A presença de mais de 350 índios no Acampamento Indígena Revolucionário é algo, como diria nosso Presidente Lula, "extraordinário!". Considero a persistência de tantos indígenas -- e especialmente daqueles primeiros 30 ou 40 que têm estado desde janeiro deste ano -- um exemplo de luta política e abnegação pessoal dos povos indígenas brasileiros. Lamento muito pela estreiteza de pensamento e sentimento de seus críticos, muitos deles que têm opinado anonimamente neste Blog.
A entrada no Congresso Nacional nesta quarta-feira passada, na marra, já que, por um gesto de discriminação, foram barrados pelos seguranças, foi um ato de destemor e de capacidade estratégica desse grupo. Além de demonstração de força política, o resultado mais palpável foi ter conseguida a rejeição, por parte de uma comissão de deputados, da proposta de lei, apresentada subrepticiamente pelo Governo Lula, da criação do Conselho Nacional de Política Indigenista.
O CNPI existe como comissão desde 2006, porém a consolidação desta comissão tem sido tão contestada pelas populações indígenas pelo Brasil afora que não merece que seja votada neste momento. É preciso retornar à discussão pelos povos indígenas, especialmente quanto aos seus propósitos e sua representatividade. Não se pode, a essa altura do campeonato, achar que se pode passar alguma coisa no Congresso Nacional sem a legitimação dada pelos povos indígenas -- não por representantes que são contestados nacionalmente.
A matéria abaixo, escrita por um cronista do Acampamento Indígena Revolucionário, está excelente. Trata desses pontos, dos detalhes da refrega que aconteceu no Congresso Nacional, dos seus desdobramentos políticos, do apoio que o AIR está recebendo das demais lideranças indígenas brasileiras. Relata, inclusive, a capacidade de persuasão dos índios para com os deputados, bem como o apoio da deputada do PCdoB à manutenção do decreto de reestruturação alegando que a razão dos protestos é que os índios não compreenderam o espírito do decreto. Ora, senhora, dizer isso nesse tempo!
Não há mais jeito e condições da atual direção da Funai tomar pé da situação. O processo político virou revolucionário, os atores estão conscientes do momento histórico que estão vivenciando e estão angariando cada vez mais apoio político da parte de outros povos indígenas e dos indigenistas conscientes deste país. Não há mais como eles aceitarem argumentos capciosos e enganadores de que o decreto e a atuação da atual direção da Funai são de boa fé. As demandas dos índios revolucionários estão emergindo e sendo articuladas com mais clareza para seus participantes, e a vontade de vitória está nos corações de todos eles.
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A Batalha do Congresso Nacional - Pancadaria no Corredor, Vitória no PlenárioOntem, 19 de maio de 2010, por volta das 13:30 horas, uma grande ação havia sido estrategicamente adiada pelo coletivo do acampamento indígena instalado defronte à Esplanada dos Ministérios, em Brasília, em protesto contra o decreto 7056/09 – que extingue postos e administrações da Funai e anula direitos indígenas - quando o líder Antoe Xukuru trouxe a informação de que seria votada às escondidas naquela noite a emenda 36 da MP 472/09 – legalizando o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), irregular e ilegal desde 28 de dezembro de 2010 – na Câmara Federal.
O CNPI, criado pelo Decreto 7056/09 sobre a estrutura da antiga Comissão Nacional de Política Indigenista – presidido pelo presidente da Funai, Márcio Meira, e composto pela Executivo, Ongs ligadas à atual gestão federal e representantes indígenas subordinados aos interesses da presidência - é o formulador das diretrizes que vem penalizando os povos indígenas e servidores do órgão, extinguindo postos e administrações regionais, deixando funcionários sem lotação e pondo fim a direitos básicos, como o direito à Saúde e à Educação, entre outros tantos - como o direito à assistência jurídica ao indígena encarcerado, por exemplo.
O governo federal estava em situação de ilegalidade com a criação do CNPI, já que um conselho só pode ser criado por força de lei – nunca por decreto. A pressão do acampamento indígena às portas do Ministério da Justiça fez que a atual gestão abandonasse momentaneamente a posição de arrogância e tentasse legalizar o conselho, inserindo um destaque – a emenda 36, que se resume no estatuto do CNPI – na Medida Provisória 472, que trata de incentivos fiscais e seria votado ontem à
noite.
