domingo, 18 de abril de 2010

Raízes brasileiras - O indio

Texto e fotos de Everton de Paula


O tema da cultura brasileira, que se tem revelado polêmico nos vários planos em que se realiza seu questionamento, apresenta pelo menos um ponto discutível: a necessidade de se pensar a respeito das raízes, das origens de nossa cultura. Origem, aqui, entendida não apenas no seu sentido histórico, mas também no sentido de fonte, seiva, emanação vital.
No que se refere às nossas raízes indígenas, bem sabemos que, hoje, lutam para preservar, em milagrosa sobrevivência dentro da sociedade civil industrial, algo do seu primitivo sabor de vida. Na verdade, em algumas poucas reservas indígenas. A crescente descaracterização do nosso índio aponta, inevitavelmente, para a sua extinção no seio de nossa cultura. Dele, restarão alguns documentos, mais decorativos que propriamente elucidativos de seu potencial simbólico, de seu labor humano, da afirmação, malgrado nossa inconsciência e indiferença, da sua diversidade altamente contestatória, da alteridade criativa que teriam podido representar para nós, "civilizados", se tivéssemos sabido respeitá-lo em sua autonomia cultural.
Com simplicidade, respeito e seriedade, Everton de Paula dedica trabalho e esperança à documentação e divulgação do que resta da cultura de nossos índios. Neste livro, encontramos parte do resultado de longa pesquisa que vem realizando em reservas indígenas, pesquisa que ele pretende seja o alento e o sentido de sua vida intelectual.
O seu trabalho se justifica a despeito de toda a impossibilidade com que tem de defrontar-se para preservar o segredo de uma cultura que, penosamente, vem procurando assimilar. Segredo de um povo cujo sangue, com um sentimento de estranheza positivo, descobriu pulsando em suas próprias veias.
Sônia Maria Viegas Andrade
Profª da UFMG
"... Nossa ciência chegou à maturidade, no dia em que o homem ocidental começou a compreender que ele jamais se compreenderia a si mesmo, enquanto na face da Terra, uma só raça, um só povo, fosse tratado por ele como um objeto. Somente então, a antropologia pôde se afirmar como o que é: um empreendimento, que renova e expia a Renascença, com o fim de levar o humanismo a alcançar a medida da humanidade. Permiti, pois, meus caros colegas, que depois de haver prestado homenagem aos mestres da antropologia social no começo desta aula, minhas últimas palavras para estes selvagens, cuja obscura tenacidade nos oferece ainda o meio de atribuir aos fatos humanos suas verdadeiras dimensões: homens e mulheres que, no momento em que falo, a milhares de quilômetros daqui, em alguma savana pouco a pouco destruída pelo fogo cerrado, ou numa floresta encharcada de chuva, retornam ao acampamento para dividir entre si uma magra pitança, e evocar juntos os seus deuses; estes índios dos trópicos, e seus semelhantes pelo mundo a fora, que me ensinaram seu pobre saber no qual se acha, entretanto, o essencial dos conhecimentos que me haveis ensinado encarregado de transmitir a outros; em breve, infelizmente, todos votados à extinção, sob o efeito das doenças e dos modos de vida - para eles, ainda mais horríveis - que lhes levamos; e com relação a quem contraí dívida da qual não serei liberado, mesmo se, no lugar onde me pusestes, eu pudesse justificar a ternura que me inspira, e o reconhecimento que lhe tenho, continuando a me mostrar, tal como fui entre eles, e tal como, entre vós, eu gostaria de deixar de ser: deles o discípulo e a testemunha."
 

