sexta-feira, 26 de março de 2010

"Indios da etnia Arara"

Arara

Índia Arara se banha, com criança
© Nair Benedicto
Considerados extintos por volta da década de 1940, quando escasseiam notícias sobre sua movimentação pela região, os índios conhecidos por "Arara" no vale do médio Xingu voltaram à cena com a construção da rodovia Transamazônica, no início dos anos de 1970. O trecho que hoje liga as cidades de Altamira a Itaituba, no Estado do Pará, passou a poucos quilômetros de uma das grandes aldeias onde vários subgrupos Arara se reuniam no período de estiagem. A estrada cortou plantações, trilhas e acampamentos de caça tradicionalmente utilizados pelos índios. O que antes já era um povo pequeno foi apartado pela "estrada da integração nacional": seu leito principal, suas vicinais, seus travessões, suas picadas e clareiras acessórias formaram barreiras, impedindo o trânsito dos índios pelas matas e impondo limites à tradicional interação entre os subgrupos que, vivendo dispersos pelo território, articulavam-se numa rede intercomunitária coesa.
A consolidação do longo processo de atração, a partir de fevereiro de 1981, depois de mais de uma década de frustradas tentativas de contato, encontra alguns dos subgrupos Arara já desunidos e afastados. Pelo menos quatro deles ao sul do leito da nova rodovia, na altura do km 120, aglutinaram-se para enfrentar a penetração não indígena no território. Um outro ao norte, isolado e em fuga constante, é contatado em 1983, já com a ajuda daqueles contatados dois anos antes. Ainda mais um é contatado em 1987, já muito longe dos demais, apartado dos outros por razões internas ao povo Arara, mas cada vez mais isolado e restrito aos cantos mais ermos do território devido à ocupação e à exploração econômica avivadas na área indígena. Este último subgrupo talvez seja aquele submetido à situação pós-contato mais dramática, que ainda perdura pela indefinição oficial sobre as áreas destinadas aos Arara.

Foto: Michel Pellanders, 1987

Histórias e origens
Um mito de origem do mundo terreno explica o padrão de dispersão territorial que historicamente os Arara mantinham no interflúvio Tapajós-Tocantins. Originado num cataclismo celeste causado por uma enorme briga entre parentes, o mundo terreno foi o palco de um acordo político entre aqueles que, por serem causadores da tragédia inaugural, foram condenados a viver no chão. A divisão em pequenos subgrupos, independentes e autônomos, mas integrados numa rede de prestação intercomunitária, sobretudo para as temporadas de caça e festas, teria sido estabelecida como uma espécie de pacto a garantir a não repetição dos conflitos que deram origem à vida terrena. Também o etnônimo de que se servem tem relação com o mito de origem: Ukarãngmã - quase que literalmente "povo das araras vermelhas"- é como se denominam, numa referência à participação que aqueles pássaros teriam tido logo após a tragédia que deu origem ao mundo terreno. No mito, foram as araras vermelhas que tentaram levar de volta aos céus muitos dos que de lá caíram.
Falantes de uma língua da família Karib, os Arara pertencem à mesma sub-família dialetal - também chamada de Arara - que incluía os Apiacá do Tocantins (extintos), os Yaruma (extintos) e os Ikpeng, hoje no Parque Indígena do Xingu, povos que viviam dispersos por um amplo território que abarcava todo o vale do alto e médio Xingu e o rio Iriri. Em termos geográficos, os povos indígenas desta sub-família Arara ocupam uma posição geográfica intermediária em relação às maiores concentrações demográficas de falantes de línguas da família Karib: o maciço das Güianas e os formadores do alto rio Xingu.
Entretanto, a região dos rios Ronuro, Batovi, Culiseu, Culuene (justamente os formadores do rio Xingu, hoje área do Parque Indígena homônimo) é o lugar mais provável da dispersão original dos povos desta sub-família dialetal. Seu deslocamento pela bacia do Xingu parece ter coincidido com um movimento migratório Kayapó, que partiu dos campos do rio Araguaia em meados do século passado e atingiu a região do médio Xingu já no início deste século. Toda a região entre o Tapajós e o Tocantins (e particularmente o vale do Xingu) parece ter sido um lugar de movimentação constante de grupos indígenas, até o início do segundo quartel deste século, quando levas migratórias oriundas do nordeste brasileiro começam a alterar a dinâmica demográfica da região afetando as populações indígenas já ali instaladas.
Narrativas míticas Arara apontam a margem direita do Xingu como o lugar onde tudo teria começado: a formação do mundo atual, a geração do povo Arara, a dispersão dos subgrupos e o início dos conflitos com os inimigos "tradicionais". Dados históricos confirmam o trânsito dos Arara por entre as duas margens do médio rio Xingu até a fixação na sua margem esquerda, junto ao rio Iriri, depois de cruzarem o Xingu já abaixo da "Volta Grande", por volta de meados do século XIX. Tanto informações históricas - como as referências a conflitos com caçadores e trabalhadores em obras públicas - quanto a memória dos velhos Arara apontam para a região próxima a Altamira, já abaixo da foz do rio Iriri, como o lugar da maior concentração de assentamentos de subgrupos Arara no passado.
Ocupando a região do divisor de águas, entre o oeste Xingu, o leste do Tapajós e o sul do baixo Amazonas desde meados do século XIX, os Arara tinham à sua disposição recursos naturais oriundos da bacia do Xingu e também das águas que correm para o Amazonas.
Já na sua expedição ao Xingu, em 1896, o viajante Henri Coudreau mencionava a existência dos "Araras bravos" -subgrupos então sem qualquer contato com o branco - à esquerda do Xingu, na região entre o rio Curuá (à esquerda do alto rio Iriri) "até não longe do Amazonas". Lugar estratégico de multiplicação das possibilidades de adaptação ecológica e da otimização da utilidade dos recursos diversos que caracterizam as bacias do Xingu e do Amazonas, o divisor de águas permitia a cada grupo local, dependendo de sua localização particular, diferenças sutis quanto ao padrão de utilização de matérias-primas desigualmente distribuídas no território (as tabocas para flechas, as palhas para trançados e cestarias, e a maior ou menor ocorrência das palmeiras de inajá para a extração de uma bebida típica, etc). Ao mesmo tempo, o divisor de águas dava aos Arara o acesso a territórios de caça diferenciados e, por isso, mais produtivos em função das diferenças entre as estações de seca e chuva durante o ano.

