Phyllomedusa bicolor, o sapo Kambô, em foto de Guido W. Stiehle
"Nosso pajé diz: 'Este remédio extraído do rã de nome Kambô é bom porque traz felicidade para quem o toma e também para se caçar. Quando toma o Kambô a caça se aproxima curiosa, pois quem o toma passa a emitir uma luz verde, e é esta luz que faz a caça e as coisas boas se aproximarem de nós. Serve para tirar a panema e também desentope as veias do coração, e faz circular o sangue e as emoções, harmonizando as funções do ser humano como um todo. O uso do Kambô é milenar em nossa tradição: vem da sabedoria dos nossos ancestrais". (Katukina)
Paulo Prada, em seu artigo "Tribo indígena espera lucrar com rã das árvores" (disponível também em inglês), assim relatou o assunto escrevendo da Reserva Indígena Katukina de Campinas - Acre:
"Fernando Katukina é chefe de uma tribo indígena que vive em grande parte sem água corrente, eletricidade ou elos com o mundo fora de seu canto remoto do oeste da Amazônia. Mas Katukina diz que possui um tesouro que pode estar na vanguarda da biotecnologia. Se o projeto iniciado pelo chefe tiver sucesso, as riquezas da tribo serão transformadas em algo que ele e o governo brasileiro acreditam deter grande promessa para a indústria farmacêutica global: a secreção de uma rã venenosa.
Os xamãs tribais usaram a mucosidade como remédio ancestral para tratar doenças, dores e até preguiça. Os ingredientes ativos têm propriedades anestésicas, tranqüilizantes e outras. Os pesquisadores dizem que a promessa está em isolar os peptídeos da secreção e depois reproduzi-los na produção de remédios contra hipertensão, ataque cardíaco e outras doenças.
Katukina já tem o apoio do governo do Brasil, que vê no projeto uma oportunidade para desenvolver sua própria pesquisa de farmacêuticos. Em particular, o desafio científico da rã, conhecida localmente como kambo, vai aprofundar o conhecimento do Brasil no ramo farmacogenético -o uso combinado de genética e farmacologia- e aproveitar o conhecimento tradicional dos povos indígenas.
"O conhecimento tradicional também pode ajudar a medicina moderna e gerar benefícios econômicos significativos", disse Bruno Filizola, coordenador técnico do projeto e biólogo do Ministério de Meio Ambiente em Brasília, capital.
A dimensão indígena também é crucial porque o Brasil, como outras nações em desenvolvimento, está tentando combater o que entende como biopirataria, o roubo de recursos biológicos de habitats naturais do país para uso comercial. Apesar de o projeto ainda estar nos primeiros estágios, cerca de 20 cientistas estão buscando um patrocínio inicial de perto de US$ 1 milhão (em torno de R$ 2,2 milhões) de mais de uma dúzia de universidades, governos estaduais e de agências federais.
Há muito mais que esperança ingênua em jogo. Os pesquisadores brasileiros já ensinaram aos agricultores do país, que hoje estão entre os maiores exportadores, a manipular os solos e alterar as lavouras que não eram adequadas ao clima do país. Agora, muitos cientistas acreditam que a ciência pode transformar as florestas brasileiras em laboratórios produtivos.
"O Brasil tem uma comunidade grande crescente de pesquisadores dispostos a desenvolver sua própria pesquisa e produtos", disse Joshua Rosenthal, vice-diretor de uma divisão de treinamento internacional e pesquisa do Instituto Nacional de Pesquisa em Bethesda, Maryland.
Pesquisadores brasileiros não esquecem o caso da jararaca, a cobra da Amazônia. A gigante farmacêutica Squibb usou o veneno da cobra para desenvolver o captopril, um remédio para pressão sangüínea comercializado a partir de 1975. Apesar de estar disponível na forma genérica desde 1996, o remédio foi o produto de maior venda da empresa, hoje parte da Bristol-Myers Squibb, e arrecadou US$ 1,6 bilhão (em torno de R$ 3,5 bilhões) em 1991. "Por causa dos erros do passado", diz o documento do Ministério de Meio-Ambiente brasileiro, "o captopril não é brasileiro".
