para índios? Como ainda restam grupos indígenas isolados no estado, esse é um risco real para fazendeiros locais. Uma vez descobertas novas comunidades e comprovada sua presença tradicional em determinada área, o direito dos índios àquela terra prevalece sobre eventuais títulos de propriedade (ver matéria principal desta edição). A quem possuir esses documentos cabe apenas uma indenização pelas benfeitorias que tenha realizado.

    É claro que isso dificilmente vai cobrir o valor da madeira que se poderia abater ilegalmente. Portanto não é preciso dizer que, para um proprietário, encontrar índios na fazenda é sinal de mau agouro. Próximo a Corumbiara, índios canoés e aicunsus foram contatados pela primeira vez há alguns anos. Como resultado desse encontro, a Frente Guaporé conseguiu que o governo interditasse uma área de 600 quilômetros quadrados, abrangendo diversas propriedades rurais, para garantir a sobrevivência desse grupo.

    A interdição de terrenos, que visa evitar intervenções no local enquanto se estuda como ajudar os índios encontrados, não significa ainda que aquela área será de fato demarcada como terra indígena. Mas é um sinal de que isso pode acontecer.

    Por isso basta circular a notícia da descoberta de índios numa região para que fazendeiros de toda a redondeza se alarmem. Afinal, áreas indígenas costumam ser extensas. Em alguns locais, começa-se uma espécie de "caçada", para antecipar-se à chegada da Funai e evitar futuros problemas.

    Testemunhas afirmam que foi isso o que aconteceu próximo à cidade de Chupinguaia. Ao perceber que outras propriedades, no vizinho município de Corumbiara, foram interditadas para a reserva do Omerê, pecuaristas que sabiam da existência de índios isolados em suas terras teriam mandado presenteá-los com açúcar temperado com veneno de rato. Os poucos que escaparam ao envenenamento teriam sido mortos ou afugentados à bala. Isso teria ocorrido há mais de dez anos. Infelizmente, as testemunhas que poderiam comprovar as suspeitas sobre os fazendeiros estão desaparecidas. Medo de serem as próximas vítimas em uma terra sem lei.

    Em fuga

    Nosso índio do início da reportagem teria sido o último sobrevivente desse grupo e, desde então, viveria fugindo com medo dos brancos pelas matas da região. Através de informantes e investigações, a equipe da Frente Guaporé chegou até ele. De olhos miúdos e desconfiados, o índio tem características encontradas em poucos grupos indígenas. Usa costeletas. Sua moradia, pequenas cabanas construídas com armação de varas e cobertas de palha, possui em seu interior um buraco de 2,5 metros de profundidade. Próximo às suas palhoças, escolhe uma árvore e com um machado faz um anel no tronco, uma espécie de coroa. Acredita-se que o buraco e o anel tenham finalidades espirituais.

    Muda-se com freqüência, principalmente quando um branco descobre onde está residindo. Nos últimos anos, já se mudou cerca de 15 vezes –sempre dentro de uma área de mata virgem. Para garantir sua segurança, em 1997 foi solicitada ao governo federal a interdição de uma região de 60 quilômetros quadrados, abrangendo pedaços de três fazendas: Carlinhos, Socel e Modelo.

    A primeira delas, que possui apenas uma pequena área incluída, já não possuía capa florestal na época da interdição. A Socel não está realizando desmatamentos nos lotes atingidos. Porém, a Fazenda Modelo, dos irmãos Dennis e Hércules Gouveia Dalafini, tem uma história que vem de longe.

    Não foram eles que envenenaram os índios, pois adquiriram a propriedade anos após a provável chacina. Mas, quando as terras foram parar em suas mãos, descobriu-se que existia uma aldeia, habitada por alguns indivíduos. Acredita-se que essa era a aldeia dos índios envenenados. Testemunhas afirmam que a clareira que se distingue nitidamente em fotos de satélite encomendadas pela Funai é o local onde ficava a aldeia, que teria sido minuciosamente "limpo" pelos Dalafini em 1994, para apagar qualquer vestígio de ocupação indígena anterior – cabanas, roças e até árvores. De acordo com as mesmas testemunhas, quem morava na aldeia fugiu sob uma chuva de balas.

    Foto da mata devastada para faser estradas em Corumbiara

    As fotos do satélite, tiradas em 1996, já estão bem desatualizadas. No ano passado, ou seja, desrespeitando a portaria federal que interditou a área, os Dalafini praticamente puseram abaixo toda a mata. Hoje, o lote 37, setor 9, da gleba Corumbiara é um grande pasto. E, para piorar, os proprietários não autorizam a entrada de agentes da Funai na área porque, a exemplo do senador Amir Lando em outra área indígena (ver texto abaixo), não quiseram receber a ordem judicial que mantinha a interdição – a portaria tem prazo determinado. Em tese, a prorrogação vale até dezembro deste ano, porém, como os proprietários não assinaram o documento, a data será postergada. Dennis Dalafini, procurado pela reportagem, não respondeu à ligação até o fechamento desta edição.