Contato com a sociedade nacional
A história do contato dos Arara com a sociedade nacional é relativamente longa. Desde 1850 há notícias de contatos pacíficos entre índios Arara e moradores da região ribeirinha dos rios Xingu e Iriri nas proximidades de Altamira. Em 1853 eles figuram pela primeira vez nos registros oficiais, constando dos relatórios do Presidente da Província do Pará, depois de aparecem pacificamente no baixo rio Xingu. Em 1861, um grupo Arara permanece cerca de dez dias entre seringueiros abaixo da Cachoeira Grande do Iriri. Em 1873, o Bispo Dom Macedo Costa leva alguns Arara para Belém. Entre 1889 e 1894, eles são perseguidos por seringueiros na região do divisor de águas Amazonas-Xingu/Iriri. Durante sua expedição ao Xingu, em 1896, Coudreau encontra apenas uma única índia Arara, mas recolhe mais informações sobre eles: o seu caráter pacífico e errante em toda a região do Xingu e do Iriri, a comentada beleza de sua mulheres, a sua miscigenação com outros povos indígenas e, principalmente, sobre a existência dos "Arara bravos". Nas primeiras décadas deste século, os Arara chegam a visitar, em diferentes oportunidades, a cidade de Altamira.
Em momentos variados da história, muitos subgrupos Arara foram forçados a pequenas migrações no amplo território que ocupavam, seja por ataques de outros grupos indígenas (principalmente Kayapó e Juruna), seja por perseguições de seringueiros, caçadores ou colonos. Desde o início dos anos de 1950, gateiros e seringueiros do rio Iriri encontravam acidentalmente os Arara, que até o final da década costumavam aparecer em antigas moradas nas margens do rio.
Em 1961 os Arara chegaram a ser acossados pela Polícia de Altamira, que teria perseguido os índios para vingar a morte de um animal de estimação de um colono das cercanias da cidade. Em 1963 caçadores de tartaruga que subiam o Penetecaua são atacados pelos índios, que derrubam árvores para fechar o canal e emboscar os caçadores. Em 1964 o sertanista Afonso Alves da Cruz percorre os caminhos dos índios no Penetecaua: eram largos, grandes e muito limpos, como se houvesse o trânsito constante de uma população considerável. As plantações eram também avantajadas. Estimou-se o grupo em mais de 300 indivíduos. Os anos de 1964 e 1965 assistem a uma enorme movimentação de um grande grupo Kayapó (Kubenkankren) naquela região, onde teriam ocorrido os maiores conflitos com os Arara. Estes conflitos com os Kayapó ainda freqüentam a memória e o imaginário Arara como causadores de fugas, separações e desaparecimento de vários dos antigos grupos locais.
Os anos finais da década de 1960 assistem a uma mudança profunda na dinâmica de toda a região próxima à cidade de Altamira, com o início das obras de construção da rodovia Transamazônica e a radical transformação do perfil da região. Planejada para passar exatamente nos divisores de águas das bacias do Xingu/Iriri e do Amazonas (dadas as suas melhores condições geo-morfológicas para a construção de uma estrada que deveria perenizar-se), a Transamazônica passou a se impor como uma "barreira" espacial inexistente anteriormente. Cortando ao meio o território tradicionalmente usado e ocupado pelos Arara (o divisor de águas), a nova rodovia se tornou marco e limite da possibilidade de interação entre vários subgrupos. O impacto da implantação dos novos projetos em torno do leito da rodovia Transamazônica sobre o modo de vida tradicional dos Arara afetou principalmente o padrão de dispersão espacial e articulação política dos grupos locais e a possibilidade de exploração extensiva dos ecótipos diferenciados (micro-ambientes dos igarapés pertencentes às bacias do Amazonas e do Xingu/Iriri). A aglutinação estratégica de vários grupos locais em aldeias muito próximas para enfrentar as pressões da penetração não-indígena na região, e a limitação do território utilizável apenas à bacia do Xingu/Iriri, com a restrição do acesso à maior parte dos igarapés da bacia do Amazonas (que ficaram ao norte da rodovia) e a conseqüente perda da flexibilidade na utilização de ecótipos diferenciados, foram os resultados mais evidentes dos projetos que vieram a reboque da nova rodovia.