CLAUDE LÉVI-STRAUSS, Aula inaugural. Trad. de Maria Nazaré Lins Soares. In: COSTA LIMA, Luiz (org.).
O Estruturalismo de Lévi-Strauss. Petrópolis, Vozes, 1968, p. 77.
O que me levou a escrever este livreto, sobre o índio brasileiro, primeiro da série Cartilha Raízes Brasileiras, foram as histórias que minha avó Ladica contava de sua bisavó, que foi índia. Desde essa época, comecei a me interessar pela vida do índio. Essas histórias nunca me saíram da cabeça. Com esta Cartilha pretendo contrar, de maneira simples, algumas lendas, costumes e fatos históricos que pesquisei em livros e nas visitas que fiz às tribos Carajás, Pataxós, Xavantes e Bororos.
Quem ainda se lembra daqueles casos ou lendas que os mais velhos nos contavam? Antigamente, as histórias eram mais interessantes e nos mostravam que a vida do homem tinha mais ligação com as nossas origens. No nosso caso, ligadas à vida do índio, do negro e do português, as raças que contribuíram para a nossa formação. Então, por que não cultivarmos o resultado da união dessas raças? Resultado que nos coloca em posição de destaque pela cultura tão rica e bonita. Se não preservarmos o que ainda resta e diferencia o nosso país dos outros, dentro de pouco tempo seremos um povo sem identidade, sem lembranças.
Minha família costumava dizer: "Ocê, menino! parece ter sangue de índio, quer viver como eles, livre na natureza". Gostava de fazer travessuras como toda crianças presenteada com as matas virgens, rios límpidos, ar puro e céu aberto: subia nas árvores com rapidez de um macaco, corria pelos pastos atrás dos cavalos com um tigre persegue uma caça, pegava passarinho, pescava, enfim fazia todo tipo de brincadeiras e diversão a que um menino do interior tem direito.
Lembro-me de quando subia naquelas árvores enormes, à beira do Rio Misericórdia, em Ibiá, terra natal, e os tiradores de areia gritavam: "não pula! aí é muito fundo, tem redimunho d'água", (a palavra certa é redemoinho que para eles significa o movimento da água rodando como um parafuso), mas, sem medo, pulava de finco, isto é com as pernas abertas parecendo um sapo quando pula na lagoa, espirrando água por todos os lados, nadando de um lado para outro do rio. Outra coisa que gostava de fazer era imitar passarinho. Quando os amigos iam caçar, escondia-me nas moitas imitando os passarinhos, os caçadores atentos seguiam os piados, na ânsia de liqüidar mais uma ave.
A ligação com o indígena é distante, mas não deixa de ser a seqüência de uma família. Minha avó paterna, como já disse, era bisneta de índia. Os casos que a minha família vem contando sobre a ligação com o indígena começou quando um português, chamado Manuel, laçou uma índia fugitiva no Sul da Bahia. Com ela, o português teve quatro filhos.
A história que me contaram é assim: um bando de escravos chefiados por portugueses transportavam mercadorias, numa mata bem fechada. De repente, viram uma índia se arrastando, estava nua e muito assustada, com um ferimento na coxa. Os portugueses e escravos fizeram um cerco em volta dela e laçaram-na pelas pernas. Ela, furiosa, gemia e mordia seu próprio corpo, arrancando sangue. Amordaçaram-na para evitar que se machucasse mais.
A índia foi arrastada por um escravo até um lugarejo, perto da Vila do Prado, onde os portugueses tinham um posto. Naquele local, ela ficou amarrada, sem comer, por muito tempo. Com o passar dos dias, ela resolveu alimentar-se.
O português Manuel começou a interessar-se pela índia. Foi-se aproximando aos poucos e ganhou-lhe a confiança. Ela foi solta, mas ficou sendo vigiada. Aos poucos, foi aprendendo os costumes e a língua de Manuel, que se apaixonou por ela e deu-lhe o nome de Maria Rodrigues. Tiveram quatro filhos. De um desses surgiu minha família.
Mais tarde, o português veio a saber que sua companheira estava perdida na mata, fugindo de um ataque de fazendeiros em sua aldeia. A família cresceu. Manuel morreu. Logo após, a índia também faleceu. Hoje, a única lembrança que a família tem é seu retrato, tirado quando seu corpo estava sendo exposto no alpendre de sua casa. Ela usava vestido branco e azul-claro, sapato de lã, mantilha bordada, terço enrolado nas mãos; como "Filha de Maria", portava uma fita, num caixão bem maior que ela.
Apesar de minha ligação com o índio ser tão distante, sinto-me como se fosse neto bem próximo daquela índia. Sinto-a perto de mim, nos costumes que herdamos dos índios, na liberdade de amar a natureza, na imensidão azulada e esverdeada deste país que aos poucos vai-se acabando.
Esta Cartilha destina-se, principalmente, às crianças e aos adolescentes, com a intenção de despertar o interesse e o respeito pelo índio, e também dar a conhecer o valor de sua contribuição à cultura brasileira.
Preservando, estaremos dando continuidade à cultura do nosso povo.


Você já se perguntou de onde surgiu o índio brasileiro?
Quando os portugueses aqui chegaram , eles já habitavam a imensidão deste País e estavam divididos em tribos de norte a sul, de leste a oeste.
Há muitas teorias em torno da origem dos índios brasileiros, os primeiros habitantes da América. Alguns estudiosos do assunto apresentam várias possibilidades de como eles vieram parar na América:
a) se partiram da Ásia, devem ter vindo do Leste do continente asiático, atravessando o Estreito de Bhering (região marítima que separa os dois continentes) atingindo a costa da América do Norte, que era mais extensa do que hoje. Esses recém-chegados, após terem se fixado no Sudoeste dos Estados Unidos, espalharam-se progressivamente em direção à América do Sul. Depois caminharam pela América Central, atingindo os planaltos brasileiros, isto é, as terras amazônicas, espalhando-se por toda a América do Sul;
b) se vieram da Oceania, devem ter atravessado as ilhas da Polinésia, entrando na América pela costa andina. Essa hipótese nos faz lembrar da cerâmica marajoara, confeccionada pelos índios Aruaques. Alguns autores acreditam que essa arte foi ensinada aos índios Aruaques pelos índios peruanos e bolivianos, quando entraram no Brasil pelo Rio Amazonas;
c) se vieram da Austrália, teriam navegado de ilha em ilha até a costa andina americana. Ou, então, teriam vindo através do continente antártico e passando pela Terra do Fogo (no Sul da América do Sul).
Outras hipóteses dizem que o índio seria originário da própria América.
Entre tantas hipóteses, destaca-se aquela segundo a qual os índios brasileiros teriam vindo da Ásia, pois os costumes a linguagem e o tipo físico se assemelham aos dos habitantes daquele continente. Para demonstrar isso, podemos citar:
a) os indígenas, segundo alguns historiadores, lembram os mongóis asiáticos, pela cor amarelada misturada ao vermelho pálido, altura mediana, face cheia, arredondada, nariz curto, cabelos negros e corridos, possuem pouco pêlo no corpo e dentes sadios;
b) a utilização da borracha pelos índios da Floresta Amazônica, trabalho em que os grupos tribais da Ásia executavam;
c) em algumas tribos brasileiras, os índios executam o ritual de oferendas de comidas aos mortos, nos cemitérios, tal qual os asiáticos.
Essas e outras semelhanças nos levam a crer que, se o índio veio de outra região do mundo, a Ásia foi seu ponto de partida. Não importa de onde veio o índio brasileiro: do céu, da Ásia, da terra ou da evolução animal. O importante é sabermos que seu direito surgiu das entranhas da terra. O que lhe assegura o direito a ela.