    Surdez

    Talvez o índio não queira mesmo conversa com brancos. A maior aproximação foi um canequinho de alumínio e uma machadinha de ferro que a Frente de Contato Guaporé lhe deixou como presentes e ele levou. Vários dialetos indígenas já foram usados em tentativas de conversa, mas sem sucesso. Não se descarta a possibilidade de que seja surdo em decorrência de ingestão do veneno.

    A intenção da frente seria convencê-lo a morar em uma reserva de outros índios de contato recente. "Não é mais possível salvar sua sociedade", diz Roque Laraia, diretor de Assuntos Fundiários da Funai. Em sua opinião, manter o índio totalmente solitário naquele pedaço de terra seria uma "crueldade".

    Contudo, ao que parece, apesar das várias tentativas, nosso fugitivo de costeletas quer permanecer sozinho. Talvez também saiba que pode ter o mesmo destino de outras tribos de Rondônia que, de tanto contato com os brancos, acabaram por querer ser iguais a eles. Como alguns nhambiquaras, que descobriram que a madeira da qual suas terras estavam recheadas valia cachaça, carros, casas de alvenaria, aparelhos de televisão. O resultado foi o aparecimento de uma classe de índios ricos, formada por aqueles que cuidavam da madeira. Mas que não fizeram planos para o futuro: deixaram suas terras nuas, gastaram todo o dinheiro e agora estão na miséria.

    A história do índio solitário não é única. Como ele, milhares de outros estão sozinhos, mesmo vivendo em aldeias. Abandonados, encurralados na terra que um dia já foi sua. Trocados por boi com o apoio e a conivência da sociedade civil. Ou servindo de atração circense nas capitais.

    Marcelo dos Santos, da Frente Guaporé, conclui seu relato: "Depois de seis horas de tentativas, desistimos. Ele, mais do que ninguém, sabe o que é perder todos os seus parentes pelas mãos dos que agora aparecem para ofertar comida. Está só e parece querer morrer assim".



    A fazenda do senador

    O senador Amir Lando (PMDB-RO), sócio de uma das propriedades interditadas pela Funai, está sendo acusado de promover a derrubada e o comércio ilegal de madeira da reserva indígena do Omerê, próximo a Corumbiara. Há também a denúncia de que o senador esteja fazendo pressão contra a interdição de suas terras e tentando forçar a demissão de membros da Funai de Rondônia – o que, é claro, facilitaria a vida de latifundiários que querem despejar os "incômodos inquilinos" descobertos em suas propriedades.

    "Sempre fui um defensor dos índios", defende-se Amir Lando. O senador afirmou que tirou apenas algumas árvores para fazer porteiras para sua fazenda e 25 pontes para a prefeitura de Corumbiara e que, legalmente, suas terras não fazem parte da interdição.

    Ele não reconhece a interdição, segundo diz, por não ter sido pessoalmente intimado pela Justiça. Contudo, admita ou não, seu lote faz parte da reserva do Omerê e não se poderia retirar uma árvore sequer sem o consentimento dos órgãos competentes.

    O Ibama, junto com a Polícia Federal, a pedido da Frente Guaporé, realizou uma vistoria na fazenda do senador e autuou-o pela derrubada ilegal de pelo menos 150 cabreúvas na área interditada.

    Primeiramente, o auto de infração saiu em nome de Amir Lando. Porém – como em um passe de mágica – acabou mudando de nome, e foi destinado ao verdadeiro proprietário, Leandro Vicente Lopes – que, de acordo com jornalistas de Rondônia, seria parente do senador. Quando questionado pela reportagem, porém, Amir Lando afirmou que o lote é seu há 15 anos, "licitado pela União".

    Enquanto o processo de interdição estivesse correndo, a madeira não poderia ser doada, vendida ou utilizada para qualquer finalidade. Como a situação era de "fiel depositário", as madeiras deveriam continuar lá. Não estão mais. De acordo com o secretário da Fazenda da cidade de Corumbiara (município onde está localizada a propriedade), as madeiras que o senador "deu" estão sendo utilizadas para fazer pontes. "E pontes grandes, com mais de 20 metros de comprimento."



    A dura vida dos desbravadores

    Se o sertanista Orlando Villas Bôas de fato ocupava nos últimos anos um cargo simbólico na Funai, como dizem seus ex-patrões, sua demissão sumária, no final de janeiro deste ano, foi também um símbolo. Foi como se a Funai tivesse posto um ponto final numa era de aventuras e desbravamento, de entrega à causa indígena – literalmente – de corpo e alma. Villas Bôas, que dedicou aos índios e ao mato 48 dos seus 86 anos, não é o último sertanista, mas certamente foi o inspirador dos poucos que restaram.

