terça-feira, 15 de setembro de 2009

Missionários sem cruz


Missionários sem cruz

Os brancos ajudam no ensino e na saúde,

mas sua maior missão é

preparar os índios para o futuro


Silvio Ferraz, do Xingu



 










Fotos: Paulo Jares




André Villas Bôas, há 21 anos entre os índios.
O dentista Eduardo Biral, a enfermeira Stela Würkir, sua mulher,
e o filho, Januário, um Tarzan brasileiro



Eles não usam barba, elas têm cabelos compridos e tranças.
Esguios, alimentados a peixe moqueado com biju, mingau de amendoim e frutas.
Falam baixo, dormem cedo e só têm uma conversa: índio. É a tribo dos brancos
composta de cientistas sociais, médicos, pedagogos, enfermeiras, biólogas
e engenheiros agrônomos, vindos de diversas regiões brasileiras. Boa parte
da engenhosa engenharia social e cultural que mantém o Parque do Xingu
funcionando em harmonia se deve ao trabalho desses especialistas.


O foco agora é preparar os índios para o inevitável confronto
com a civilização que um dia ocorrerá. As cidadezinhas vizinhas do parque
vão transformar-se em municípios de porte médio, a urbanização baterá
às portas da reserva. Os moradores do parque, cada vez mais, dependerão
de produtos fabricados pelo branco. Em todos os momentos da humanidade,
sempre que o choque ocorreu, o mais forte sobrepujou o mais fraco. Quase
sempre de forma violenta. Neste canto do Brasil, um punhado de brancos
está conseguindo driblar essa inevitabilidade. Procuram transformar o
abraço sufocante em um caminhar de mãos dadas de culturas tão diferentes.


Com um pé na selva e outro no asfalto, André Villas Bôas
é o "cacique" dessa tribo de brancos. Diretor do Instituto Socioambiental,
ONG paulista apoiada pelo governo da Noruega e pelo cantor Sting, convive
com os índios há 21 anos. Apesar do nome, André tem apenas um longínquo
parentesco com os irmãos Villas-Boas, inspiradores do Parque do Xingu.
Depois de ter morado com os xavantes, no Solimões, com os tikunas, no
Alto Solimões e no Xingu, o cientista social conduz o mapeamento, por
meio de satélite, de toda a região xinguana. Nele aparecem, sem retoques,
as ameaças externas: o avanço do desmatamento, a destruição das cabeceiras
dos rios, a poluição ambiental.











Fotos: Paulo Jares


Índios aprendem a ensinar as crianças de suas tribos: geografia,
história e cálculos





Outro que optou pelo verde, deixando para trás uma clínica potencialmente
rendosa em São Paulo, é o dentista Eduardo Biral. Com uma frase, traduz
a complicação que se instala na cabeça dos que convivem com ele: "Minha
família acha que sou comunista, os índios pensam que sou milionário e
meus colegas paulistas, que sou pirado". Eduardo acha que seu destino
é tratar os dentes dos índios numa cadeira de tábuas, à sombra de uma
mangueira. "Sou um escultor de dentes", diz, com luvas cirúrgicas,
tratando a fila de crianças e adolescentes dos índios suyás. Usa um cimento
dental muito resistente desenvolvido pelos americanos durante a Guerra
do Vietnã, e, enquanto obtura as cáries, sussurra delicadamente com os
pacientes na própria língua suyá. Os kayapós, da aldeia metuktire, levaram
o reconhecimento a Biral mais longe. Nomearam Takakran e Koiman Tekré,
seus pais adotivos. Sua mulher, Stela Würkir, enfermeira, há vinte anos
trabalhando com os índios, deixou Higienópolis, bairro paulistano, e embrenhou-se
na mata em 1980, de onde nunca mais saiu. Stela criou no Xingu um grupo
de "agentes de saúde", índios treinados para suprir a ausência
de enfermeiras e médicos nas emergências. De seu casamento com Biral nasceu,
em 1982, Januário, o "Janu", ou "Bep Kangró", como
querem os que moram na aldeia Metuktire. É o Tarzã brasileiro. Nas noites
de luar pode ser visto de pé numa esquálida canoa, pescando jacarés com
arco e flecha. "Desde os 12 anos é ele quem abastece de proteína
a casa", orgulha-se o pai. Faz grande sucesso entre as índias e seus
melhores amigos são índios. Janu não se perturba com a dupla nacionalidade.
Não abandonou a civilização dos brancos. Estuda por correspondência, no
curso especializado do Anglo-Americano, tradicional colégio carioca.











Maria Cristina Troncarelli, pedagoga, ex-artista
de circo: currículo adaptado



"Bimba", como é mais conhecida a professora paulista
Maria Cristina Troncarelli, 37 anos, dos quais quinze no Xingu, foi atriz
e engolidora de fogo nos circos do ABC paulista antes de ir para o mato.
Hoje toca um programa educacional adaptado para os indígenas. Seu entusiasmo
contagia os 53 instrutores tribais reunidos a sua volta, para aprender
a língua dos brancos. Entre os índios, quanto melhor falar o português,
maior status na tribo. O português, na região, é o idioma do entendimento,
já que as catorze etnias têm línguas próprias. Sem preconceitos, sua didática
recorre a vídeos ou a palestras de velhos guerreiros. Seu curso atrai
indígenas até do Acre. De sua união com um índio kaiabi nasceram as gêmeas
que vivem em São Paulo e visitam os avós índios durante as férias.



Os agrônomos Geraldo Mosimann da Silva e Wemerson Ballester
ensinam apicultura. Com trajes especiais, os 25 apicultores indígenas
produziram 600 quilos de mel neste ano. A meta são 2 toneladas. Os índios
estão a um passo de comercializar seu produto, com o apelo de marketing
de ser produzido por floradas exóticas, desconhecidas pelo consumidor
das grandes cidades. A bióloga curitibana Simone Ferreira de Attayde,
mulher de Geraldo, é outra que enfrenta banho de rio, casa com chão de
terra batida e baratas para organizar o comércio do artesanato indígena.
"Estamos tentando manter viva a cultura dos kaiabis na confecção
das lindas panelas de barro. Não é fácil. O barro daqui, quando vai ao
fogo, racha", explica Simone. A tribo dos brancos no Xingu já enxergou
o futuro. Nele, os índios, sem o paternalismo do governo, que criou e
mantém em bases sólidas a reserva, terão de conviver com seus vizinhos.
Quanto mais bem preparados estiverem, maiores serão as chances de manter
seu modo de vida intocado.