Subgrupos, áreas e aldeias
Tradicionalmente, uma rede intercomunitária de prestações múltiplas estabelecia as relações entre os vários subgrupos e definia os princípios básicos da vida social: a autonomia política e a independência econômica conjugavam-se à colaboração para os ciclos rituais; as alianças matrimoniais, por outro lado, dado o princípio residencial que os Arara seguem, dispersavam os homens e seus vínculos por vários dos subgrupos pertencentes à rede intercomunitária. A possibilidade de que estes padrões tradicionais da vida social Arara (dispersão e independência, articulação e aliança) pudessem efetivar-se na prática dependia, obviamente, da capacidade de cada subgrupo se relacionar com os demais. Sua história recente, marcada por deslocamentos forçados e pela procura de novos lugares para moradia e exploração econômica, a salvo das penetrações exógenas no território, modificou os critérios de escolha para os assentamentos de cada grupo local: não mais a busca de autonomia e independência como condição para a colaboração ritual e para as alianças matrimoniais; a simples possibilidade de sobrevivência física colocava-se em primeiro lugar. A escolha de novos assentamentos não obedecia mais à dupla condição de manter a autonomia e a independência e permitir, ao mesmo tempo, a articulação periódica com os demais grupos locais. Contra a forma da dispersão espacial tradicional, contra a autonomia política e a independência econômica somadas à colaboração ritual e às alianças matrimoniais, a história recente dos Arara impôs limites na possibilidade de atualizar o modo como operava a rede de prestações intercomunitárias.
A situação pós-contato trouxe uma realidade de redução espacial, com a conseqüente perda da possibilidade de exploração territorial ao modo tradicional, e de aglutinação e concentração demográfica de vários dos antigos subgrupos.
Há duas áreas legalmente definidas para os Arara, com situação jurídica e fundiária distinta: a Terra Indígena Arara e a Terra Indígena Cachoeira Seca do Iriri. A primeira é relativa aos subgrupos contatados entre 1981 e 1983, e a segunda, àquele subgrupo contatado somente em 1987. A área ao norte da rodovia Transamazônica foi completamente abandonada pelos índios, tanto como moradia, quanto como território de exploração econômica.
Todos os índios contatados entre 1981 e 1983 acabaram sendo aldeados ao sul do leito da rodovia, inicialmente em duas aldeias diferentes e, posteriormente, em uma única aldeia. Hoje em dia, a maior parte dos Arara vive numa aldeia levantada pela FUNAI após o contato, dentro da TI Arara, localizada nas proximidades do igarapé Laranjal, cuja população soma pouco mais de 100 indivíduos. Uma pequena parcela da população, em torno de duas dezenas de pessoas, que antes também viviam na aldeia do Laranjal foi deslocada para um posto de vigilância da FUNAI construído às margens do leito da Transamazônica, formando o núcleo de um outro "grupo residencial". A TI Arara tem um total de 139 habitantes indígenas.
O mais afastado, e ainda relativamente isolado dos demais, é o subgrupo contatado em 1987, aldeado nas proximidades do igarapé Cachoeira Seca, no alto rio Iriri, na TI Cachoeira Seca, contando com 56 indivíduos, todos descendentes de uma única mulher (que em 1994 ainda vivia).
A população total dos Arara no ano de 1998 era de 195 indivíduos.


Foto: Milton Guran

Antes do contato, os grupos locais eram integrados numa grande rede de prestações múltiplas (econômicas, cerimoniais, matrimoniais, etc.). As grandes reuniões realizadas na estação seca serviam também ao propósito de reunir estes vários grupos dispersos espacialmente. Hoje, a despeito da redução de vários grupos locais a uma única aldeia, transformados assim em grupos residenciais, eles ainda atuam basicamente como se estivessem na situação tradicional, com grande independência e autonomia. O impacto do contato se fez sentir principalmente nos arranjos residenciais: a morte de alguns velhos líderes e sogros durante e logo após o processo de atração quebrou vínculos entre pessoas que reorganizaram suas relações em outros grupos residenciais. Ainda que não se possa subestimar os prováveis efeitos do longo processo de contato, desde o final da atração a população Arara tem tido um crescimento demográfico bastante razoável. Algo em torno de 30% da população já nasceu na situação de contato permanente com a sociedade nacional. É claro que tais mudanças trouxeram algumas conseqüências, mas ainda não parecem ter alterado os principais traços da vida social Arara, nem o estatuto fundamental dos subgrupos. Na aldeia do Laranjal, cada um dos antigos grupos locais acabou por aglutinar-se, no geral, num mesmo grupo residencial, como expressão de sua natureza coletiva. Tais unidades residenciais se caracterizam como grandes casas coletivas, centradas sobre a figura de um homem já velho, pai da maior parte das mulheres e sogro dos homens adultos que ali vivem. Malgrado serem nomeados apenas pelo nome de seu velho líder e não terem um estatuto jurídico muito claro, tais grupos residenciais têm um evidente reconhecimento público quanto a seu caráter social: cada indivíduo é dito e tido como pertencendo a um grupo residencial específico, e as casas coletivas funcionam de fato como unidades sociais independentes e que, para vários aspectos, da vida social, operam como uma espécie de sujeito coletivo.
Diferente da aldeia do Laranjal, a aldeia levantada pelos índios junto ao Posto da FUNAI no igarapé Cachoeira Seca apresenta-se simplesmente como um pequeno aglomerado desordenado de casas ocupadas por unidades conjugais diferentes. Certamente porque, em se tratando de um único grupo local, cujo isolamento dos demais é produto de sua história peculiar, a configuração residencial ali ganhou mais indeterminação.
Os grupos residenciais são formados por uma junção de lógicas distintas. Os casamentos são definidos sobre a base mínima de exogamia de grupo natal. A residência uxorilocal, quase que compulsória para o primeiro casamento de um homem (os Arara são, no geral, poligínicos), é um princípio importante de recrutamento, mas que concorre com opções individuais de escolha sujeita a variações (prestígio e afinidades pessoais, pactos de solidariedade e cooperação entre pessoas, etc). Se as relações de afinidade formam um dado importante na composição dos grupos residenciais, uma outra condição é a necessidade de que os grupos residenciais se comportem como unidades eficientes de cooperação: um número razoável de homens adultos, solidários nas tarefas coletivas que os grupos devem desempenhar (a caça na estação seca, o preparo de uma roça coletiva, etc.). Afinidade e a necessidade de cooperação são princípios que organizam os grupos residenciais: a afinidade implicando numa forma de cooperação compulsória (um modo concreto de "serviço da noiva" a ser prestado a sogros e cunhados), que os Arara tentam evitar, e as relações de consangüinidade e de "amizade formal" que os Arara reconhecem (parcerias de caça e parcerias de guerra) numa outra forma de cooperação, menos tensa e mais amistosa (mas que, virtualmente, seria tão compulsória quanto a primeira). Há uma larga margem de imponderabilidade nas razões que orientam as escolhas pessoais que influenciam o modo de distribuição da população por entre as várias casas. Na aldeia do Laranjal, por exemplo, há três grupos residenciais reconhecidos, mas cinco casas diferentes: duas delas são habitadas por unidades conjugais que, por razões peculiares, são autônomas na moradia mas socialmente integradas em grupos residenciais maiores.