Apesar de abrigar a maior floresta atlântica do mundo e um dos mais diversos ecossistemas do planeta, o Brasil em geral tem demorado a desenvolver seu patrimônio genético -as plantas e animais dentro de seu território e o potencial de lucro que oferecem. O documento do ministério também lamenta o atraso histórico na pesquisa brasileira e a conseqüente perda de bilhões em receita de fármacos, produtos agrícolas e outros bens comerciais.
Um resumo do Projeto Kambo, escrito por uma equipe de pesquisadores do Ministério de Meio Ambiente, diz: "O patrimônio genético nacional pode ser chave para a transformação do Brasil no contexto político e socioeconômico global."
Os países em desenvolvimento promovem cada vez mais a idéia de desenvolver e comercializar seus remédios tradicionais e artes locais. Eles estão questionando os direitos dos estrangeiros de explorar produtos derivados de substâncias locais. Em uma reunião da ONU, na cidade de Curitiba no mês passado, delegados de nações em desenvolvimento pediram mudanças na lei internacional para permitir que os governos impeçam o patenteamento estrangeiro -ou ao menos compartilhem dos lucros- de recursos biológicos encontrados em seu território. Em dezembro, em uma reunião da Organização Mundial de Comércio em Hong Kong, o ministro de comércio da Índia disse aos delegados que o progresso nas negociações internacionais dependia de mudanças nessas linhas.
A indústria privada está temerosa. O caminho da pesquisa até o desenvolvimento de um produto é longo e caro. Raro é o composto que pode se tornar a próxima droga milagrosa ou outro sucesso comercial sem ser adulterado, argumentam. "As nações em desenvolvimento devem trabalhar para desenvolver seus próprios recursos -e não bloquear os esforços de outros para pesquisar e investir", disse Alan Oxley, ex-embaixador australiano de assuntos comerciais que hoje é consultor em Melbourne e dirige um instituto de pesquisa patrocinado em parte pela indústria farmacêutica americana.
O Brasil quer tomar a dianteira com o kambo. O projeto foi lançado no ano passado depois que Marina Silva, ministra de meio-ambiente do Brasil, recebeu uma carta de Katukina, chefe da tribo, denunciando o uso do veneno de Kambo por pessoas de fora. Seus benefícios observados nos últimos anos fomentaram o comércio pirata do veneno em cidades pelo Brasil. Se mal administrado, o veneno pode ser perigoso, advertiu Katukina. Além disso, se o ganho econômico gerado pelo remédio não reverter para a tribo, chamada Katukina, seu uso equivaleria à biopirataria, disse ele. Silva, nativa do Estado da tribo, o Acre, concordou. Ela autorizou a criação do projeto do ministério para estudar o kambo, estipulando que os lucros derivados da pesquisa fossem compartilhados com a tribo. "O conhecimento é da tribo", disse ela em recente entrevista telefônica. "Ela deve dividir as recompensas."
Leonide Principe, em seu portal, nos oferece mais detalhes sobre a "descoberta" do Kambô:
O Kambô é uma resina retirada de um pequeno sapo que vive na Amazônia, o Philomedusa bicolor. Esta resina contém peptídas analgésicas e de fortalecimento do sistema imunológico que provocam a destruição de microorganismos patogênicos. A aplicação é realizada sobre a pele e transportada rapidamente para todo o corpo pelos vasos linfáticos. Para se obter um ótimo resultado deve-se tomar o Kambô com uma pessoa que tenha experiência e um conhecimento profundo dos mistérios e da magia da natureza como ( plantas, pedras, animais, energias etc...) E seja iniciado nesta ciência indígena.