 





Os arquitetos da pacificação















Foto: Hevio Rodrigues




Orlando (acima)
chora na homenagem ao irmão Cláudio:

"Meu lugar é aqui"

Rondon (ao lado)
no
mato desde jovem. Seu
lema: "Morrer,
se
preciso for,
matar jamais"



Rondon e Villas-Boas são, no fundo, os pilares
sobre os quais se assenta hoje toda a política indigenista que rege
o Xingu. Sorte dos índios, sorte dos brancos. O homem que tinha
como lema "Morrer, se preciso for, matar jamais" foi inspirado,
no início do século, a embrenhar-se selva adentro, em locais onde
o homem branco nunca havia pisado. O militar, sertanista e geógrafo
Cândido Mariano da Silva Rondon dedicou a vida a promover a colonização
do interior brasileiro. Por onde passava, Rondon pacificava e tratava
a minoria selvagem. Descendente por parte de mãe dos índios terenos,
o militar descobriu montanhas, rios, corrigiu mapas e construiu
linhas telegráficas Brasil afora, rompendo até o isolamento da Bolívia
e do Paraguai. A tribo bororo ficou tão reconhecida ao militar que
lhe reservou um inusitado presente: a mais linda e mais jovem donzela.
Rondon nunca a viu. Era um tímido.



Seguidores da sua filosofia, os irmãos sertanistas
Cláudio, Orlando e Leonardo Villas-Boas mergulharam na missão de
desviar as tribos da rota da extinção. Ela ocorreria por conflitos
armados ou por epidemias, à medida que os contatos com os brancos
se tornassem mais intensos e freqüentes. Pacificaram as tribos do
Xingu e inspiraram a criação de um santuário, o atual Parque do
Xingu. Para lá levaram quinze etnias diferentes, cada qual com seus
usos e costumes e, não raro, inimigas entre si. Pacificados, hoje
os índios vivem o que chamam de "a longa trégua". Orlando
é o sobrevivente, uma legenda. Seu irmão Cláudio é tido pelos índios
yawalapitis como o "espírito do bem que zela por seu povo".
Sobre Orlando, o cacique Aritana sussurra com olhos marejados: "Queremos
ele bem vivo, mas quando chegar a hora repousará no Xingu".

Font= Revista veja Editora abril

O PARAÍSO CERCADO


segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Os guardiães do verde

Os guardiães do verde

As tribos do Xingu em paz, mas alertas

para a guerra contra os destruidores da natureza


Silvio Ferraz, do Xingu


 



Fotos: Paulo Jares

Posto Diauarum: porta de entrada das tribos
para o
Xingu. Festa da Taquara: diariamente, durante
três
meses, para afastar tristeza

Defendido com bordunas, flechas e muita
lábia pelos 3.600 índios de catorze etnias que habitam a região, o Parque
Nacional do Xingu sobrevive milagrosamente sem poluição com sua fauna
e flora intocadas. As fotos de satélite feitas do centro do país, onde
está encravada a reserva indígena, são desoladoras. Pecuaristas e madeireiras
transformaram a região em uma gigantesca mesa de bilhar. O negócio deles
é tocado sem o menor respeito pela natureza, de modo que a floresta é
queimada em busca de árvores de valor comercial ou simplesmente derrubada
para se transformar em pasto. Sobrou uma ilha verde cercada de desmazelo
ecológico, a terra dos índios do Xingu. Pergunte-se a dez habitantes do
planeta Terra quem são os civilizados nessa região e a resposta nesses
tempos ecologicamente corretos será: os índios.





Educação

Os
índios preparam-se para gerir o próprio território. Aprendem português,
geografia, ciências, cálculo porcentual e a fazer tabelas. Os cursos
usam até vídeos.


Os mais velhos são chamados
para narrar as tradições de seus povos. Ser professor é um cargo
cobiçado nas tribos.


Localizado no norte de Mato Grosso, divisa com o Pará, espalhado por
27.000 quilômetros quadrados, quase o tamanho
da Bélgica, o Parque Nacional do Xingu foi uma iniciativa de sertanistas
liderados pelos irmãos Cláudio, Orlando e Leonardo Villas-Boas. Materializada
em 1961 pelo presidente Jânio Quadros, para preservar a cultura, os hábitos
e a religião desses povos, ninguém dava nada pelo destino da reserva.
Instalada em terras pertencentes à União, acabou vingando. Sem seringais
nativos, livrou-se da cobiça dos exploradores. Os Villas-Boas buscaram
uma política de preservação isolada. Ou seja, manter os índios o mais
distante possível da cultura dos brancos. Assim conseguiram evitar os
choques que teriam estraçalhado o lado mais fraco. Os contatos eram tão
controlados que os indígenas eram obrigados a pedir licença quando iam
viajar para os vilarejos mais próximos do Parque do Xingu. "Queríamos
mantê-los longe da cachaça e dos bordéis", conta Orlando Villas-Boas,
hoje acompanhando a vida no Xingu de sua casa no Alto da Lapa, em São
Paulo, visitada periodicamente por seus amados índios.







Fotos: Paulo Jares


Jovens da tribo
Kamaiurá passam urucum contra os
mosquitos. No Xingu a
expectativa de vida subiu para 50 anos

Saúde


A população recebe cuidados médicos da
Escola Paulista de Medicina. Já houve um caso de Aids. Os índios
escovam os dentes
três vezes
ao dia,
num programa da Colgate-Palmolive
que distribui 20 000 escovas e tubos de pasta
de
dentes por ano.

 


"Nossa maior conquista foi a pacificação", garante Orlando.
De fato, não foi fácil quebrar vocações guerreiras como a dos índios suyás.
Seu esporte preferido era a guerra. Os jovens, desde cedo, recebiam cultura
militar dos guerreiros e, dos mais velhos, histórias de grandes feitos.
Quando a paz monótona se prolongava, os suyás tratavam de quebrá-la com
expedições punitivas aos territórios dos jurunas ou dos kamaiurás ou trumais.
Hoje, netos de avós que se odiavam bebem na mesma cuia sem temer a morte
por envenenamento. Além da pacificação das tribos que se entredevoravam
há menos de meio século, os brancos tomaram outra providência vital: a
aplicação regular de vacinas permitiu o crescimento populacional. Atualmente,
com uma taxa de natalidade de 3,6%, os índios se multiplicam mais velozmente
que a média dos demais brasileiros. A expectativa de vida entre eles aumenta
num ritmo mais animador que a dos demais grupos populacionais brasileiros.
Chegou a 50 anos no ano passado e segue crescendo. A média brasileira,
de 68 anos, continua subindo, porém mais lentamente que a dos índios do
Xingu. Portanto, não está distante o dia em que, mantida a atual situação,
os índios do Xingu estarão vivendo mais e, sem dúvida, melhor que seus
vizinhos do centro geodésico do país.