Para identificar a ligação das tribos, os padres jesuítas fizeram um estudo de classificação das tribos em grupos ou troncos familiares. Essa classificação foi elaborada no princípio do século XVI, estabelecendo-se dois grupos: os Tupis e os Tapuias.
Na primeira metade do século XIX, o estudioso Carl Von Martius dividiu as tribos indígenas em nove grupos. No entanto, o etnólogo alemão Karl Von Den Steinem fez sua primeira pesquisa de campo considerando, a princípio, oito troncos familiares. Mais tarde, refazendo seus estudos lingüísticos, Steinem considerou apenas quatro grupos definitivos: os Tupis, os Jês, os Aruaques e os Caribes.
Os portugueses, quando chegaram ao Brasil, em 1500, tiveram os primeiros contatos com os índios da família Tupi. Com eles, os colonizadores se identificaram mais, mantendo maior contato. Seus costumes tinham algumas semelhanças, e a linguagem era mais fácil de ser compreendida.

As principais tribos do tronco Tupi encontradas pelos portugueses foram:
Tupinambás e Tupiniquins, nas terras baianas e maranhenses;
Caetés e Tabajaras, nas regiões pernambucanas;
Potiguaras, na parte litorânea do Nordeste, principalmente nos Estados do Ceará e Rio Grande do Norte;
Taramambé, na orla marítima do Pará;
Tamoios, no litoral de São Vicente (Estado de São Paulo) e no Rio de Janeiro;
Tupis e Guaranis: nas regiões do Sul;
Tupinas e Amoipiras, no interior nordestino.

A maioria dessas tribos já não existe mais.

::..Grupo Tupi
A semelhança lingüística e certos costumes desse grupo aproximou-o mais dos portugueses. Os Tupis gostavam de caçar, pescar e plantar. Faziam cestos e objetos de tecidos com fibras de plantas. Moravam em ocas, formando a maloca ou taba, que significa conjunto de casas no centro de uma área quadrangular. Essas casas eram construídas de troncos de árvores e ripas amarradas com cipó, cobertas de folhas de coqueiro ou sapé. Por dentro, não havia divisões.
O arco e flecha eram feitos de madeiras e usados na caça e pescaria. Às vezes, usavam o bodoque (estilingue).
Para os Tupis, Tupã era o deus supremo. A Lua e o Sol exerciam poderes sobre eles. Tinham medo dos maus espíritos e demônios, acreditando, também, em feitiçaria. Os cabelos desses índios eram cortados em forma de coroa-de-frade; usavam como tesoura, o cristal de rocha e conchas. Nos lábios, usavam tambetá.
A função de cada índio, na aldeia, era designada pelo morubixaba - espécie de presidente - e pelos mais velhos da tribo. Pajé era outra autoridade respeitada na tribo. Tinha a função de curandeiro e de adivinhador.

::..Grupo Jê
Localizava-se mais no centro do Brasil. Alguns estudiosos alegam que os índios do grupo Jê moravam no litoral, sendo expulsos pelos Tupis antes de os descobridores portugueses chegarem. Também eram conhecidos como nac-manuc ou nac-horuc, que quer dizer filhos da terra.
Os Jês tinham uma cultura simples e sabiam trabalhar na agricultura. Eram perigosos e atacavam constantemente outras tribos, em busca de alimentos. Viviam de caça, pesca e coleta de mel, raízes e frutas silvestres. Dormiam no chão forrado de folhas ou casca de árvores. Usavam pouca plumagem, colocavam penas no corpo de mel. Decoravam o corpo de urucu e jenipapo. Perfumavam as orelhas, os lábios e narinas, colocando enfeites. Cortavam o cabelo tipo coroa-de-frade. Para caçar e pescar, usavam flechas e arcos; alguns já conheciam o anzol. Comiam a mandioca crua, mas o milho era cozido em pedras quentes.
Esses índios adoravam os astros e, em suas festas, sempre faziam saudações ao Sol, que representava o criador da vida. Acreditavam na influência da Lua e do Sol sobre as colheitas, sobre a juventude e sobre o nascimento.

::..Grupo Caribes
Também eram chamados de Carias ou Caraíbas, que deram origem à palavra canibal - porque praticavam a antropofagia, isto é, comiam carne humana.
Esses índios, na sua maioria, moravam no Norte do Amazonas e, na época da descoberta do Brasil, já se encontravam em decadência, devido às constantes lutas com outras tribos. As aldeias dos Caribes eram em forma circular, sendo as casas cobertas de folhas de palmeiras. Através das danças, cumpriam seus rituais mágicos e religiosos. Na época da plantação e colheita, sempre promoviam festas, de caráter místico. Nessa ocasião, enfeitavam-se de peles de animais ou folhas de árvores, máscaras de madeira, depilavam-se e pintavam o corpo.
Os Caraíbas desconheciam totalmente qualquer tipo de vestimentas. Na agricultura, usavam enxada de pau, plantando mandioca, milho e feijão. A pesca era ponto importante para esse grupo. Usavam o arco e a flecha e fabricavam, com certa habilidade, a canoa e o remo.