    Afinal, não é qualquer um que tem em seu currículo mais de 1,5 mil quilômetros de picadas abertas, 250 malárias contraídas em serviço, oito línguas indígenas aprendidas, 5 mil índios contatados. E uma dúzia de livros para contar tudo isso (ver texto abaixo).

    Orlando, que viabilizou a criação e a proteção do Parque Indígena do Xingu, citado como exemplo mundial, e batizou a mesma Funai que o dispensou por fax, acredita que sua maior contribuição foi outra. "Mandamos para a sociedade brasileira a notícia de que os índios não eram bichos selvagens que andavam pela selva matando gente." Hoje, com a saúde fragilizada, viaja menos, mas não consegue ficar totalmente à vontade em sua casa no agradável bairro paulistano do Alto da Lapa. "Sinto falta do mato, dos índios", diz.

    Mas supondo que ele um dia voltasse a procurar índios isolados, como fez por décadas, teria que se adaptar às novas estratégias de aproximação a esses grupos, que vigoram desde 1987. Atualmente, a ordem é não fazer contato. O responsável por coordenar essa difícil tarefa é o diretor do Departamento de Índios Isolados da Funai, Sidney Possuelo, sertanista com 34 anos de profissão. Seis deles foram com Villas Bôas, que o considera carinhosamente sua "cria".

    O novo procedimento é mais ou menos este: quando tem notícia de um povo indígena ainda desconhecido, o sertanista deve ir até o local, aproximar-se da tribo, documentar sua existência e tentar demarcar o território. Depois, montar um acampamento fixo e deixar ali um vigia. A idéia é impedir a entrada de invasores. Os índios, por sua vez, só saem se quiserem fazer contato.

    Essas medidas visam protegê-los do encontro com os brancos. "Os índios têm uma grande curiosidade, um grande interesse em conhecer a nossa cultura, e isso pode ser extremamente perigoso para sua sobrevivência", concorda Villas Bôas.

    Para os índios, o risco é o contato; para os sertanistas, a própria selva. Villas Bôas e Possuelo são, na verdade, sobreviventes. Nos últimos 30 anos, 120 sertanistas e auxiliares da Funai morreram na selva. O trabalho é duro – além de, atualmente, ser muito mal remunerado. Cada expedição pode levar meses dentro do mato, com o risco de doenças e ataques de índios, bandidos, cobras e onças.

    O sacrifício estende-se à família. "Fica difícil para eles suportar os seis, sete meses de ausência a que às vezes somos obrigados a nos submeter na selva", diz Possuelo, pouco antes de partir para uma nova missão.



    A onça com morte anunciada

    Orlando Villas Bôas demonstra prazer em contar histórias – talvez estimulado pelo fascínio que elas despertam nos ouvintes. Sem esperar o lançamento de "A arte dos pajés" (Editora Globo), seu 12º livro, previsto para março, ele não se contém e adianta uma de suas histórias:

    "Certa vez, numa aldeia arara, um grupo de meninos foi correndo para o córrego, quase no pôr-do-sol. No meio do caminho, uma onça saltou e pegou um menino de 8 anos. Os outros voltaram correndo para a aldeia, gritando e chorando. A aldeia virou uma polvorosa . Quando eu e o Cláudio soubemos, fomos correndo para lá. Chegamos à noitinha. Os índios já tinham achado o corpo do menino, comido pela onça.

    No outro dia de manhã, ficou combinado que 40 índios iam sair para a mata para procurar e matar a onça. Todo mundo estava lá no pátio da aldeia, o dia já clareando. De repente, quando eles já estavam indo para a mata, chegou o pajé, que era tio do menino. Ele disse: ‘Não precisa ir procurar a onça, porque quando o sol estiver aqui (apontou para o zênite), ela vai entrar por aqui (apontou um ponto da aldeia), vai passar aqui (perto de onde ele falava) e vai deitar ali (outro ponto ainda dentro da aldeia)’. Olhei para o Cláudio e ri. Alguns índios também ficaram duvidando. E nós ficamos desde as 7 da manhã esperando a hora. Quando o sol ficou a pino, um índio que estava nos limites da aldeia gritou: ‘Uma onça!’ E a onça veio caminhando. Passou ali na minha cara. Os índios todos se afastaram, fizeram uma barreira. A onça passou, não olhou para nós. Ela vinha toda escalavrada do lado esquerdo, como se tivesse brigado. Passou de cabeça baixa. Chegou no lugar que o pajé mandou, virou o corpo e deitou. Dois índios vieram correndo e quebraram o pescoço dela. Ela não deu um esturro, não fez um gesto, apenas morreu. Fui lá, pus a cabeça da onça em cima de uma pedra e tirei uma foto (acima). Não tem explicação..."
    Fonte=