Graças à sabedoria de algumas lideranças indígenas e brancas, o Xingu
é hoje um raro arranjo harmônico entre culturas díspares. Foram os brancos
que escolheram a área da reserva e que pacientemente transportaram em
aviões militares um a um todos os índios, vindos de vários pontos da Amazônia,
para seu novo lar. Com isso tiraram os indígenas da rota certa do extermínio.
Obviamente, não se faz uma transposição dessas sem um preço. Os brancos
introduziram o sal na dieta e, com ele, a hipertensão arterial. Enfermidades
cardíacas e diabetes, outros males que passaram a ser conhecidos dos índios.
"Mais recentemente apareceu até um caso de Aids, o problema é raro,
mas já preocupa", diz o médico Douglas Rodrigues, coordenador da
equipe da Universidade Federal de São Paulo que, desde 1965, cuida das
doenças mais sérias das tribos entre elas
as mais resistentes, gripe e tuberculose. São quatro viagens anuais à
região, o que dá aos índios um padrão de assistência de muito boa qualidade.


A nova geração xinguana aprende a preservar a natureza, mantendo a identidade.
Inevitavelmente, convive com sandálias havaianas, pilhas, lanternas, calções
de brim, camisetas do Flamengo e do Palmeiras e até mesmo clones de tênis
usados na orla carioca ou nas ruas de São Paulo. Barcos de alumínio impulsionados
por motores de popa de 25 cavalos, rádios, poucos aparelhos de televisão
com antenas parabólicas movidas a bateria solar quebram o silêncio e completam
as concessões ao modernismo.










Fotos: Paulo Jares



O cacique Kuiussi, dos suyás, ladeado pelos pajés, reúne suas
forças: seus guerreiros, as duas mulheres e as crianças. Índias yawalapitis
ralam a mandioca-brava, base da alimentação sadia.
Os guerreiros não vão mais à guerra, e a luta "huca-huca"
virou esporte que só perde para o futebol


 


A viagem, descendo o rio, um mergulho no paraíso. As praias surgem a
partir de maio e vão até setembro, quando as chuvas recomeçam e o rio
sobe e invade as matas. As areias finíssimas, alvas e com pequenas dunas
onde pousam garças e uma infinidade de pássaros silvestres emolduram a
mata fechada. A duas horas do Posto Diauarum, aparece o Suiá-Miçu, afluente
do majestoso Rio Xingu. Mais uma hora, despontam as primeiras malocas
da aldeia rikô, da tribo suyá. O cacique é Kuiussi pintado com urucum,
para espantar os enxames de mosquitos. Farta cabeleira negra penteada
até os ombros, a narina esquerda sem um pedaço, sem que isso o faça mais
amedrontador. Kuiussi chegou ao Xingu com 2 anos. Sua tribo desaparecia
aceleradamente. Cláudio Villas-Boas livrou os suyás da extinção. Hoje
eles são quase 300 orgulhosos sobreviventes. Até a língua suyá, que morria,
revigorou-se.






Economia


Os kaiabis são mestres em panelas de barro
e na cestaria. Os bancos dos kamaiurás, imitando animais, são cobiçados.
Todos são agricultores. Mandioca, banana, amendoim e milho são culturas
de base. Entre si, vivem de trocas. Começaram a exportar para São
Paulo e Rio.



O coração do país é um lugar feliz. Ali, festa e trabalho se confundem.
São 3 horas da manhã, e o silêncio da noite na floresta é cortado, de
repente, pela batida surda dos tambores. Começa a festa do Kahrankasaka,
a "festa do tracajá feio", a pequena tartaruga que povoa os
rios da região. Só para homens. Chocalhos nas pernas e nos tornozelos,
cantam e dançam em círculo até o sol raiar, em homenagem à chuva que faz
a água, à água que faz o rio, ao rio que alimenta os peixes, aos peixes
que alimentam os homens. O sol, a luz, o dia e a noite, as árvores, as
onças e as pacas, antas e abelhas são homenageados. Até mesmo o rato.
Os suyás acreditam que, por ter descoberto o milho, o rato merece graças.
As mulheres também têm sua festa particular: a principal é a Yamurekumã,
com data móvel. Reza a lenda que, cansadas de só comer o jacaré caçado
pelos companheiros, elas os punem com uma greve sexual. Na noite em que
o mito é relembrado, as índias surram os homens e nem o cacique e o pajé
livram-se de boas bordoadas. É para feminista nenhuma botar defeito.





Fotos: Helvio Romero


Os yawalapitis amarram as pernas e os
braços
para realçar a musculatura. Altos, sadios,
trabalham na
agricultura e abastecem a casa com peixe e caça


Enquanto a civilização ainda engatinha com o v-chip, a solução eletrônica
que vai permitir aos pais censurar os programas de televisão inadequados
para seus filhos, os caciques do Xingu já resolveram o problema. Foram
radicais. Eles perceberam que as brincadeiras das crianças tornavam-se
violentas depois que assistiam a programas de televisão e simplesmente
baixaram a ordem: desligar os aparelhos. Todo mundo obedece.


A paz vale ouro quando se é obrigado a conviver num espaço territorial
limitado. A transformação dos índios ykpengs de selvagens ranzinzas e
agressivos a um povo que valoriza a convivência pacífica é emblemática
no Xingu. O cacique ykpeng, também pajé, uma espécie de sacerdote e curandeiro,
é Melobô, um "estadista ateniense", como é descrito pelo antropólogo
Darcy Secchi. Apesar da fisionomia dura, Melobô ama a política e a negociação.
É a voz de oposição a outra força política, o prestigioso Aritana, cacique
dos yawalapitis, no Alto Xingu. No passado acabariam medindo forças num
combate sanguinário. Hoje, Aritana e Melobô estão unidos contra o inimigo
externo, os fazendeiros que sempre ensaiam invadir a reserva.





Política


Há menos de meio século, as tribos que
hoje habitam o Xingu guerreavam o tempo todo. Kaiabi não podia ver
kayapó. Juruna que cruzasse com suyá morria. Atualmente, vivem o
que chamam
de "longa trégua".
A luta agora é pela preservação ambiental.