::..Grupo Aruaque
Ocupava grande parte das ilhas do Amazonas, região onde os rios deságuam no Oceano Atlântico. Algumas tribos moravam sobre as águas dos rios e possuíam uma técnica muito especial para confeccionar seus ornamentos, além de tatuar e pintar o corpo. Os homens furavam o nariz e ali colocavam enfeites.
No artesanato, até hoje, são considerados os mais desenvolvidos entre as tribos brasileiras. Sua cerâmica marajoara lembra muito os trabalhos dos indígenas do Peru e Bolívia. Segundo os estudiosos, essa arte foi ensinada aos índios quando os incas navegavam pelo Rio Amazonas. Na agricultura, apresentavam técnicas desenvolvidas; plantavam mandioca, milho, tabaco e batata. Adoravam o Sol e a Lua. Acreditavam nos espíritos bons e maus. Segundo eles, os deuses influenciavam as decisões dos homens.
É de grande importância a colaboração que os índios deram para a formação da cultura brasileira, principalmente, na Literatura, na Culinária, nos usos e costumes. Quem ainda conhece a arapuca de pegar passarinhos? E o bodoque ou estilingue; a pesca com linha de anzol, que, no início, era feito de osso, madeira ou espinha de peixe? O arpão, o arco de flecha, o uso de envenenar a flecha para fisgar o peixe?
Na culinária indígena, a mandioca era o prato principal, além do aipim, do cará, do inhame, da batata-doce, do amendoim, da moqueca, dos bolos e dos mingaus. Com o milho, as mulheres preparavam a canjica, a pamonha e as bebidas fermentadas . A cabaça, a gamela, o coité e o coco eram cortados ao meio e usados como utensílios domésticos. Os índios tomavam banho no rio, andavam descalços, sentavam de cócoras, costumes que ainda usamos como herança deles. Muitas danças e cantigas, certas práticas religiosas, receitas culinárias e medicinais, algumas lendas e supertições, várias palavras do nosso vocabulário são contribuições do índio. O cruzamento das raças indígenas com o branco resultou no mameluco, o mestiço que ainda hoje é tão comum no interior do Brasil, principalmente no Oeste. O historiador Couto Magalhães elogiou esse cruzamento, alegando ser uma raça excelente e de muita coragem.
O cafuso é o resultado do cruzamento de índio com negro. De acordo com Couto Magalhães, é uma raça inteligente, de cabelos corridos e pele cor de azeitona. No Sul do Brasil, é conhecido como caburé. No Norte, recebe o nome de cafuz. Estes são alguns itens que cultivamos até hoje, herança dos nativos.

Quando um branco perde suas terras, logo exige seus direitos. O índio, no entanto, vem perdendo suas terras, desde o ano de 1500, e nada pode fazer. E ao índio deveria ser dado o mesmo direito de reclamar, pois ele precisa das suas florestas, dos rios, das terras, para sobreviver com as suas tradições, preservando a sua identidade de povo. Na época da Colônia, os constantes ataques de outros exploradores, além dos portugueses, - como os holandeses, franceses e ingleses - muito contribuíram para o enfraquecimento dos nativos.
Os jesuítas foram os primeiros a defender os nossos indígenas. Os padres Manoel da Nóbrega, José de Anchieta e, mais tarde, o Padre Antônio Vieira foram os que mais se destacaram nesse trabalho: combateram as explorações e os conflitos entre os colonos e os índios. Algumas atitudes em defesa dos nativos foram adotadas, a partir da instalação do primeiro governo geral do Brasil, com Tomé de Souza. Mas essas atitudes, na maioria das vezes, não passavam de propostas sem êxito. Em 1584, Tomé de Souza trouxe da Corte de Lisboa um documento que propunha o seguinte:
1) todos os índios deveriam adotar a religião católica, e os jesuítas se encarregariam de ensinar-lhes a nova fé. A partir daí, o índio começou a ter sua cultura desfigurada;
2) todos os índios deveriam ser tratados como seres humanos. Porém, pelo que lemos nos livros, a situação continuou a mesma.

Em 1758, o Marquês de Pombal, considerado o homem poderoso que, naquela época, praticamente governava Portugal, assinou a lei que dava liberdade aos índios. Também lhes restituía o direito de posse de suas terras. Deu poderes aos governadores gerais para indicarem um diretor do índio para cada cidade. Esse poder tinha o objetivo de defender os direitos e costumes dos nativos. A lei de Pombal prevaleceu por algum tempo. Mas tudo não passava de uma intriga contra os jesuítas. A intenção de Pombal era prejudicar os trabalhos dos jesuítas. Em 1850, foi posta em prática a lei que regularizava a divisão das terras entre brancos e índios, ficando estes com as piores áreas. Desde essa época, o índio vem tendo problemas com suas terras. O índio não tinha a preocupação de controlar suas terras e muito menos viver em áreas demarcadas. Com a divisão, o índio acabou perdendo o controle, deixando que eles caíssem no domínio público.
No Segundo Reinado, o índio contava com certos privilégios porque D. Pedro II tinha por eles muita amizade. De acordo com o escritor Brandenburguer, D. Pedro era tão amigo dos índios que aprendeu a falar diversas línguas indígenas. As visitas dos índios ao palácio de D. Pedro eram constantes, e eles eram recebidos com muito respeito. Outra idéia defendida por D. Pedro era a implantação da língua indígena nas escolas, alegando ser ela responsável por grande parte do nosso vocabulário. A partir de 1892, o Marechal Rondon, cujo nome era Cândido Mariano da Silva Rondon, assumiu a tarefa de implantar linhas telegráficas no Centro-Oeste e Norte do País. Esse projeto preocupou Rondon, porque o contrato com os índios e o uso das terras eram inevitáveis. O trabalho de Rondon teve como lema: Morrer, se necessário for; matar, nunca. Isto significava a proteção que os índios iriam receber por parte de Rondon.
Rondon era filho de índio: sua mãe era filha de índio bororo com tereno; seu pai era de origem portuguesa e espanhola e de índio guanás.
Os relevantes trabalhos desenvolvidos pelo Marechal Rondon tornaram-no conhecido internacionalmente. Recebeu denominações honrosas de muitos países e de autoridades brasileiras, como: Bandeirante do século XX, Civilizador dos Cerrados, Marechal da Paz.
::..Serviço Nacional do Índio
Surgiu, em 1910, no governo Nilo Peçanha, uma entidade cuja finalidade era dedicar-se aos índios. O Marechal Rondon foi convidado para ser presidente dessa entidade e iniciou uma obra política favorável aos nativos, que começaram a ter um novo ponto de referência e de apoio. ::..Dia do Índio
O Dia do Índio foi criado no Primeiro Congresso Indigenista Interamericano, que aconteceu em 19 de abril de 1940, no México. Mas, somente em 1943 essa data foi decretada oficialmente no Brasil, a pedido de Rondon ao Presidente Getúlio Vargas. Na ocasião em que se realizava esse congresso, foi criado também o Instituto Indigenista Internacional. Representando o Brasil, estava o professor e escritor Roquete Pinto, grande defensor de nossas raízes.
::..Museu do Índio
Em 1942, era criado o Museu do Índio, no Rio de Janeiro. Demorou para ser aberto e, somente em 1953, foi inaugurado. Hoje, encontra-se instalado à Rua Palmares, 55 - Botafogo. Dispõe de um grande acervo da arte e cultura indígenas, com objetos de tribos que estão em extinção. ::..Fundação Nacional do Índio
A Fundação Nacional do Índio - FUNAI - fundada em 1967, veio substituir o Serviço Nacional do Índio e o Conselho Nacional de Proteção ao Índio (criado em 1939). Seu objetivo é tutelar o índio, preservar sua cultura, seus usos e costumes, sua saúde, além de oferecer dados sociais e técnicas indígenas; enfim, é a entidade responsável por tudo que diz respeito ao índio.
::..Sertanistas
Neste século, os mais importantes benefícios prestados ao índio brasileiro foram, sem dúvida, os trabalhos desenvolvidos pelos irmãos Leonardo, Álvaro, Cláudio e Orlando Villas Boas. Seus trabalhos tiveram início com a Expedição Roncador-Xingu, organizada por Orlando Villas Boas, no governo de Getúlio Vargas. A finalidade da Expedição era fazer contato com os índios.
::..Conselho Indigenista Missionário
O Conselho Indigenista Missionário - CIMI - é um órgão vinculado à CNBB, fundado em 1972, com o objetivo de coordenar a pastoral indigenista, assessorar os missionários e conscientizar a sociedade brasileira a respeito dos povos indígenas. O CIMI tem-se destacado também na defesa das terras e do patrimônio indígena, condição prévia para a sobrevivência dos povos indígenas.
::..Estatuto do Índio
O Estatuto do Índio foi um marco na sua história. Assinado no dia 19 de dezembro de 1973 através da aprovação da Lei número 6001. Este Estatuto visa defender os interesses e direitos dos índios brasileiros.
::..Darcy Ribeiro
Um dos trabalhos de maior representatividade na preservação da literatura e antropologia dos indígenas foi feito pelo educador, romancista e antropólogo Darcy Ribeiro. Também agiu como irmão dos nativos, dirigindo a seção de estudos do Serviço de Proteção ao Índio (1952 / 56); criou o Museu do Índio, em 1953. Seus trabalhos têm repercussão internacional: o romance Maíra por várias vezes foi tema de vestibular. Entre muitas obras, citamos: Religião e Mitologia Kadiwéu, Línguas e Culturas Indígenas Brasileira, O Processo Civilizatório, Os Índios e a Civilização. Darcy "faz dos índios um tema central de sua obra".