Os Arara não possuem um termo específico para "aldeia", reunião de casas em um espaço comum. A indistinção entre casa e aldeia aponta também para o fato de que, como no passado, e não muito remoto, uma única casa pode ser toda a extensão da moradia de um grupo local; sem o reconhecimento de uma "aldeia" propriamente dita, espaço de reunião de diferentes moradias, os Arara vêem como co-extensivas, a casa e a aldeia.

Economia, cosmologia e vida ritual
Atualmente, a aldeia do Laranjal é o palco privilegiado da vida social Arara. O posto de vigilância e a aldeia do Cachoeira Seca, como espaços de apenas um único grupo residencial, carecem de formas coletivas mais elaboradas de interação, cujo tempo e lugar se dão no pátio da principal aldeia e, principalmente, durante a estiagem, período das grandes caçadas e das festas que as acompanham.
Os ciclos econômicos e rituais convergem para a estação seca. Toda a agricultura, cuidada durante o período úmido do ano, serve não apenas aos propósitos da alimentação cotidiana quando as grandes caçadas inexistem. Ainda que a preferência explícita recaia sobre a macaxeira, quase tudo o que plantam além dela - batata, cará, milho, e frutas como abacaxi, banana etc. - servirá para a fabricação de uma bebida fermentada, concebida como a contra-dádiva necessária para as caçadas que acontecerão tão logo as chuvas cessem e a floresta esteja outra vez seca o suficiente para os caçadores seguirem trilhas e pistas dos animais. As trocas da carne de caça pelas bebidas fermentadas pedem sempre uma grande elaboração ritual, na qual os grupos residenciais expressam seu caráter coletivo: um grupo caça, outro fabrica bebida para retribuir as carnes que receberão. Durante toda a estação seca é isto o que se vê na aldeia do Laranjal: um grupo partindo para uma longa caçada, outro ocupando-se de colher das roças tudo o que pode ser transformado em bebida. Do ponto de vista do simbolismo associado aos ritmos econômicos, carne e bebida se articulam num sistema cujo eixo principal é a doutrina nativa sobre a circulação de uma substância vital, a que chamam ekuru. Passando do sangue dos animais abatidos à terra, e desta aos líquidos que nutrem e fazem crescer os vegetais, a substância vital é o objeto principal do desejo, e não apenas dos seres humanos, mas também de todos os seres que habitam o mundo: objeto de uma predação generalizada no mundo, a substância vital ekuru é o que os humanos buscam adquirir através da morte dos animais na caça e da transformação dos vegetais na bebida fermentada, chamada piktu, fonte primordial de aquisição de substâncias vitais pelos humanos.
A capacidade da terra em reprocessar as substâncias vitais, transformando-as nos nutrientes dos vegetais com os quais os humanos fazem bebidas, orienta também as práticas funerárias Arara. De hábito, os Arara não enterram seus mortos, mas lhes reservam uma plataforma na floresta, no interior de uma pequena casa funerária levantada especialmente para cada ocasião. Afastado da terra, o morto deve ir secando gradativamente, perdendo o que ainda lhe restava de substâncias vitais para o conjunto de seres metafísicos que passam a rondar os cadáveres, alimentando-se daquilo que antes dava vitalidade ao defunto. A funerária Arara é, assim, uma espécie de devolução das substâncias vitais que os humanos extraem do mundo; uma troca ou reciprocidade escatológica para com os demais seres do mundo.
Por outro lado, a circulação de ekuru se dá, entre os vivos, pelas trocas de carne por bebida, que se dão principalmente nos ritos que seguem o retorno dos caçadores. Deste modo, os ritos são o modo pelo qual a doutrina nativa de circulação da substância vital se transforma num princípio de articulação dos vários subgrupos num esquema de reciprocidade e dependência mútua. As atividades econômicas (caça e agricultura), os princípios de estruturação social (a divisão dos subgrupos) e as percepções nativas sobre o funcionamento do mundo ganham consistência nas práticas rituais associadas às trocas de carne por bebida. E, por estarem associadas às concepções nativas sobre o funcionamento do mundo, o xamanismo também tem aí o seu lugar.
O xamanismo Arara é uma instituição dispersa, difusa e generalizada entre os homens. Curadores e agentes da mediação com as potências metafísicas, todos os homens são iniciados e praticam pelo menos em parte as técnicas e artes xamânicas. E cabe eles também, ou pelo menos àqueles que desfrutam de algum prestígio ligeiramente maior, garantir, junto às potências metafísicas, as condições para que as caçadas e os ritos que fazem circular carnes e bebidas entre os vários subgrupos se concretizem.
Dentre as condições simbólicas da caça, há um rito reservado aos xamãs que, no interior da mata, dirigem fórmulas mágicas às entidades metafísicas que controlam as espécies animais (os oto) para pedir filhotes para serem criados pelos humanos. A captura de animais para criação é, assim, concebida como produto da intercessão de um xamã junto ao oto que controla aquela espécie particular. Por outro lado, o pedido de filhotes para criação interdita a caça de animais daquela espécie para o envolvido no rito mágico. Porém, tal interdição a que um xamã se sujeita não se estende a nenhum outro homem que, perambulando pelas matas, pode sem qualquer constrangimento abater os animais. De outro lado, as músicas que os Arara tocam durante os longos ciclos de festas da estação seca estão também intimamente relacionadas às representações nativas sobre as condições e práticas das caçadas. As longas trombetas executam peças melódicas conhecidas por sua relação com as principais espécies animais que são caçadas. Tocadas em grupos ou parcerias formais, as trombetas anunciam a morte dos animais para seus protetores espirituais ao mesmo tempo que servem como pretexto para o retorno dos caçadores à aldeia, depois de sua quase sempre longa estada na floresta. É pela seqüência das músicas que são tocadas na aldeia que os caçadores acompanham o andamento das etapas rituais que preparam sua chegada, quase sempre simulando uma invasão agressiva da aldeia que se dissolve pela oferta de piktu aos caçadores que entraram em confusa correria. A série ritual das música então continua, não mais com as músicas instrumentais relativas às relações com os animais e seus guardiões, mas com as músicas vocais, que são verdadeiros diálogos cerimoniais cantados para estabelecer as relações entre seres humanos, melhor, entre os que foram à caça e aqueles a quem cabe oferecer a bebida aos que trazem carne. Através de toda sua simbologia, os grandes ritos associados às caçadas coletivas são também um eficiente mecanismo através do qual valores éticos e morais se manifestam, se concretizam e servem à constituição de uma idéia nativa de sua coletividade. Uma intrincada rede de valores e princípios de interação relativos à boa conduta, à gentileza, à solidariedade e à generosidade tem, nos ritos, seu lugar privilegiado de expressão.