O cacique Aritana é um autêntico embaixador. Carismático, muito conhecido
fora do Xingu, ele domina com fluência nove idiomas indígenas. É dele
a estratégia da geopolítica do casamento, a pacificação pelo matrimônio.
Está dando certo. Casado com duas irmãs, Timai e Sakastro, Aritana é pai
de nove filhos. Sua política consiste em solidificar a paz no Alto Xingu
por intermédio de alianças matrimoniais com outras tribos, bordando uma
verdadeira colcha de interesses e conveniências. Aritana parece habilitado
a isso, já que é capaz de manter a paz em sua casa, onde vive com duas
mulheres luxo que só os caciques ou os
guerreiros que podem sustentar usufruem. "A grande vantagem, no meu
caso, é só ter uma sogra", confessa com uma gostosa gargalhada. Alto,
forte, o cacique dos yawalapitis mantém os braços cruzados e o olhar enviesado
enquanto conversa. Ele conta que os suyás, os amantes da guerra, os waurás,
os "do contra", e os implicantes jurunas eram grandes inimigos
de sua gente à época de seu avô: "Vinham, lutavam e roubavam até
nossas mulheres". Ele próprio é personagem de um desses "raptos
das Sabinas". Seu pai, Parú, reconhecido pajé especialista em ervas,
tornara-se amigo de Orlando Villas-Boas ainda nos tempos da pacificação
dos índios do Brasil central, nos idos dos anos 50. Com a cumplicidade
do sertanista, Parú seqüestrou uma mulher de outra tribo, com a qual se
casou, e daí nasceu Aritana. Pairando acima desses caciques, a imagem
de Mairawê Kaiabi, presidente eleito da Associação das Terras Indígenas
do Xingu, Atix, uma espécie de ONU dos índios.


Consensual e politicamente correto, o cacique é um personagem cujas funções
são pouco conhecidas fora do Xingu. Ele é uma espécie de capataz, o sujeito
que lembra aos demais das tarefas que precisam ser executadas. É incontrastável.
Para amaciar o poder existe o pajé, o único índio da hierarquia que está
acima do bem e do mal. É ele o responsável pelo bem-estar de seu povo.
Quando os médicos brancos chegaram ao Xingu para tratar dos índios, a
primeira coisa que os pajés providenciaram foi a delimitação das áreas
de atuação dos médicos e dos pajés. Exemplo prático dessa divisão é o
parto. O pajé tira a criança da barriga da mãe, dá umas boas baforadas
para espantar os maus espíritos e passa o recém-nascido para os médicos,
que se ocupam do cordão umbilical, da vacina antitetânica e dos antibióticos.
Ocorrem situações difíceis nessa divisão de atribuições. Às vezes, algum
doente carece de cuidados médicos urgentes para não morrer, mas os pajés
teimam em continuar com suas ervas e baforadas. Eventualmente o paciente
morre. Os médicos lamentam, mas não se intrometem.


A única aldeia em que o poder do pajé se encontra virtualmente ofuscado
é a do Sobradinho. Ali, os kaiabis fizeram um pacto original com a Assembléia
de Deus. Os religiosos pediram permissão ao cacique Matari para converter
sua tribo. O cacique pediu tempo. Três dias depois, veio a contraproposta:
ele e seu filho Aturi deveriam ser nomeados, de imediato, pastores da
Assembléia de Deus. Os protestantes toparam. Hoje, é a única tribo em
que o nu foi abolido, pelo menos em teoria. "Na hora do sufoco, todos
suspiram por uma pajelança", confidencia, com rancor mal camuflado,
um pajé de outra tribo kaiabi. Os kalapalos da aldeia tanguro também caíram
na tentação dos padres salesianos. Em troca da permissão para catequeses,
alguns índios vão, aos cuidados dos padres, estudar em São Carlos, interior
paulista. Tem sido assim a vida nesta nesga de terra privilegiada do Brasil.
A natureza agradece. As gerações vindouras de índios e brancos também
Font= Revista veja Editora abril

sábado, 12 de setembro de 2009

Quando a solidão bater a sua porta Não se desespere

Guando estiver triste pensando que nada de bom pode mais acontecer
Que seu mundo virou um deserto
Que não resta mais oportunidades
Que todos te odeiam.


Lembre-se que tudo pode mudar
Que tudo pode ser diferente
Que Deus sempre arruma um jeito para nos dar
A prova que precisamos para
Seguir em frente!
Lembre-se que somos testados a cada minuto da nossa vida
Deus só testa os fortes
Porque sabe que podemos enfrentar os obstáculos
Que se opõem a nossa frente
Só assim receberemos as flores da alegria
Do amor
Da paz
E do amor!!!


Lembre-se que Deus estará sempre dentro de você
Te dando a força que estiver precisando
Basta você procura-lo que vai achar
Sempre que precisar
Experimente
Um dia você lembrara que
Estava preste a fazer
A maior besteira de sua vida
E ficara contente por ter lido esta
Mensagem dirigida a você
Que sofre
Ele estará sempre com as mãos
Sobre você como o pai que e.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Asurini do Xingu



Após o contato com a sociedade nacional, em 1971, os Asurini do Xingu - cuja denominação foi dada pelas frentes de atração - sofreram uma drástica baixa populacional. Contudo, o perigo eminente de sua extinção física sempre contrastou com uma extrema vitalidade cultural, manifesta na realização de extensos rituais, práticas de xamanismo e um elaborado sistema de arte gráfica.





Desde o século XIX, os índios que dominavam a região entre os rios Xingu e Bacajá - hoje conhecidos como Araweté, Arara, Parakanã ... - recebiam o nome Asurini (Asonéri, na língua Juruna), que significa "vermelho", segundo o etnógrafo Curt Nimuendajú (1963c: 225). A margem direita do Rio Xingu sempre foi chamada "Terra dos Assuriní" pelos habitantes de Altamira e demais moradores das margens do referido rio, em seu curso médio (Lukesch,1976:11 e Soares,1971b:3). O cronista estrangeiro Condreau (1977:37) também cita os asurini com um dos grupos que habitavam o Baixo Xingu.

De acordo com Nimuendajú (1963c:225), a denominação dada pelos Kayapó aos Asurini é Kube-Kamrég-ti, (sendo Kube, "índio"; Kamrég-ti, "vermelho"; ti, aumentativo). De acordo com os Xikrin do Bacajá (subgrupo Kayapó), o nome que dão ao Asurini é Krã-akâro (cabeça com corte de cabelo arredondado, ou cabeça redonda). Nimuendaju menciona Asurini e Asurinikin como outras denominações do grupo, além de Surini, em Juruna; Adgí Kaporuri-ri (adji, "selvagem", Kaporurí, "vermelho", ri, "muito"), em Xipáia; e Nupánunupag (Nupánu, "índio"; pag "vermelho"), em Kuruaia.