 ::..Sinônimo do Índio
O índio também pode ser chamado de aborígene, bugre, indígena e nativo.
::..A Mãe é que Trabalha
Alguns fatos indígenas interessantes foram destacados pelos jesuítas. Um deles conta que a índia dava a luz a uma criança, e quem ficava de resguardo e dieta era o pai, indo a mãe trabalhar normalmente.
::..Na Política
O primeiro índio a participar de política, nos meios civilizados, foi um tereno, tribo que mora no Mato Grosso do Sul. Seu nome civilizado é Jair Oliveira. Na época em que se candidatou a vereador, foi o mais votado, ocupando o cargo de Presidente da Câmara Municipal de Aquidauana, no Mato Grosso.
Mas, o que maior destaque tem conseguido, na política nacional, é o xavante e ex-cacique Mário Juruna, eleito deputado federal do Rio de Janeiro, pelo PDT (Partido Democrático Trabalhista) em 15 de novembro de 1982. A fama de Juruna começou em 1977, quando ele gravou sua discussão com Vander Broocke, presidente da Funai. No dia seguinte, a imprensa divulgou o encontro e, dias depois, o presidente abandonou a Fundação Nacional do Índio.
::..Antropofagia
A antropofagia é um detalhe misterioso dos índios. Segundo o historiador Souto Maior, a antropofagia não era praticada porque os índios sentiam fome ou mesmo apreciassem a carne humana. São dois motivos que levavam os indios a realizarem esse tipo de cerimônia:
1) a vingança entre tribos ou contra o branco
2) ou, então, os familiares dos mortos comiam a sua carne, acreditando que iriam adquirir as virtudes do parente falecido.

::..O Trabalho Indígena
O índio não é preguiçoso, como muitos pensam. O trabalho indígena é dividido entre o homem e a mulher. Ao homem cabe a construção das casas, o preparo da roça, a cala e a pesca e certos tipos de artesanato. A mulher, geralmente, se ocupa dos afazeres da casa, cuida das crianças, amamenta os filhos, às vezes até que completem os sete anos de idade; ainda prepara a comida e dedica-se a trabalhos artesanais, entre outras coisas mais simples.
A indolência ou preguiça dos índios não passa de um mero engano. Quem teve a oportunidade de presenciar como é o dia numa aldeia pode ver que executam trabalhos que, geralmente, fazemos com máquinas. Exemplo: a derrubada de uma mata. Para esse tipo de trabalho, usamos máquinas elétricas, e eles usam a própria força. Gostam de trabalhar pela manhã, dedicando a tarde ao lazer e bate-papo entre os amigos. Como não há preocupação de querer acumular coisas para si e muito menos para competir, o trabalho é resolvido em pouco tempo, sobrando grande parte do dia para o lazer. O trabalho comunitário é difundido, e é um fato que sempre trouxe bons resultados para a vida da aldeia.