Situação atual
Dois são os grandes problemas com que os Arara se vêem às voltas na atualidade. Um deles é a recorrente situação das terras indígenas, com a indefinição oficial sobre a TI Cachoeira Seca do Iriri, sempre projetada para ser contígua à TI Arara, permitindo a reconstrução dos processos tradicionais de interação com o subgrupo lá aldeado e a garantia do necessário suporte espacial e ambiental para a reprodução do modo de vida Arara em seus próprios termos. Em 1994, por indicação da Associação Brasileira de Antropologia, atendi a uma solicitação da FUNAI para proceder a novos estudos sobre a definição da área indígena Cachoeira Seca do Iriri, onde foi aldeado o subgrupo contatado em 1987. A despeito do enorme esforço e do envolvimento dos próprios índios e de entidades e representantes de colonos e posseiros, que permitiram a construção de uma proposta acordada e relativamente consensual para a definição dos limites da área, solucionando problemas anteriormente causados pela inépcia e incompetência de alguns, não foi dado o seguimento devido ao processo de regularização da área, por razões que ignoro, mas das quais já desconfio.
O outro problema é o modo rápido, e muitas vezes desagregador, como estão se dando as interações dos índios com os milhares de colonos que os cercam. Apenas por conta de sua população pequena, do crescimento demográfico relativamente rápido e do aumento da influência do português no dia-a-dia, a reprodução sociocultural Arara já poderia estar bastante comprometida.
Entre 1987 e 1992, mesmo entre os mais novos e as mulheres - que têm uma interação mais constante com o pessoal do Posto da FUNAI -, raros eram aqueles que falavam de modo mais fluente o português. A partir de então, com a introdução progressiva de uma escola, com professoras contratadas pela Prelazia do Xingu, crianças e adolescentes começaram a usar mais intensamente o português, chegando a substituir o idioma nativo mesmo quando apenas entre si. Mas, em 1994, os índios adultos mais velhos ainda eram, com poucas exceções, quase que completamente monolíngues.
Agravando a situação, vários homens adultos, sobretudo aqueles que se mudaram para o posto de vigilância, começam a buscar junto aos colonos, vizinhos naquele limite da área, o acesso aos bens materiais que a FUNAI não mais fornece: em troca, muitas vezes os Arara têm deixado seus próprios afazeres para cederem seu trabalho às tarefas dos colonos. Esta interação cada vez mais constante tem aumentando também a influência de igrejas protestantes - que há muito já se insinuavam na escamoteada presença de um missionário dublê de lingüista entre os índios do posto de vigilância -, e começa a mostrar seus outros efeitos deletérios, como o consumo descomedido e descontextualizado de bebidas alcoólicas, que é estranha às tradições Arara mas comuns entre os colonos daquela região. Até quando tudo isto ficará circunscrito à parcela da população que, induzida a viver no posto de vigilância, está mais próxima e sujeita às influências perversas é algo que ainda não se consegue antever. Mas a realidade futura dos Arara dependerá certamente da capacidade que tenham de interagir sem perder as condições fundamentais para sua própria reprodução e manutenção dos aspectos centrais de seu modo de vida e sua visão de mundo.

uluri


As mulheres dessa tribo usam, como roupa, apenas uma espécie de cinto chamado uluri, feito de entrecasca de árvore. Se esse cinto se romper (por acaso), a mulher se sente desprotegida e nua. A presença deste cinto significa que a mulher não está sexualmente disponível, e a aproximação só acontece quando ela o retira. Alguns desses povos já estão extintos. Sua língua é a tupi. No ritual de transição entre a infância e a vida adulta, os meninos ficam reclusos na casa dos homens e têm que passar por sofrimentos físicos e dar provas de força. Embora não haja um espaço físico determinado, as meninas também têm que cumprir alguns rituais de passagem.


Nota sobre as fontes
Os registros etnográficos sobre os Arara aparecem pela primeira vez em artigos de Curt Nimuendajú. Antes deles, apenas esparsas informações histórias apareciam em relatórios administrativos sobre a antiga Província do Pará. Considerados extintos a partir da década de 1940, nenhuma nova informação sobre os Arara ficou registrada até a consolidação recente do contato. Pequenos relatórios lingüísticos foram produzidos inicialmente, apenas como auxílio, solicitado pela própria FUNAI a missionários-linguistas. A partir da segunda metade da década de 1980 novos estudos começam a ser realizados. A língua Arara é objeto de uma descrição fonética numa dissertação defendida na UNICAMP pelo missionário Isaac Souza, e de um relatório depositado no Setor de Lingüística do Museu Nacional, elaborado por Márnio Teixeira-Pinto a partir do Formulário Padrão para Estudo das Línguas Indígenas Brasileiras. Uma primeira descrição etnográfica mais sistemática, centrada nas concepções nativas sobre a doutrina nativa sobre os ciclos das substâncias vitais ekuru, foi apresentada na dissertação de mestrado de Márnio Teixeira-Pinto, que tem também publicado vários artigos temáticos, sobre pinturas e representações corporais, sobre parentesco, história do contato, e recentemente publicou em livro sua tese de doutorado, que apresenta uma descrição mais densa sobre vários aspectos da vida social Arara relacionados aos antigos ritos de sacrifício de inimigos, formas de caça, produção e distribuição das bebidas, as músicas executadas nos ritos, etc. Também sobre as músicas Arara há artigos de Jean-Pierre Estival.
Recentemente, um vídeo comercial sobre os Arara, realizado entre 1992 e 1994 como uma produção independente da Equilibrium Films e da Nova Films britânicos, que contou com a consultoria de Márnio Teixeira-Pinto, teve seus direitos comprados pela National Geographic Society que atualmente se prepara para lançar uma nova versão, revista também por Márnio Teixeira-Pinto.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Os povos indígenas brasileiros formam um rico e complexo conjunto de crenças e hábitos.