Ao contatar os índios do Igarapé Ipiaçava, o missionário católico e etnólogo A. Lukesch denominou-os Asurini, por serem Tupi e "índios vermelhos", devido o uso abundante do urucum (1976:42). O sertanista da Funai A. Cotrim, que deu continuidade ao trabalho feito por Lukesch, também os chamou de Asurini (1971b). Esta denominação é aceita pela Funai, que a utiliza até os dias de hoje. Também são conhecidos com Asurini do Xingu, diferenciando-os dos Asurini do Tocantins (Akuáwa Asurini).

A autodenominação do grupo é Awaeté, que significa "gente de verdade" (Awa= gente, eté = sufixo que dá ênfase como "verdadeiro", "muito"). Diante dos "brancos", chamam-se At(*s)urini, da palavra asuruni, denominação dada pelas frentes de atração.





A língua Asurini pertence à família lingüística Tupi-Guarani, classificada, segundo Aryon Rodrigues (1984), no sub conjunto V, ao qual pertence também à língua Kayabi. Velda Nicholson, do SIL (Sociedade Internacional de Lingüística), estudou a língua Asurini do Tocantins e realizou um trabalho comparativo com a língua dos Asurini do Xingu (1982), no qual aponta semelhanças e diferenças na fonologia, regras

morfológicas e gramaticais.



Em 1998, Ruth Monserrat, do Museu Nacional, com o auxílio das Irmãzinhas de Jesus e apoio do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), publicou uma gramática Asurini que, por sua vez, vem sendo utilizada pelas professoras na escola da aldeia Koatinemo. Dessa maneira, todos os Asurini falam sua própria língua, sendo que os indivíduos com menos de 40 anos são todos bilíngües.




Localização

A única aldeia atual se localiza à margem direita do Rio Xingu, onde fica a Terra Indígena Koatinemo, homologada em 1986. De 1972 a 1985, a aldeia ficava à margem do Igarapé Ipiaçava, afluente da margem direita do Xingu. As roças, locais de caça, pesca e coleta estão situados entre as margens dos rios Xingu, Piranhaquara e Igarapé Piaçava. Esporadicamente, chegam às suas cabeceiras do Xingu, onde encontram-se antigas aldeias (Mancin, 1979b:1-20).


Menina asurini e seu irmão
no Kuatinemu.
Foto: Fabíola Silva, 2001.
População

De acordo com informações colhidas junto aos próprios Asurini e estimativas feitas pela antropóloga Berta Ribeiro (1982), o grupo indígena contava 150 indivíduos por volta de 1930. Desta época até o ano de contato (1971), muitos Asurini foram mortos em choque com os Kayapó ou os Araweté, quando mulheres e crianças e mulheres também foram seqüestradas.



Após contato com as frentes de atração, a população Asurini do Xingu decresceu quase 50% até 1982, principalmente em razão dos efeitos das novas doenças transmitidas pelos brancos em razão do despreparo dessas frentes. Em 1971, a população contava, aproximadamente, com 100 indivíduos e, em 1982, chegou a 52. Já em 1992, contava-se 66 Asurini e, em 1994, esse número subiu para 72. Em 2002, a população Asurini era composta de 33 mulheres, 18 homens e 55 jovens e crianças, num total de 106 indivíduos. Em grande medida, essa recuperação demográfica se deve ao aumento da população infantil e, conseqüentemente, à mudança no padrão de composição familiar, juntamente com os casamentos interétnicos.


Histórico do contato

As primeiras notícias sobre os Asurini datam de fins do século XIX. Em 1894, o ataque a um regional, no local chamado Praia Grande, acima da boca do Rio Bacajá, foi atribuído aos índios Asurini (Nimuendajú,1963c:225). Em 1896, os Asurini atacaram na Serra do Passahy e na Praia Grande, de acordo com o cronista estrangeiro Coudreau (1977:37). Nas margens do Rio Bacajá ainda se verificaram investidas dos Asurini no final do século XIX (Nimuendajú,1963c:225). Nesse período, esses índios também foram atacados diversas vezes por brancos (provavelmente extratores de caucho), que atearam fogo às suas aldeias (Mancin,1979b:2).



Das margens do Rio Bacajá, deslocaram-se em direção às cabeceiras dos rios Ipiaçava e Piranhaquara, onde estabeleceram várias aldeias. Em 1932 há notícia de um ataque de índios asurini na foz do Igarapé Bom Jardim. Em 1936, foram atacados pelos índios Gorotire, subgrupo Kayapó, durante sua expansão em direção ao norte (Nimuendajú,1963c:225). Pressionado pelos Kayapó, os Asurini passaram a habitar as margens do Rio Ipixuna durante um longo período.



Entre 1965 e 1970, os Asurini foram desalojados dessa área pelos índios por eles denominados Ararawa (Araweté). Há notícia de que os Xikrin do Bacajá atacaram os Asurini em 1966 (Cotrim, 1971b e Lukesch,1971:13) na região do Rio Branco, afluente do Bacajá. Na década de 1960, a caça ao gato selvagem e a extração da seringa levaram os regionais a adentrarem os afluentes da margem direita do Rio Xingu, provocando encontros hostis com a população indígena. Reocupando a região do Rio Ipiaçava e Piranhaquara, os Asurini continuaram mantendo relações de hostilidade com os brancos, todavia, em encontros rápidos e fugidios.



Os Asurini realizavam saques nos acampamentos dos brancos para obterem artigos de metal (facões, machados etc.). Na década de 1970, intensificou-se a presença dos brancos com a finalidade de contatar os grupos indígenas da região e decorrente do surgimento de novas atividades econômicas: mineração, agropecuária e projetos do governo (em especial a construção da Rodovia Transamazônica).



Entre as alterações, Cotrim enfatiza a perspectiva de extensão da província ferrífera da Serra dos Carajás até a margem direita do Rio Xingu, trazendo "ao cenário de disputas do território tribal novos protagonistas: a Meridional Consórcio United States Steel-CVRD" (Soares,1971b: 4). Segundo o sertanista, através de sobrevôos aéreos foram localizados diversos aldeamentos e estabelecido um programa de "pacificação" financiado pela referida empresa, ficando a responsabilidade da missão sob encargo dos missionários católicos Anton e Karl Lukesch.