::..Cacique
A palavra cacique foi usada por alguns autores para designar o chefe da tribo. De um modo geral, o sentido é correto, mas há variação da palavra de tribo para tribo. Os xavantes os chamam de Bea; para os bororós é boe eimigera.
::..Pajé
O termo é usado para designar o índio que se encarrega de curar doenças através de práticas mágicas. Em determinadas tribos o pajé tem outras funções, como a de médico-feiticeiro que é chamado de xamã. Este tem poderes para afastar o demônio e os espíritos estranhos do corpo. Muitos pensam que o Pajé tem as mesmas funções do padre. No entanto, não tem.
::..Tupã
É um termo empregado pelos primeiros missionários, ao catequizarem os índios do litoral. Esta palavra é conhecida somente entre as famílias do tronco Tupi. As demais tribos não fazem uso dela. Para os índios, Tupã era uma espécie de demônio que dominava o trovão e o raio, podendo com ele causar a morte e a destruição.
*A transcrição de algumas línguas indígenas, neste trabalho, obedece, sempre que possível, a orientações do Vocabulário Ortográfico em vigor.

Ex-cacique xavante com mais de 100 anos

 
Pataxó, segundo os índios, significa o barulho que as águas do mar fazem quando batem nas pedras: pá... tá... xó...
É difícil definir a qual tronco lingüístico pertenceu ou pertence esta tribo, por não ter um passado documentado devido a tantas transformações. Pelas suposições que há, aparentam-se com os grupos Tupi e Jê.
Algumas fontes nos levam a crer que os constantes ataques e a exploração de mão-de-obra indígena dos que habitavam ao Sulda Bahia e Norte de Minas, foram acabando com as aldeias. Os poucos índios que restaram, como os Botocudos, Kamakam, Baenãn (hãehãe) entre outros, foram se ajuntando e fortalecendo a tribo Pataxós, que mantinha seu isolamento nas matas mais fechadas. De acordo com o relatório de Maria Hilda Baqueiro Paraíso, que cita os estudos de Nenwied, em 1817, os Pataxós viviam entre Minas Novas (MG) e a costa baiana, com maior concentração entre Porto Seguro e Prado. Atualmente, os Pataxós vivem na reserva de Barra Velha, no Parque Nacional de Monte Pascoal, em Porto Seguro, Sul da Bahia. Entre eles há uma divisão, os simples pataxós e os pataxós hãhãhãi.
Com os ataques que sofreram, durante longos anos, sobrevivem, atravessando dificuldades, como todas as demais tribos brasileiras. O que difere os Pataxós das outras tribos é o fato de terem perdido sua identidade, tornando muito difícil a reconstituição de sua história. Seus usos e costumes, lendas e rituais foram trocados por situações tristes. Sua língua nativa foi praticamente esquecida após o massacre de 1951. Hoje, falam o português e usam algumas palavras dos índios maxacalis, que habitm o Norte de Minas.

Apesar de não constar em nenhuma documetação que foram eles os primeiros a manter contato com os portugueses, afirmam que foi sua raça a ver primeiro o homem branco. Essa alegação é feita por todos os pataxós, principalmente os mais velhos, que dizem: "Nós todos moramos aqui, na região do Monte Pascoal, desde quando chegou Cabral".  De fato, quando Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil, sua expedição foi recebida pelos índios. Inclusive Pero Vaz de Caminha, na sua carta ao rei de Portugal, D. Manuel, relata que dois indígenas entraram em um dos navios, quando ancorados na Baía de Cabrália. Entraram sem a menor cerimônia e encantaram-se com o colar de pedras de um dos capitães e com um castiçal. Ao saírem do navio, os portugueses mostraram-lhe uma galinha, o que muito os espantou. Mas Pero Vaz, na verdade, não deu nome aos índios. Os pataxós alegam, também, que seus antepassados assistiram à primeira missa rezada no Brasil, por Frei Henrique de Coimbra.
O rei de Portugal era constantemente informado sobre o que se passava aqui na Ilha de Vera Cruz (primeiro nome dado ao Brasil). Numa das cartas, falava-se da dificuldade que os colonizadores enfrentavam para escravizar os índios. Os portugueses diziam que eles preferiam cortar e transportar o pau-brasil que plantar cana-de-açúcar. As revoltas dos índios eram constantes, quando escravizados. Num ofício enviado ao Governador Francisco da Cunha Menezes, pelo capitão de Porto Seguro, ele dizia que vários canaviais haviam sido abandonados pelos índios, que não queriam trabalhar como escravos.
São muitos os documentos que se referem aos índios nessa época, mas nem um registro oficial especifica qual tribo foi a primeira a receber os portugueses.
*O entendimento ou a aceitação dos pataxós pelo homem branco aconteceu em 1925, depois de muito trabalho e paciência por parte dos pacificadores. Um dos fatores que mais contribuiu para esse entendimento foi a presença do sertanista Telésforo Martins Fontes. Caminhando pela mata, Martins Fontes encontrou um grupo de pataxós assando uma paca. O sertanista se escondeu atrás das moitas e ficou observando. Depois, tirou toda a roupa e caminhou em direção aos índios. Os pataxós ficaram assustados, correram e se esconderam atrás das árvores. Ficaram todos atendos a qualquer movimento do sertanista. Aos poucos, foram retornando ao local onde estava o assado. Daí foi que surgiu o entendimento entre o branco e os Pataxós.
Outra versão sobre a pacificação dos Pataxós é contada pela índia Barretá, confirmada pelos moradores da região, no Relatório Hãhãhãe.
Segundo Barretá, Telésforo Martins Fontes era sergipiano, trabalhador de fazenda, e chegou à região para fazer a medição da reserva. Como chefe de Posto, tinha a responsabilidade de atrair os índios que estavam espalhados pela mata. Quando saíam à procura dos índios, levavam roupas e alimentos para agradá-los. Os mais arredios atacavam com flechas, sendo necessário enrolarem-se em cobertores grossos para enfrentá-los.
Localizados, os índios eram vestidos e calçados, dificultando o seu desempenho na mata. Depois eram levados para o Posto e colocados em galpões sob forte vigilância para não fugirem. De uma dessas pegadas, a equipe de Telésforo trouxe 18 índios, crianças e adultos, e 22 cachorros. Entre os Pataxós, foi capturado um pequeno grupo de Baenã. A partir daí, foram inúmeros e constantes os contatos entre brancos e índios, causando vários prejuízos, porque passaram a confiar nas pessoas com quem entravam em contato pela primeira vez.
Em 1951, dois civilizados, passando por gente de confiança, tornaram-se amigos dos nativos e convidaram um grupo de índios para visitar a cidade de Corumbau. Ali os dois indivíduos passaram como demarcadores de terras. Na realidade, a intenção deles era assaltar o lugarejo, colocando toda a culpa nos índios.
Após essa confusão, os Pataxós foram vistos como maus elementos. A aldeia transformou-se num verdadeiro campo de massacre. Numa noite, os policiais de Porto Seguro e Prado reuniram-se e cercaram a aldeia. Incendiaram todas as casas, atiraram em muitos índios que, apavorados, fugiram; muitos morreram.
Os que conseguiram fugir tiveram que trabalhar em fazendas como escravos. Um pataxó, que conseguiu resistir a tudo isso, disse: "Nessa época, índio perdeu seu valor. O branco desconfiava de nós. Se quisesse viver, índio tinha que obedecer às ordens dos fazendeiros e trabalhar como escravo".
O tempo foi passando. Os índios foram-se reunindo novamente. Os fazendeiros e policiais, com medo de perderem a força e o índio para o trabalho, ameaçavam-nos para que não voltassem à aldeia. Mesmo com grandes dificuldades, os índios enfrentaram a luta, para morrer ou viver. De início, já encontraram problemas com a criação do Parque Nacional do Monte Pascoal. O capitão da tribo foi a Brasília tentar solucionar, junto ao Presidente João Goulart, os problemas sociais. O Presidente liberou a área, dando-lhes o direito de permanecerem lá, mas não assinou documento nenhum. Por longo tempo os índios permaneceram na região, proibidos de plantar e usar o Parque. Caso plantassem qualquer coisa, a roça era logo destruída. Durante muito tempo, foi esta a triste situação dos Pataxós. Até que surgiu a demarcação das terras que lhes dava o direito de permanecerem no local de suas roças sem grandes problemas.
Atualmente, a aldeia dos Pataxós parece mais uma comunidade rural pobre do que uma aldeia indígena. Assimilaram os costumes do homem civilizado e vivem da plantação e da venda de seus produtos artesanais, como a lança, o arco e a flecha, colares, pulseiras, anéis, bordunas, bolsinhas, tudo sempre enfeitado de penas coloridas e conchinhas.
Para atrair mais a atenção dos turistas, oferecem seus produtos empregando as poucas palavras de que se lembram da língua pataxó.__Oi, moço! Compre esta lança; custa só 800 caiambás... (quer dizer dinheiro)
__Compra de mim, inré baixu (significa moça bonita), para eu comprar mangute (comida) em Porto Seguro.

 
Os quitocos (crianças) e jocanas (mulheres) são os que mais se interessam em vender o artesanato.
Para namorar, o pataxó ainda é meio tímido. Antigamente, quando estava interessado numa indiazinha, passava perto dela e sorria. Se ela sorrisse, era sinal de que tudo estava indo bem. No dia seguinte, ao se encontrarem novamente, ele sorria; se a índia jogasse uma pedrinha no índio, aí sim, só faltava pedir aos pais dela para se casarem. Aprovado o pedido, realizava-se o
aurê, isto é, uma grande festa. Nos dias de hoje, já adotaram o casamento dos brancos.
Suas casas são de adobe, espécie de tijolo de barro, assentado sobre pau-a-pique, cobertas de folhas de coqueiro.
Antes de os Pataxós serem catequizados, adoravam o Sol e a Lua. Tinham, como representante da autoridade religiosa, o Tupã, que hoje ainda é muito respeitado. Praticavam os trabalhos de curandeirismo e acreditavam que espíritos maus podiam ter influência em suas vidas, quando houvesse desobediência. Constituem base da sua alimentação o peixe, a mandioca, o coco, o cacau e o abacaxi. Devido à escassez da caça, aderiram à agricultura, que desenvolvem numa pequena área. Em julho de 1983, ocasião em que visitei a aldeia, o cacique era Turirim ( que significa pássaro pequeno). Uma das pessoas mais respeitadas da aldeia era o Velho João ou Baquirá.

*Segundo a revista INTERIOR, nº 35, pág. 33, editada pelo Ministério do Interior - 1980, os Pataxós aceitaram o homem branco, em 1925.

Quando perguntamos aos bororos qual é a sua origem, logo respondem: paaradu-cá, que significa: nós não sabemos.
Pouco se sabe sobre a procedência dos bororos. Para uns, eles vieram do alto do Rio Negro e do Orenoco. E, através dos vales do Rio Negro, Amazonas, Madeira, Mamoré e Guaporé, foram-se espalhando, inclusive mantendo uma boa amizade com as tribos bolivianas.
Os primeiros contatos dos bororos com os brancos foram na primeira metade do século XVII, época em que o paulista Antônio Pires Pascoal Moreira Cabral penetraram nos sertões do Mato Grosso. Mas somente quando Karl Von Den Steinen, em 1884 e 1887, se interessou pelos estudos dessa tribo, é que a curiosidade dos pacificadores foi despertada. O temperamento pacífico, demonstrado no auxílio prestado à Comissão de Pacificadores, contribuiu para a descaracterização de sua cultura. Os constantes ataques dos xavantes, seus inimigos naquela época, também os amedrontavam.
Em 1938, Roquete Pinto, escritor e estudioso das tribos indígena dos xavantes. Hoje, as duas tribos vivem em perfeita harmonia. A morada deles se constitui de poucas casas bem simples, feitas de alvenaria, ficando ao lado das casas dos missionários salesianos. Os bororos são pessoas simples, agradáveis, mas que deixam transparecer a mágoa pela identidade que lhes roubaram. Recebem muito bem os visitantes em suas casas, servem café e gostam de contar histórias tristes, que já passaram. Lembro-me de um fato que estava entristecendo muito um dos bororos mais velhos. Tinha duas filhas, e a mais nova havia fugido com o marido da outra, que era vaqueiro.
Sua religião é o Catolicismo. Vão à missa celebrada pelo padre da aldeia todos os domingos. A missa é uma confraternização dos bororos e xavantes que cantam alguns cantos na língua xavante.