Os povos indígenas brasileiros formam um rico e complexo conjunto de crenças e hábitos.


A presença dos índios no território brasileiro é muito anterior ao processo de ocupação estabelecido pelos exploradores europeus que aportaram em nossas terras. Segundo os dados presentes em algumas estimativas, a população indígena brasileira variava entre três e cinco milhões de habitantes. Entre essa vasta população, observamos o desenvolvimento de civilizações heterogêneas entre as quais podemos citar os xavantes, caraíbas, tupis, jês e guaranis.

Geralmente, o acesso às informações sobre essas populações são bastante restritas. A falta de fontes escritas e o próprio processo de dizimação dessas culturas acabaram limitando as possibilidades de estudo das mesmas. Em geral, o maior contato desenvolvido entre índios e europeus aconteceu nas faixas litorâneas do nosso território, onde predominam os povos indígenas pertencentes ao grupo tupi-guarani. Apesar das várias generalizações, relatos do século XVI esclarecem alguns hábitos desse povo.

De acordo com esses registros, os povos tupi-guarani organizavam aldeias que variavam entre os seus 500 e 750 habitantes. A presença da aldeia era temporária e todo o seu contingente era dividido entre seis a dez casas, sendo que cada uma delas poderia variar de tamanho e comprimento de acordo com as necessidades materiais e culturais de cada aldeia. Para buscarem sustento, os tupis desenvolveram a exploração da coleta, da caça, da pesca e, em alguns casos, das atividades agrícolas.

Sob o ponto de vista político, essas comunidades não contavam com nenhum tipo de organização estatal ou hierarquia política que pudesse distinguir seus integrantes. Apesar disso, não podemos ignorar que alguns guerreiros e chefes espirituais eram valorizados pelas habilidades que detinham. Muitas vezes, diferentes tribos mantinham contato entre si em busca da manutenção de alguns laços culturais ou em razão da proximidade da língua falada.

A realização das tarefas cotidianas poderia variar segundo o gênero e a idade de cada um dos integrantes da aldeia. Em suma, as mulheres tinham a obrigação de desenvolver as atividades agrícolas, fabricar peças artesanais, processar os alimentos e cuidar dos menores. Já os homens deveriam realizar o preparo das terras e as atividades de caça e pesca. Tendo outro modelo de organização familiar, os índios organizavam casamentos e, em algumas situações, a poligamia era aceita.

No campo religioso, alguns desses povos acreditavam na existência dos espíritos, na reencarnação dos seus antepassados e na compreensão dos fenômenos naturais como divindades. Em diversas situações, esse corolário de crenças era fonte de explicação para a origem do mundo ou a ocorrência de algum evento significativo. Em alguns casos, os índios praticavam a antropofagia como um importante ritual em que os guerreiros da tribo absorviam a força e as habilidades dos inimigos capturados.

Historicamente, a situação dos índios variou entre quadros de completo abandono, perseguição e miséria. Até meados da segunda metade do século XX, alguns especialistas no assunto acreditavam que a presença dos índios chegaria a um fim. Contudo, estipulados em uma população de aproximadamente um milhão de indivíduos, os indígenas hoje buscam o reconhecimento de seus diretos pelo Estado e ainda sofrem grandes obstáculos no exercício de sua autonomia.
Por Rainer Sousa
Graduado em História
Equipe Brasil Escola

domingo, 21 de março de 2010

A historia dos índios contada por Pedro Martinelli

Os índios gigantes



1.
No final dos anos 70, o jornal O Globo me escalou para cobrir a expedição de contato com os índios gigantes, os Kranhacãcore (homem grande da cabeça redonda), como os inimigos Txucarramães os chamavam. Hoje são os Panará.
Esta frente de atração era chefiada pelos irmãos Claudio e Orlando Villas Boas, cuja missão era fazer o contato com os índios que estavam no rumo da rodovia Cuiabá-Santarém, que estava sendo contruída. Fui para ficar um mês e acabei ficando três anos.
Esta é a foto do primeiro contato. Foi publicada na primeira página depois que as partes íntimas do índio foram retocadas por ordem da censor que ficava na redação.

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2.

O som dos motores do Búfalo da FAB, um bimotor enorme com capacidade para transportar vários veículos, quebrou o ruído de machados e enchadões dos índios que destocavam os paus do campo de pouso nas margens do rio Peixoto de Azevedo.

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A missão do avião era lançar tambores para que os trabalhadores da rodovia Cuiabá-Santarém, a BR-163, construíssem uma balsa para atravessar equipamentos e tratores.

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Depois que os 35 homens comandados por um tenente do 9º BEC, Batalhão de Engenharia e Construção de Cuiabá, atravessaram o rio para continuar no rumo de Santarém, a expedição de contato, comandada pelos irmãos Claudio e Orlando Villas Boas, começou a construir canoas para descer o rio Peixoto de Azevedo e iniciar a aproximação com os Kranhacãrore.