De acordo com declarações da Dra. Sônia Valença Menezes, Terapeuta Floral Acupunturísta e também faz parte da Associação Juarense de Extrativismo e Medicina Alternativa, situado em Cruzeiro do Sul – AC, o Kambô é indicado para qualquer distúrbio e desequilíbrio, ele purifica o sangue eliminando as impurezas, mas quem não tem nenhum sintoma usa o Kambô para a imunização. O Kambô atua nos corpos sutis, na percepção, sonhos, no inconsciente e nos bloqueios que impedem o fluxo de energia vital do ser humano. Durante a reação ocorre um processo de limpeza no campo energético, físico e emocional. Segundo pesquisas médicas há estimulação do sistema nervoso simpático e para-simpático, é como se o organismo fosse passado a limpo, é preciso estar de coração aberto para recebe-lo. Após o inicio do tratamento é indescritível o estado de conscientização e clareza de pensamentos, a sensação de harmonia e felicidade é visível, os sonhos a percepção e a intuição melhoram, a auto-estima rebrota principalmente para aqueles que tem coragem de buscar novas experiências na medicina alternativa.
A medicina Tradicional dos povos das florestas é baseada em conceitos filosóficos da milenar cultura das etnias indígenas pragmáticas em sua essência, estando estruturados na observação do homem e de seu organismo (microcosmo) em relação à natureza e seus fenômenos ( macrocosmo ).
Diz a lenda que os índios da aldeia estavam muito doentes e de tudo havia feito o Pajé para curá-los. Todas as ervas medicinais que conhecia foram usadas, mas nenhuma livrara seu povo da agonia. O Pajé então se embrenhou na floresta e, sobre os efeitos da Ayauaska, recebeu a visita do grande Deus. Este trazia nas mãos uma rã, da qual tirou uma secreção esbranquiçada, cuja aplicação nos enfermos ensinou como deveria ser feita. Voltando à tribo e seguindo as orientações que havia recebido, o Pajé pode curar seus irmãos índios. A história pode nos parecer exótica ou mesmo inverossímil, mas a rã existe. Ela recebeu dos índios Katukinas a denominação de Kambô, também podendo ser chamada de Kampun ou Kempô dependendo da tribo indígena.
Nos anos sessenta o seringueiro Francisco Gomes Muniz já com a visível vocação de curador conviveu durante 5 anos com índios Katukinas no rio Liberdade em Cruzeiro do Sul no Estado do Acre, onde aprendeu a utilizar grande número de espécies com propriedades medicinais e onde também foi iniciado nos Mistérios e na Magia do Kambô ou seja “A vacina do sapo” como é conhecida, que consiste na secreção retirada da rã Phillomedusa bicolor e que é utilizada por muitas tribos Amazônicas ( Katukinas, Kaxinawá, Kulinas, etc... ) com o objetivo de prevenir, curar ou afastar o “Panêma” conhecida entre os índios e caboclos como preguiça, baixo astral, má sorte ( na caça, na pesca, na colheita ou na conquista amorosa ) com o tempo seu Francisco passou a aplicar a vacina em sua própria família e em amigos, comprovando os efeitos benéficos de imunização as doenças, de vigor , disposição física e abertura dos caminhos para negócios, empregos e conquistas amorosas.
Em 1994, o Dr. Glacus de Souza Brito, chega a Cruzeiro do Sul para fazer um trabalho de saúde pública a pedido do então Governador do Estado do Acre Orleír Camellit, lá toma conhecimento que seu Francisco Muniz havia feito a inoculação do Kambô em um amigo seu o Murad e que o mesmo tinha se curado de uma sinozite antiga e tinha até arranjado uma namorada. Glacus recebe a vacina, tem uma sensação de bem estar muito grande e fica intrigado sem conseguir entender porquer, depois de trinta dias volta receber o Kambô desta vez 7 pontos e finalmente no outro mês 9 pontos. Dr. Glacus alem de médico clinico geral é também um investigador na área de doenças infecciosas. Como médico da família utiliza nos tratamentos a homeopatia, a oligoterapia francesa e a fitoterapia amazônica, nos anos seguintes começa a estudar o kambô testando em sí mesmo e em pesosoas de sua família, sua mulher por exemplo sofria de uma enxaqueca crônica e forte dores nas pernas também depois de tomar o kambô estes problemas desaparecem. Seu cunhado que estava incubando uma forte gripe, com muita dor de cabeça, também tomou o kambô teve uma reação muito forte ,vomitou muito fez uma espécie de limpeza; passada duas horas, os sintomas haviam sumido completamente e não houve evolução do estado gripal. Para Glacus o efeito da substancia no organismo em termos médicos é uma reação infra-médio simpática, com estimulação do sistema nervoso simpático e parasimpático como se o organismo fosse limpo em verso e reverso, num tempo de cinco minutos, algo incrivel. As substâncias presentes na vacina devem ter um processo bioquímico de interação orgânica de estimulação e inibição sequencial, onde apartir do momento que estimula certos receptores organicos, evolui para um processo de inibição de outros centros, por isso a mudança rápida do sistema de ação.