   

Para o Monsenhor Anton Lukesch, "contatar uma das poucas sociedades realmente isoladas e não aculturadas que ainda sobrevivem no mundo moderno e estudar, entender e tornar conhecido seu estilo de vida aborígine" representam o sonho mais profundo de todo etnólogo. Além disso, Lukesch justifica sua expedição como uma "participação" que se tornara urgente para "evitar confrontações interétnicas dramáticas e trágicas" com o advento da Transamazônica (1976:9). Entretanto, Antonio Cotrim Soares alega:



"Em parte, o respeito aos domínios territoriais dos Asurini prende-se mais à ausência de disputas de interesses econômicos do que propriamente ao receio de embates violentos, quando são bastante conhecidas as estórias xinguanas das promoções de excursões armadas, financiadas pelos potentados regionais contra grupos indígenas, que impediam a expansão das atividades extrativistas dos seringais. Como se vê, foi a inexistência de seringais nativos que preservou a autonomia territorial dos Asurini" (1971b:13).




Na década de 1970, acossados por grupos inimigos por um lado, e "pacificados" pelos interesses de uma empresa multinacional por outro, os Asurini não tiveram outra opção a não ser aceitar o contato. Conta o padre Lukesch (1976:18) que um índio fazia gestos pedindo que fosse embora, no momento do primeiro encontro, mas outro Asurini assumiu a dianteira e tentou estabelecer relações diretas e amistosas com os brancos.



Nessa época, ocorriam brigas intertribais e, de acordo com Takamui, um asurini de mais de 50 anos, seu povo teve que fugir dos Araweté, se deslocando em direção ao Piranhaquara e Ipiaçava com o objetivo de buscar aliança com os brancos ali existentes. Não só os irmãos Lukesch estavam em seu encalço, como também a Funai mantinha frentes de atração nessa área. Soares relata as atividades da frente que chefiava no decorrer da segunda penetração na área do Igarapé Ipixuna (janeiro/fevereiro de 1971), como a visita a uma das aldeias habitadas e a documentação coletada através de fotografias e gravações. Um detalhe em seu relatório - "A existência de uma maloca comunal abandonada" (1971a:3) - evidencia o que estava ocorrendo entre esses grupos. A existência de objetos de madeira e de cerâmica decorada com desenhos geométricos e da casa comunal atesta que se tratava de uma aldeia asurini, ocupada pelos Araweté e cujos habitantes teriam fugido após o ataque deste grupo.



Em abril de 1971, a expedição dos Lukesch, melhor patrocinada que as pobres frentes de atração da Funai, contatou os índios do Ipiaçava, fazendo com que Cotrim Soares alterasse o roteiro da sua expedição e assumisse os trabalhos dos padres, uma vez que as atividades destes foram proibidas pelo órgão indigenista (Soares,1971b:5).



Cotrim interpretou a aproximação pacifica dos Asurini com os brancos como uma solução para sua situação desesperada: "entre estes (os brancos) teriam um refúgio seguro contra as hostilidades dos seus antagonistas - ou mesmo aliados para uma futura vindeta". Os Asurini não tiveram melhor sorte com a frente da Funai do que com os missionários austríacos, os irmãos Lukesch. Segundo Cotrim, as

atividades dos padres foram proibidas pela Funai "devido aos sérios prejuízos que involuntariamente causaram à comunidade" (1971b:5). Devido à não adoção de medidas preventivas pela expedição de Lukesch, houve "contaminação do grupo" com uma violenta epidemia de gripe e malária, resultando em 13 mortes e longo período de convalescença, que atingiu todo o grupo.



Cotrim, entretanto, não deixa de reconhecer que também houve um relaxamento da parte da Funai. Por exemplo, deixou-se de vacinar os componentes das frentes de penetração. Nas palavras do sertanista, "Um outro acontecimento que não passa desapercebido foi o retardamento da nossa ação em debelar o surto epidêmico, pois não dispúnhamos de recursos imediatos, visto os entraves burocráticos na liberação destes" (1971b:6).




As dificuldades para prosseguir o trabalho junto aos Asurini e o desencanto de Antonio Cotrim Soares com a "causa indígena" ficaram conhecidos na época com seu desabafo à imprensa, quando recusou-se a continuar sendo "coveiro de índios" e denunciou as condições de trabalho na Funai:



"com o evento do contato, as primeiras conseqüências já são manifestas: ...Moléstias contagiosas, depopulação, crise alimentar e prenúncio de sua dependência à sociedade nacional. Uma gama de fatores que contribuíram para essas conseqüências, tendo como principal pivô a falta de racionalização no método desenvolvido nesta fase de contato - denominada pelos promotores de catequização. Os efeitos negativos advieram pela ausência de medidas profiláticas, distribuição inconseqüente de brindes, falta de seleção e controle do grupo de trabalho nas suas relações com os índios - parece-nos que este método de atuação nos contatos com grupos arredios tornou-se uma peculiaridade, sem o exclusivismo dos promotores. No primeiro plano, os resultados mais funestos foram de natureza biótica, além de elevada taxa de mortalidade, debilitou-os organicamente por um longo período. Os mais atingidos pelo 'fatalismo' foram os velhos. As vicissitudes dos efeitos depopulativos começaram a atingir sua organização social; as lideranças de grupos domésticos ficaram acéfalas, desorganizando inicialmente sua força produtiva. Toda a vida social foi afetada, principalmente suas atividades econômicas que ficaram estagnadas por falta de força de trabalho. Perdurou por mais de dois meses o estado geral de debilitação. Decorrente deste estado, perderam a estação de preparo do solo, sendo apenas aproveitado um baixo percentual do trabalho iniciado".



Em outro momento: "O seu cotidiano é de penúrias, já que surgem as primeiras manifestações de desencantamento, apesar de proverem-se de alimentos fornecidos pelos brancos. Atualmente, a base da sua dieta alimentar é farinha fornecida pela Funai, complementada com reduzida cota de batata-doce, mandioca e outros alimentos colhidos em suas roças".



E ainda: "A quota de alimentos fornecida pela Funai é insignificante em relação ao mínimo calórico recomendado pela tabela dietética, a quota média do fornecimento diário de farinha é de 12Kg para 40 índios - representando cerca de 300g homem/dia. Adicionando-se a esses fatores, temos os traumas psicológicos: os contrastes tecnológicos, hábitos sofisticados, intervenção em seu comportamento médico - religioso (adoção de técnicas medicinais com produtos químicos farmacêuticos) entre os efeitos imediatos, talvez, já postos em confrontações, nesta fase do contato" (1971b: 23-24).



Demitido da Funai, Cotrim abandonou sua carreira de sertanista e os Asurini continuariam a sofrer os prejuízos do contato. Contam os índios que, depois de Cotrim, permaneceu outro membro da Frente esquecido entre eles e que chegou a ficar "sem açúcar". Os próprios índios resolveram ir sozinhos a Altamira buscar recursos, enganando o responsável pelo Posto, quando lhe disseram que saíam para uma excursão de caça. O episódio é contado hoje com humor, mas revela o abandono a que foram relegados, uma vez "pacificados".



Na década de 1980, por recomendação da antropóloga Berta Ribeiro - que estivera entre os Asurini em 1981 -, o Secretariado Nacional do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) conseguiu autorização do então presidente da Funai, Cel. Paulo Leal, para que duas missionárias do grupo Irmãzinhas de Jesus viessem se estabelecer entre os Asurini do Xingu. Elas desembarcaram na aldeia em meados de 1982, trazendo na bagagem uma longa e bem-sucedida experiência de apoio à recuperação dos Tapirapé, também um povo Tupi, que vive nas proximidades do Rio Araguaia (MT) e que passou por um processo semelhante de depopulação após o contato. As missionárias não quiseram assumir formalmente nenhuma atividade de assistência, em substituição às obrigações da Funai. Na época, não se formalizou entre elas e a Funai nenhum tipo de convênio, ficando explícito que se tratava de "uma ação paralela, de orientação e conhecimento dos problemas do grupo em seu processo de recuperação".




Modo de vida

Na aldeia asurini existem diferentes tipos de habitação, sendo que as mais comuns, onde residem os diferentes grupos domésticos, são do tipo regional, ou seja, com paredes de barro, estrutura de madeira e cobertura de palha. A maior casa da aldeia (aketé, tavywa), medindo aproximadamente 30m de comprimento, 12m de largura e 7m de altura, corresponde à descrição da moradia característica dos Tupi: a planta é retangular. A colocação dos moirões, vigas e traves obedecem a regras adequadas para a construção da estrutura básica que caracteriza sua forma abobadada. Nesse sentido, ela difere das demais por ter uma construção melhor elaborada. Na cobertura é utilizado apenas o broto da folha de palmeira e na estrutura são usadas determinadas espécies de árvores para cada posição. Na construção participa todo o grupo, sob a liderança dos que passarão a residir na casa. No chão são enterrados os mortos e aí se realizam as principais cerimônias asurini.



Tradicionalmente, a aketé ou tavywa era a habitação coletiva de um grupo local. Entretanto, reunidos junto ao Posto da Funai, os Asurini se reorganizaram num grupo formado por indivíduos de diferentes grupos locais e com população demograficamente desequilibrada, devido ao decréscimo populacional. Como observa Soares (1971b:23), desde a época do contato a morte dos mais velhos abalou a estrutura política do grupo, já que entre eles se encontravam os seus líderes. A maioria dos homens é xamã (pa(z*)é) e a intensificação dos rituais xamanísticos deve estar relacionada a esse esforço de reorganização tribal.




A composição dos grupos domésticos revela uma tendência da estrutura social típica dos grupos Tupi, mas observa-se também uma instabilidade decorrente do desequilíbrio demográfico. Há certa semelhança entre a organização social asurini e tenetehara, para os quais, segundo Galvão e Wagley (1961:39), "em essência, a família extensa é um grupo de mulheres relacionadas por parentesco, sob

liderança de um homem". A regra de residência é uxorilocal e os homens que pertencem a um grupo doméstico, pelo casamento com mulheres aparentadas entre si, mantêm relações de cooperação nas atividades de subsistência.Nas famílias nucleares, há vários casos de poliandria. Nesses casos, a mulher mais velha já passou da fase de procriação e a mais nova dedica-se intensamente às atividades rituais (são as cantadoras que acompanham os pajés), ao aprendizado da arte gráfica (pintura corporal e decoração de cerâmica) e auxilia a "mãe" nas atividades básicas de sobrevivência (roça, cozinha, tecelagem, cerâmica e coleta).



A mulher asurini casa-se na adolescência, mas terá seu primeiro filho na juventude (25 anos aproximadamente). Até esse período, estará aprendendo e aperfeiçoando-se nas tarefas subsistência, de modo que participará dos rituais como cantadora. A confecção da cerâmica, muito valorizada entre os Asurini (estética e utilitariamente) também pode ser definida como atividade excludente às funções procriativas da mulher. Há mulheres asurini que nunca tiveram filhos (hoje com mais de 45 anos de idade), entre as quais há exímias artistas.



Outra condição para a procriação é a existência de dois maridos, um jovem e outro mais velho. Durante a gestação até o quarto mês, vários homens participam da formação do feto e mantêm relações sexuais freqüentes com a mulher para que a criança "nasça forte". No resguardo, participam apenas os dois pais casados com a mãe. O pai mais velho será o principal responsável pela educação do filho, se for do sexo masculino. Para o mais novo, o nascimento do primeiro filho é marca de passagem de uma categoria de idade à outra (essa passagem não é formalmente ritualizada entre os Asurini). Uma das justificativas das mulheres para os casamentos sem filhos é a ausência do pai mais novo (iau n´ative).


Notas sobre as fontes

Para quem se interessar em saber mais sobre o processo que envolve o sistema de arte gráfica e adornos corporais dessa população, bem como informações gerais, deve consultar o artigo de 1982 de Berta Ribeiro, “A Oleira e a Tecelã”, publicado no n. 26 da Revista de Antropologia. Há também o texto “Pintura e Adornos Corporais”, de Lux Vidal e Regina Müller, publicado no terceiro volume da coletânea

Suma Etnológica Brasileira, de 1987. Da mesma Regina Müller, há ainda o livro Os Asurini do Xingu (História e Arte), de 1990, e o artigo “Tayngava, a noção de representação na arte gráfica”, que faz parte do clássico livro Grafismo Indígena, organizado por Lux Vidal, de 1992. Por fim, em 2000 foi concluída a Tese de doutorado na área de Antropologia Social pela USP de Fabíola Silva: As Tecnologias e seus significados.
Para ver mais fotos http://img.socioambiental.org/v/publico/asurini-do-xingu/
Fontes de informação


  • AGUIAR, Gilberto F. Souza; GUERREIRO, João Farias; SANTOS, Sidney Emanuel Batista dos. Interindividual genetic relationships in an Amazonian indian village. Boletim do MPEG, Série Antropologia, Belém : MPEG, v. 9, n. 2, p. 171-97 , dez. 1993.


 



  • ARAÚJO, Ana Valéria (Org.). A defesa dos direitos indígenas no judiciário : ações propostas pelo Núcleo de Direitos Indígenas. São Paulo : Instituto Socioambiental, 1995. 544 p.



 



  • ARNAUD, Expedito. Mudanças entre os grupos indígenas Tupi da região do Tocantins-Xingu (Bacia Amazônica). In: --------. O índio e a expansão nacional. Belém : Cejup, 1989. p. 315-64. Publicado originalmente no Boletim do MPEG, Antropologia, Belém, n.s., n. 84, abr. 1983.


 



  • COUDREAU, Henri. Viagem ao Xingu. Belo Horizonte : Itatiaia ; São Paulo : Edusp, 1977. 166 p.


 



  • ETNOARQUEOLOGIA : a tecnologia ditada pelo coração. Pesquisa Fapesp, São Paulo : Fapesp, s.n., p.40-2, out. 1999.



 



  • FRANCHETTO, Bruna. Laudo antropológico : a ocupação indígena da região dos formadores e do alto curso do rio Xingu. Rio de Janeiro : s.ed., 1987. 159 p.


 



  • JANGOUX, Jacques. Preliminary observations on shamanism, curing rituals and propitiatory ceremonies among the Asurini indians of the middle Xingu in Brazil. Arquivos de Anatomia e Antropologia, Rio de Janeiro : Instituto de Antropologia Prof. Souza Marques, v.2, n.3, sep., p.11-76, 1978.


 



  • LO CURTO, Aldo Giuseppe. Asurini, gli artisti della giungla. Prosito : BSI, 1995. 32 p.



 



  • LUKESCH, Anton. Bearded indians of the tropical forest : the Asurini of the Ipiaçaba. Notes and observations on the first contact and living together. Graz : Akademische Druck, 1976. 147 p.




--------. Kontaktaufnahme mit Urwaldindianern (Brasilien) : Die Asurini im Xingu-Gebiet. Anthropos, Fribourg : Internationale Zeitschrift für Völker, n. 68, p.801-14, 1973.



  • MÜLLER, Regina Aparecida Pollo. Os Asuriní do Xingu : história e arte. Campinas : Ed. da Unicamp, 1993. 350 p. (Série Teses)




--------. Os Asuriní do Xingu. In: SANTOS, Leinad Ayer O.; ANDRADE, Lúcia M. M. de (Orgs.). As hidrelétricas do Xingu e os povos indígenas. São Paulo : CPI, 1988. p.173-8.




--------. Contexto histórico, reproducción y noción de representación entre los Assurini del Xingú : el análisis del discurso en el estudio de las sociedades indígenas. In: BASSO, Ellen B.; SHERZER, Joel (Coords.). Las culturas nativas latinoamericanas a traves de su discurso. Quito : Abya-Yala ; Roma : MLAL, 1990. p. 395-416. (Colección 500 Años, 24).



--------. Corpo e imagem em movimento : há uma alma neste corpo. Rev. de Antropologia, São Paulo : USP, v. 43, n. 2, p. 165-94, 2000.



--------. As crianças no processo de recuperação demográfica dos Asurini do Xingu. In: SILVA, Aracy Lopes da; MACEDO, Ana Vera Lopes da Silva; NUNES, Angela (Orgs.). Crianças indígenas : ensaios antropológicos. São Paulo : Global ; Mari, 2002. p.188-212.



--------. De como cincoenta e duas pessoas reproduzem uma sociedade indígena, os Asurini do Xingu. São Paulo : USP, 1987. 385 p. (Tese de Doutorado)



--------. Muertos y seres sobrenaturales, separación y convivencia : principios cosmológicos en la concepción Asurini de la muerte. In: CIPOLLETTI, Maria Susana; LANGDON, E. Jean (Coords.). La muerte y el mas alla en las culturas indígenas Latinoamericanas. Quito : Abya-Yala ; Roma : MLAL, 1992. p. 77-90. (Colección 500 Años, 58)



--------. Tayngava, a noção de representação na arte gráfica Asurini do Xingu. In: VIDAL, Lux (Org.). Grafismo indígena. São Paulo : Edusp ; Studio Nobel ; Fapesp, 1992. p.231-48.




  • RIBEIRO, Berta. A oleira e a tecelã. Rev. de Antropologia, São Paulo : USP, v.26, p.25-61, 1982.


  •  



  • SILVA, Fabíola Andrea. As tecnologias e seus significados : um estudo da cerâmica dos Asurini do Xingu e da cestaria dos Kayapó-Xikrin sob uma perspectiva etnoarqueológica. São Paulo : USP, 2000. 244 p. (Tese de Doutorado)


  •  



  • SOARES, Antônio Cotrim. Relatório apresentado pelo sertanista sobre contatos com os índios Asurini. PI Koatinemo : Funai, 1971. 62 p.



  •  



  • SOUZA, Maria Luiza Rodrigues. Nomes e história do contato entre os Assurini do Xingu. São Paulo : USP, 1994. (Dissertação de Mestrado)


  •  


  • A tecnologia ditada pelo coração : índios do Xingu definem seus processos técnicos por razões simbólicas. Pesquisa Fapesp, São Paulo : Fapesp, s.n., p. 40-2, out. 1999.


  •  



  • VIEIRA, Márcia Maria Damaso. O fenômeno de não-configuracionalidade na língua asurini do trocara : um problema derivado da projeção dos argumentos verbais. Campinas : Unicamp, 1993. 274 p. (Tese de Doutorado)



  •  



  • VIDAL, Lux; MÜLLER, Regina Aparecida Pollo. Pintura e adornos corporais. In: RIBEIRO, Berta (Coord.). Suma Etnológica Brasileira. v.3: Arte Índia. Petrópolis : Vozes, 1986. p.119-50.


  •  



  • Morayngava. Dir.: Regina Müller; Virginia Valadão. Vídeo Cor, 16 min., 1997. Prod.: CTI


  •  



  • Ritual das Flautas. Dir.: Delvair Montagner; Regina Müller. Vídeo Cor, Beta-SP/HI 8, 34 min, 1996. Prod.: CPCE/CNPq.



  •  



  • Saforai. Dir.: Regina Müller. Vídeo cor, Hi-8/NTSC, 23 min., 1993.