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Hoje, quase 40 anos depois, a estrada fica intransitável na época das chuvas. Agora, a ameaça, segundo os ambientalistas, é o asfalto que os produtores de soja prometem levar até Santarém, uma saída muito mais lógica para a produção que os portos do Sul mas, em tempos de contas justas, não se sabe o que é pior. Passar asfalto e acelerar a destruição do pouco que resta de mata nativa na região de Santarém ou queimar milhões de óleo diesel para embarcar a soja em Paranaguá.
Mal ou bem a BR-163 ainda vai a algum lugar, pior estão as conterrâneas Transamazônica e Perimetral Norte, que não chegaram a engatinhar e já estão mortas. Poderiam, pelo menos, servir como mea-culpa, exemplo de serviço mal feito e descaso. Mas nem isso.
3.
A técnica de contato com índios isolados dos irmãos Villas Boas era a paciência. “Morar no quintal da casa deles” para ser observado, deixar presentes como facões, machados, colares de contas, bonecas, espelhos e não tomar iniciativa, “até que eles venham a nós”. Depois que fizemos o primeiro campo de pouso nas margens do rio Peixoto de Azevedo, Claudio Villas Boas aproveitava a vinda do pequeno avião da FAB para sobrevoar a aldeia Kranhacãrore e jogar presentes.



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O tempo de vôo do nosso acampamento até a aldeia era de 10 minutos no 019 da FAB, um pequeno avião de treinamento sempre pilotado por um jovem do Campo dos Afonsos, no Rio de Janeiro.

O piloto circulava em volta da aldeia por alguns minutos, escolhia um lugar limpo para que o passageiro do banco de trás atirasse os presentes e embicava o nariz do avião para baixo, fazendo um razante de deixar os cabelos em pé. Os arqueiros Kranhacãrore não erravam. Na volta, o avião sempre tinha marcas e às vezes até pontas de flexas presas na fuselagem.

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4.

Numa manhã, Claudio Villas Boas encontrou a aldeia incendiada. No meio, um imenso varal com bordunas, arcos, flechas e instrumentos agrícolas. Naquela noite, Claudio e o irmão Orlando conversaram até tarde sobre o significado daquele gesto. No dia seguinte, Claudio decidiu: “temos que ir lá, pegar os presentes”. Todos ficaram apreensivos porque ninguém descartava a possibilidade de um armadilha. Seria muito fácil para os Kranhacãrore, era só esperar que todos estivessem no centro da aldeia e fazer o ataque. Não sobraria ninguém. Claudio estimava uma população de 300 índios. A nossa expedicão era formada por 28 índios xinguanos , Claudio, Orlando, Mamprim, Etevaldo e eu.
Claudio era um homem determinado. Não acreditava na hipótese do ataque e lembrava, “aconteça o que acontecer nenhum tiro, nem pra cima. Se for o caso eu aviso”. Ele compartilhava com Rondon o lema “morrer se for preciso, atirar jamais”.
Nos grandes deslocamentos, Claudio usava na cinta um revólver Smith Weston 38, cromado, cano longo. Eu o vi sacar esta arma duas vezes. Uma para dar um tiro numa surucucu e outra para apontar na cabeça do sargento do exército que havia dado um tiro nos índios - bom, mas esta é uma outra história que eu conto qualquer dia destes.
Levamos dois dias para achar a aldeia principal. Andamos o primeiro dia inteiro ziguezagueando até encontrar a primeira picada. Nossa comida era transportada por um índio que carregava nas costas um caldeirão com uma farofa de paca suficiente apenas para o primeiro dia.
À medida que chegávamos próximo da aldeia, a picada se dividia em vários ramais, quase todos iguais e da mesma largura, que levavam sempre nas roças. Andamos em todas até encontrar a picada mestra que ía alargando a medida que nos aproximavamos.
O clarão do aberto da aldeia ía aumentando na mesma proporção do medo. Claudio na frente entrou firme e rumou para o centro, atrás dele todos nós, enfileirados, em silêncio esperando pelo pior.
Nestas horas é bom ser fotógrafo. Coloquei a cara atrás da câmera e me senti como se estivesse dentro de uma armadura.
Em minutos estavamos todos confraternizando, um falatório imenso nas diversas línguas xinguanas, Caiapó, Txicão, Kamaiurá, Kuikuro e Txucarramãe. O índios da expedição estavam eufóricos. Recolhemos o que era possível carregar e dormimos na aldeia.
Eu, sempre com a “pulga atrás da orelha”, como dizia meu pai, lembrava das histórias de massacres do Orlando Villas Boas que tirava o sono de qualquer um.
5.
Depois do contato com os índios gigantes, os Kranhacãrore, os irmãos Claudio e Orlando Villas Boas se aposentaram. Claudio partiu para o Xingu uma semana depois de ter pego na barriga de um índio selando o contato definitivo.
Este momento, o do “beliscão” , fez parte do imaginário dos integrantes da expedição durante os três anos de trabalho na frente de atração. Nas conversas depois do jantar, Claudio dizia com os olhos molhados de emoção: “o dia que eu pegar na barriga de um índio (fazendo o gesto de um beliscão), será o fim deles”.
Claudio sabia o que iria acontecer com os Kranhacãrore, por isso quis sair logo. Não queria ver a cena fatal do índio na beira da estrada. Chamou um avião e levantou vôo do último campo de pouso que construiu. Lá de cima viu o rastro da estrada que avançava e seguiu para o Xingu com um nó na garganta. Uma semana depois chegava ao Peixoto o sertanista Apoena Meirelles, filho de Francisco Meirelles, que havia feito o contato com os índios Xavantes.
A principal missão de Apoena era ir até a aldeia para vacinar os índios. Logo que desceu do avião foi na direcão de um Kranhacãrore que estava na beira da pista, sacou seu 38 da cinta e mostrou para todos que o aguardavam como seria seu estilo de trabalho dali para frente.
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6.

O passo seguinte depois do primeiro tiro é vestir uma camiseta.
Estávamos indo para a aldeira Kranhacãrore quando um índio pulou na picada oferecendo uma banana. Na outra mão segurava um punhado de flechas, o arco e uma pequena matula, um enbrulhado de folhas de banana amarrado com cipó. Tinha um pedaço de carne de caça assada e batata doce cozida.