Conclusão pessoal do reporter: É só experimentando que podemos reconhecer o valor dessa medicina milenar. A nossa condição de seres aculturados e cientificamente condicionados, na maioria das vezes, fecha o caminho do coração, delegando tudo ao departamento limitado da mente. Os mistérios da natureza não cabem naquele espaço tremendamente definido. Há coisas que só pelo sentimento podem ser vivenciadas e assimiladas.
Em "A Ciência do Sapo Kambo" , José Augusto Bezerra conta que a Amazonlink, ong sediada na capital acreana, relacionou dez pedidos de registro de patentes com as palavras Phylomedusa bicolor, deltorfin ou dermofin no título ou na descrição à Ompi, revela o presidente da ONG, Michael Schmidlehner, referindo-se a duas substâncias até então desconhecidas - deltorfina e dermofina - isoladas da secreção cutânea do sapo. "As pesquisas comprovaram a eficácia terapêutica de ambas. A primeira é um analgésico potente. A segunda pode reduzir a possibilidade de ataques ao coração, derrames cerebrais e lesões no fígado, melhorando a função dos órgãos", afirma, baseando-se em estudos conduzidos pelo doutor Vittorio Erspammer, da Universidade de Roma e matéria publicada pela revista Science Magazine, dos Estados Unidos.
Eu pessoalmente tomei três aplicações de Kambô no começo de novembro do ano passado, na aldeia Nova Fronteira do povo hunikuin da Área Indígena Alto Purus. O pajé Geraldo Domingos, que aplicou o Kambô, explicou que a época boa de tomar o medicamento é em fevereiro, época das chuvas, quando os sapos estão cantando e a tribo tem muita caiçumada de milho verde para "forrar o estômago" para os vomitórios. Como as aplicações que eu recebi não tiveram o efeito total, foi explicado que o responsável pela extração da secreção do sapo não havia cumprido as exigências rituais: não comer alimentos com açúcar, não ter relações sexuais durante esse período, não mexer com fogo. Para mim isto esclareceu que a medicação é uma ciência da floresta assim como a ayahuasca, que envolve para sua preparação a obediência a preceitos rituais, dentro do contexto do "pensamento mágico". Como poderia então vir um dia a ser um produto industrializado? Impossível... O Kambô se inscreve, entretanto, como ícone do combate à biopirataria na Amazônia.
Minha amiga Nicole Algranti, produtora cultural, cineasta e fotógrafa, incentivou os Katukina a arrecadar recursos através da veiculação de sua cultura, como no caso do filme "Noke Haweti - Quem somos e o que fazemos", que assisti ano passado no seu lançamento no Museu da República, no Rio de Janeiro, e que mostra a aplicação do Kambô entre os moradores da aldeia. Visitando o site da Taboca Filmes o leitor poderá adquirir além desse DVD outros CDs com gravações de músicas da nação Katukina (saiba mais clicando também aqui). "Apresentamos as músicas do Uní (Ayahuasca), cantada por nossos pajés e rezadores, as músicas do Mariri (Txiriti) que representa a floresta,a alegria, a tristeza e as brincadeiras que a natureza ensinou para nossos povo, as músicas de cura (Shoiti), as músicas de brincadeiras das crianças (Yomevo Wesiti) e as músicas com a flauta (Vonko Rewe)... ... Pela primeira vez compartilhamos todos os nossos cantos na esperança de que também contribuam para a proteção e a felicidade daqueles que os ouvirem." (Benjamin André Sherê Katukina).
Leia também: Entrevista com Tashka Yawanawá sobre Kambô, na Revista Época; uma matéria sobre o Kambô publicada na Revista Globo Rural; e "O Pajé que virou sapo e depois promessa de remédio patenteado", por Bia Labate.
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