Os guerreiros acampados não aguardaram os reforços dos três ônibus trazendo mais indígenas que chegariam à tarde na Esplanada dos Ministérios, decidiram agir. No mesmo momento, cerca de 250
representantes e lideranças dos povos originários – Guajajara, Krahô, Xukuru, Guarani Kaiwoa, Pankararu, Atikum, Munduruku e Korubo - rumaram para a Câmara dos Deputados pintados para a guerra, enquanto um outro grupo ficou guardando o acampamento, protegendo-o da ameaça de reintegração de posse por parte do governo do DF. “Não podemos deixar passar essa violência contra nós e nossos parentes – temos que agir agora”, afirmou João Madrugada Guajajara, liderança e servidor indígena há 35 anos.
Traição
No interior da Câmara Federal, os indígenas protestaram dançando nos corredores – sem molestar um grupo assustado de representantes do CNPI, que, em pânico, se trancou em uma sala. Um delegado da Polícia Federal, lotado na Câmara, que sabia da intenção dos indígenas de subir a rampa que dá para o Salão Verde, pediu que os manifestantes guardassem - numa demonstração de confiança – os arcos, flechas, bordunas e pedaços de pau. “Gente, vamos entregar nossas armas e
mostrar para esse povo que nossa manifestação é pacífica”, pediu Antoe Xukuru, que atendeu o policial.
Minutos após à entrega das armas, quando os acampados tentaram subir cantando a rampa que dá acesso ao Salão Verde, um batalhão de cerca de 100 agentes da Polícia Legislativa da Câmara bloqueou o caminho, tentando impedir a entrada de indígenas. Houve um empurra-empurra entre agentes e indígenas que deflagrou uma pancadaria de cerca de 10 minutos, os agentes trazendo ainda reforços.
Segundo o jornal O Globo, em matéria redigida por Carolina Brígido, os indígenas “como portavam objetos considerados perigosos pelos seguranças, como pedaços de madeira, foram impedidos de entrar” - o que consiste em duas inverdades, pois tanto os manifestantes estavam desarmados quanto os indígenas acampados conseguiram entrar no plenário no fim da noite (como pode ser visto na capa do Jornal da Câmara do dia 20 de maio de 2010: http://www.camara.gov.br/internet/jornalcamara/).
A ação dos agentes parecer ter uma outra motivação: segundo Vitorino Guajajara, um repórter da Globo o informou que havia um documento do CNPI na portaria da Câmara Legislativa pedindo que a segurança não permitisse a entrada dos indígenas acampados no Salão Verde.
Apesar do Departamento de Polícia Legislativa afirmar que não houve feridos (mentira endossada pelo jornal O Globo), durante o confronto os agentes não pouparam mulheres, idosos ou crianças. Pistolas de choque e cassetetes foram usados contra os indígenas: o líder Korubo – militante histórico dos direitos dos povos originários – foi chutado pela polícia legislativa após ser derrubado no chão, tendo quebrado a perna e perdido um dente. O idoso José Lopes Guajajara – servidor indígena há 35 anos – foi covardemente atingido por eletrochoque, uma senhora Guajajara de cerca de 65 anos tomou um golpe de cassetete nas costas, uma jovem da mesma etnia foi arrastada pelos cabelos e um rapaz Xukuru teve o lábio rasgado por um murro na boca, entre outros cerca de 50 indígenas feridos.
A Polícia Legislativa tentou a todo custo impedir que as Tvs filmassem a Cacica Antonia Guajajara sendo carregada desfalecida do tumulto – sem sucesso.
Os agentes da Polícia Legislativa apanharam tanto quanto os indígenas:o guerreiro Roberto Krahô tomou o cassetete com o qual um policial agredia os manifestantes e devolveu a agressão na mesma
medida, Júnior Xukuru respondeu o choque elétrico que recebeu com um murro. No calor da batalha, as mulheres Guajajara mostraram o seu valor indo à frente do tumulto, batendo, chutando, arranhando e rasgando a roupa dos agressores – uma guerreira deixando, inclusive, um dos agentes somente de cueca.
Em dado momento, o representante do CNPI Lourenço Krikati – que observava a cena - foi avistado pelas mulheres Guajajara e perseguido, sob os gritos de “pega ladrão”. O membro do conselho apanhou severamente das mulheres e teve roupas rasgadas, tendo sido pego pelo pescoço pela militante Lúcia Munduruku.
A batalha acabou por intervenção do servidor da Câmara Rui, que conseguiu acalmar os ânimos, e por cansaço de ambas as partes. Segundo o deputado Luiz Carlos Hauley, a pancadaria derivou tão somente de “índiofobia”: “Os policiais podem entrar no plenário, os sem-terra podem entrar no plenário, os homossexuais podem entrar em plenário – só os índios é que estão proibidos de entrar”.