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Era um jovem caçador que a partir do momento que vestiu aquela camiseta branca perdeu a camuflagem natural, não tinha mais a capacidade de mimetização para se aproximar da caça.
Virou um espantador.
7.
Desta forma, descarregando a sacaria do avião, apertando o gatilho de um revólver 38, visitando os trabalhadores da rodovia Cuiabá-Santarém que ficava a poucos quilômetros da aldeia, “uma passeio de criança” dizia Claudio Villas Boas, os Kranhacãrore foram se integrando e morrendo com a doença dos “brancos”.
Dois anos depois um avião da FAB transportou os últimos 74 índios de uma população estimada em 300 para o Xingu, para serem vizinhos de seus maiores inimigos, os Kayapó.
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*Fotos e textos de Pedro Martinelli, o fotojornalista que anda, andou muito, continua andando, navegando, há 30 anos, registrando histórias da Amazônia. Publicados originalmente em seu blog.

quinta-feira, 18 de março de 2010

"Espécies de orquídeas do Lago papuásio Kutubu florestas de Papua Nova Guiné"




Cientistas encontram novas espécies de orquídea

A Papua Nova Guiné é o lar de três mil espécies de orquídeas
Cientistas trabalhando com a organização ambientalista internacional World Wildlife Fund (WWF) descobriram novas espécies de orquídeas nas florestas de Papua Nova Guiné. Segundo os pesquisadores, oito delas são novas espécies. Outras 20 podem ser desconhecidas também.
A Papua Nova Guiné, um país ao norte da Austrália, tem grande riqueza em orquídeas. Das cerca de 25 mil espécies conhecidas no mundo todo, três mil são nativas do país.
O Lago papuásio Kutubu - onde as novas espécies foram encontradas - é internacionalmente reconhecido por sua importância biológica. A área é o lar da aves-do-paraíso, do casuar gigante e de outras espécies exóticas.

Junto com a Papua Nova Guiné, a Província indonésia da Papua e a Ilha de Bornéu (que é controlada pela Indonésia, pela Malásia e por Brunei), são consideradas algumas das regiões mais promissora do mundo para a descoberta de novas espécies.
Um dos cientistas que lideram a pesquisa sobre as orquídeas é Wayne Harris, de Queensland, na Austrália.
Ele também fez as fotos das orquídeas. Wayne Harris descreve a Papua Nova Guiné como uma "mina de ouro incrível" para a busca de variedades da flor.
A família das orquídeas ostenta muitas flores incomuns e a Bulbophyllum masdevalliaceum é um exemplo disto.
Mais de 1,8 mil espécies de Bulbophyllum foram descritas no mundo todo, mas a Papua Nova Guiné é "seu lar evolutivo", contendo um terço das espécies conhecidas.
Além de orquídeas, novos mamíferos, peixes e insetos são descobertos regularmente na região.
Mas muitas espécies provavelmente foram extintas antes mesmo de serem descritas, devido à destruição de florestas e à invasão humana.
A WWF e seus parceiros estão trabalhando com as autoridades de Papua Nova Guiné para proteger importantes áreas de conservação.







Boca aberta

Cientistas trabalhando com a organização ambientalista internacional World Wildlife Fund (WWF) descobriram espécies impressionantes de orquídeas nas florestas de Papua Nova Guiné. Segundo os pesquisadores, oito delas são novas espécies. Outras 20 também podem ser desconhecidas.

As descobertas incluem a Cadetia kutubu, que ganhou o nome graças ao Lago Kutubu na região onde foi encontrada.


'Estrela solitária'

A Papua Nova Guiné é incrivelmente rica em orquídeas. Das cerca de 25 mil espécies conhecidas no mundo todo, 3 mil são nativas do país.

Esta delicada orquídea, em forma de estrela, é uma espécie nova da Taeniophyllum e ainda não foi nomeada. Com esta, a Papua Nova Guiné terá mais uma orquídea nativa em sua lista.

Lago

O Lago Kutubu na região de Kikori, Papua Nova Guiné - onde as novas espécies foram encontradas - é internacionalmente reconhecido por sua importância biológica. A área é o lar de aves-do-paraíso, da ave da Austrália, o casuar gigante e o canguru das árvores.

A Papua Nova Guiné, província indonésia da Papua, e o vizinho Bornéo, são partes da região mais promissora do mundo para a descoberta de novas espécies.

Aurora vermelha

Esta nova descoberta é integrante da família Dendrobium (D. cuthbertsonii). A maioria das espécies integrantes desta família vive em árvores e não no chão.

Os criadores conseguiram desenvolver muitas variedades artificiais de Dendrobium, incluindo a kimilsungia, que foi batizada em homenagem ao líder da Coréia do Norte.

'Espetáculo'

As cores desta espécie são brilhantes, a estrutura impressionante, nem mesmo os melhores artistas que modelam vidros em Veneza, Itália, poderiam criar algo tão delicado quanto a Dendrobium spectabile.

O nome já diz tudo.

Classificando as descobertas

Um dos cientistas que lideram a pesquisa é Wayne Harris, do Herbário de Queensland na Austrália.

Ele também fez as fotos das orquídeas usadas nesta galeria. Wayne Harris descreve a Papua Nova Guiné como uma "mina de ouro incrível para orquídeas".

Planta pavão

A família das orquídeas ostenta muitas das mais espalhafatosas flores entre todas as plantas e a Bulbophyllum masdevalliaceum é um exemplo disto.

Mais de 1,8 mil espécies de Bulbophyllum foram descritas no mundo todo, mas a Papua Nova Guiné é "seu lar evolutivo", contendo um terço das espécies conhecidas.

Cara de peixe

Além de orquídeas - como esta ainda não nomeada da espécie Cadetia - novos mamíferos, peixes e insetos aparecem regularmente na região.

Mas muitas espécies provavelmente foram extintas antes mesmo de serem descritas devido à destruição de florestas e à invasão humana.

A WWF e seus parceiros estão trabalhando com as autoridades de Papua Nova Guiné para proteger importantes áreas de conservação.
Fonte: