domingo, 14 de fevereiro de 2010

Cosmologia - Tribo Araweté

Os Araweté são um povo tupi-guarani de caçadores e coletores da floresta de terra firme, que se deslocou há cerca de quarenta anos das cabeceiras do rio Bacajá, em direção ao rio Xingu, no Estado do Pará.

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No começo os humanos (bïde) e os deuses (Maï) moravam todos juntos. Esse era um mundo sem morte e sem trabalho, mas também sem fogo e sem plantas cultivadas. Um dia, insultado por sua esposa humana, o deus Aranãmi decidiu abandonar a terra. Acompanhado por seu sobrinho Hehede'a, ele tomou seu chocalho de pajé e começou a cantar e a fumar. Cantando, fez com que o solo de pedra onde estavam subisse às alturas. Assim se formou o firmamento: o céu que se vê hoje é o lado de baixo dessa imensa placa de pedra. Junto com Aranãmi e seu sobrinho subiram dezenas de outras raças divinas: os Maï hete, os Awerikã, Marairã, Ñã-Maï, Tiwawi, Awî Peye, Moropïnã. Os Iwã Pïdî Pa subiram ainda mais alto, formando um segundo céu, o "céu vermelho".
A separação do céu e da terra causou uma catástrofe. Privada de suas fundações de pedra, a terra se dissolveu sob as águas de um dilúvio: o jacaré e a piranha monstruosos devoravam os humanos. Apenas dois homens e uma mulher conseguiram se salvar, subindo num pé de bacaba. Eles são os tema ipi, a "origem da rama": os ancestrais da humanidade atual. Na convulsão provocada pelo dilúvio, alguns Maï procuraram escapar dos monstros afundando na água e criando o mundo inferior, onde habitam hoje, em ilhas de um grande rio subterrâneo.
As marcas da divisão do cosmos estão em toda parte: os morrotes de pedra que pontuam o território araweté são fragmentos do céu que se ergueu; as pedras do igarapé Ipixuna ainda guardam as pegadas dos Maï; as moitas de banana-brava espalhadas na mata são as antigas roças dos deuses, que comiam dessa planta antes de conhecer o milho. As plantas cultivadas e a arte de cozinhar os alimentos foram reveladas aos humanos e aos deuses por um pequeno pássaro vermelho da floresta.
Bïde, os humanos, são chamados pelos Araweté de "os abandonados", os que foram deixados para trás pelos deuses. Tudo que há em nosso mundo do meio é o que foi abandonado; para os céus foram os maiores animais, as melhores plantas, a mais bela gente - pois os Maï são como a gente, porém mais altos, mais fortes e imponentes. Tudo no céu é feito de pedra, imperecível e perfeito: as casas, as panelas, os arcos, os machados. A pedra é, para os deuses, maleável como o barro para nós. Lá ninguém trabalha, pois o milho se planta sozinho, as ferramentas agrícolas operam por si mesmas. O mundo celeste é um mundo de caçadas, danças, festas constantes de cauim de milho; seus habitantes estão sempre esplendidamente pintados de jenipapo, adornados com penas de cotinga e arara, perfumados com a resina da árvore i d;iri'i (Trattinickia rhoifolia).

Mas os Maï são, acima de tudo, imunes à doença e à morte: eles levaram consigo a ciência da eterna juventude. O exílio dos deuses criou a condição de tudo que é terrestre: a submissão ao tempo, isto é, o envelhecimento e a morte. Mas, se partilhamos dessa comum condição mortal, distinguimo-nos dos demais habitantes da terra por termos um futuro. Os humanos são "aqueles que irão", que reencontrarão os Maï no céu, após a morte. A divisão entre o céu e a terra não é intransponível: os deuses falam com os homens, e os homens estarão um dia à altura dos deuses."

http://pib.socioambiental.org/pt/povo/arawete/110

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