A Polícia Legislativa da Câmara, de má fé, acusa os indígenas de furtarem um cassetete, um rádio, um par de óculos e uma carteira. Os indígenas do acampamento prometem processar a polícia da Câmara por calúnia e difamação - sem contar os danos físicos e morais - pois os objetos foram devolvidos por Antoe Xukuru à chefia da Polícia Legislativa.
Vitória
Graças à intervenção de Rui, os indígenas foram recebidos em um auditório - pelos deputados Perpétua Almeida, Mauro Nazif, Luiz Carlos Hauley, Raul Pimenta e pelo presidente da Comissão da Amazônia, deputado Marcelo Serafim - onde exigiram a presença do presidente da Câmara.
Uma comissão foi levada ao presidente em exercício, Marco Maia (PT-RS), onde, na presença de deputados dos mais diversos partidos e da imprensa escrita e televisiva, o líder João Madrugada Guajajara ameaçou – caso o CNPI fosse legalizado pela Câmara Federal – de invadir a Funai e “tacar fogo no carro da Força Nacional” (que tem autorização de atirar para matar nos indígenas, segundo a portaria 564 do Ministério da Justiça, de 08 de abril de 2010, que formaliza a ocupação da força na sede da Fundação Nacional do Índio), reiterando que todo o sangue fosse derramado seria de total responsabilidade da Câmara Federal.
Dito isso, as lideranças dos partidos se articularam e houve permissão para que os indígenas acompanhassem as votações em plenário. O líder do governo, Cândido Vaccarezza (PT – SP), tentou ainda um acordo, propondo uma emenda aglutinativa, retirando o caráter deliberativo do
conselho e tornando-o meramente consultivo. Porém, a Mesa informou que, segundo Regimento Interno, cabia rejeitar ou aprovar a emenda no Senado. O deputado petista Eduardo Valverde (RO) defendeu a criação do conselho, sob a presunção que os membros indígenas do conselho seriam
representantes legítimos de suas comunidades.
Os indígenas presentes, que não aceitam como representantes os membros do CNPI, vaiaram os discursos do governo, principalmente o da deputada Perpétua Almeida (PcdoB – AC), insinuando que a indignação dos povos nativos – que tiveram 340 postos fechados, 24 administrações regionais
extintas – contra o decreto 7056/09 e a suposta representatividade do CNPI seriam apenas “fruto de uma incompreensão”.
O deputado Luiz Carlos Hauley defendeu veementemente os direitos indígenas, sustentando ainda que a emenda do conselho “veio do Senado clandestinamente”, defendendo que a emenda deveria ser imediatamente rejeitada e que o assunto deveria ser debatido “da estaca zero”.
No fim, após as imagens da batalha campal na qual mais de uma centena de agentes da Polícia Legislativa atacaram homens, mulheres e crianças que protestavam pacificamente terem interrompido a programação normal das emissoras de Tv, em flashs diretos da Câmara dos Deputados – episódio no qual a grande mídia finalmente percebeu os centenas de acampados e seus familiares diante do Congresso Nacional e de suas lentes desde janeiro – as lideranças partidárias não se sentiram à vontade para aprovar um Conselho que endossa todas as violências que os povos indígenas e os servidores da Funai tem sofrido nesses últimos cinco meses.
Nem mesmo o PT teve coragem de aprovar a emenda, lesiva aos povos indígenas, sendo a emenda rejeitada por 12 votos a 1 – sendo o PC do B o único partido que votou a favor do Conselho Nacional de Política Indigenista, entidade presidida pelo atual gestor da Funai, Márcio Meira.
Após a vitória, indígenas soltaram fogos na Esplanada dos Ministérios e comemoraram dançando, cantando e conversando à fogueira até tarde da noite. “Tendo sido rejeitada a legalidade do CNPI, a Funai fica acéfala, sem diretrizes. O próximo passo é tirar a atual gestão da Funai e colocar os indígenas no comando do órgão”.
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Hoje, dia 20 de maio de 2010, por volta do meio-dia, o acampamento indígena instalado defronte ao Ministério da Justiça, recebeu a visita de Raoni Metuktire, líderança Kayapó reconhecida internacionalmente, que está de volta da França. Raoni parabenizou a todos, guerreiros e guerreiras das mais diversas etnias, pela vitória e disse que enviará um grupo de guerreiros Kayapó para reforçar o movimento. O acampamento agradeceu carinhosamente a visita e o apoio do Cacique de
Tronco Jê - guerreiro veterano, referência para os povos indígenas de todo mundo – e o homenageou com canções Guajajara e Pankararu.
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