Localiza-se entre os rios das Mortes e Garças, em Mato Grosso. As terras da reserva pertencem, agora, aos bororos, depois de muita luta na década de 70. São poucos os adultos, mas há muitas crianças. Os bororos residentes nessa aldeia contam com o apoio dos missionários salesianos, que desenvolvem um trabalho valioso entre eles. A agricultura faz parte integrante da vida da aldeia, que tem formato quadrado, com algumas casinhas bem modestas, de alvenaria, com quintal. Uma simples igrejinha, uma pequena casa de saúde, um escolinha, uma pequena mercearia e a casa dos missionários formam o conjunto. Mais adiante, um varandão, onde ficam guardados o caminhão e a máquina beneficiadora de arroz; no fundo, existe uma lavanderia comunitária. A uns 400 metros da aldeia está a moradia das almas, isto é, o cemitério. Apesar de a cultura bororo ter sofrido grande decadência, os mais velhos ainda lutam para preservar o que ainda lembram dela. Um dos mais velhos da tribo lamentava que sua esposa tinha morrido há pouco tempo, e o funeral não havia sido realizado nos moldes tradicionais da tribo. O artesanato é belíssimo: colares, flautas, pulseiras, maracás, entre outros objetos, são confeccionados com muita habilidade. Em todas as peças, que são mandadas para os principais centros, inclusive Brasília, onde existe uma loja da Funai, a cor preta está presente. No dia 15 de julho de 1976, os bororos ganharam manchete na imprensa nacional e internacional. Meruri serviu de campo de massacre para os fazendeiros assassinarem o Padre Rodolfo Lunkenbein. Ele foi missionário salesiano e defensor dos direitos dos bororos. Com ele morreu um índio, o Simão Cristiano, e outros ficaram feridos. O massacre só não foi maior porque a grande maioria dos índios estava trabalhando na roça. Os fazendeiros, liderados por João Mineiro, estavam embriagados e foram vingar-se da demarcação das terras feita pela Funai. Os bororos, quando gostam das pessoas, costumam fazer-lhes convites para morarem na aldeia e trabalharem com eles. Alegam que o "branco é triste porque mora na cidade, sem árvore, rio, bicho. Um tanto de casa grande. Branco corre pra lá, corre pra cá o dia inteiro. Faz tudo depressa". Um convite diferente contado pelo antropólogo Darcy Ribeiro é o seguinte: numa das visitas do Marechal Rondon à aldeia Bororo, o índio Catete, capitão da aldeia, convidou-o para vir morrer na aldeia, junto a eles. O tempo e as mudanaças de hábitos impediram os bororos de serem nômades. A coragem foi trocada pelo medo. Hoje vivem em quarteirões, e lhes roubaram o direito de pescar e caçar.

Quando um índio da tribo dos bororos adoece, chamam o bari (xamã ou curandeiro). Se o bari achar que o doente não se restabelecerá, é preparado o ritual de sua morte. Coloca-se o doente estendido numa esteira no chão ou no pa (espécie de cama), e o bari calcula o dia em que o doente morrerá. Então, o doente tem sua alimentação suspensa e o seu corpo agonizante é enfeitado com urucu, penas e plumas coloridas.
Se o doente não morrer no dia marcado, o próprio bari ou um parente do doente se encarrega de fazê-lo morrer. A família, sentindo a morte chegar, coloca-se em volta do moribundo e apóia a mão na sua cabeça. Esse mesmo gesto é feito pelas pessoas que desejam manifestar seus sentimentos de pesar. Logo em seguida, cobre-se o morto para evitar que as mulheres e as crianças o vejam.
As lamentações e gemidos em altos tons. De uma das malocas surge um canto suave e triste, acompanhado pelo bapo (instrumento musical de cabaça, com cabo de madeira) e aparece um índio dançando compassadamente. Durante toda a noite, o corpo do morto é exposto no pátio da aldeia. Todos os chefes se enfeitam com parico, que é um grande cocar ou espécie de diadema de pena, sentam-se virados para onde o Sol se esconde, tocando o bapo e cantando o róia curireu (grande canto), até o Sol nascer. Clareando o dia, alguns rapazes preparam, junto à praça da aldeia, uma cova de 30 a 40 centímetros de profundidade. Os parentes se reúnem em volta do falecido e lamentam em voz alta. Arranham o próprio corpo, deixando o sangue cair sobre o cadáver. Em seguida, o defunto é levado à sepultura, onde ficará, temporariamente, enrolado numa esteira sem ser coberto de terra. Durante algumas tardes os parentes jogam água na sepultura, para apressar a decomposição dos tecidos e o desprendimento da carne dos ossos. Enquanto isso, todos os objetos do falecido são queimados na praça. O luto é representado pelos parentes, desta forma: cortam ou arrancam os cabelos. As mulheres retiram o cogum (cinturão) e o coddobie (tanga) que são substituídos por outras peças. Passados alguns dias, os bororos se reúnem e formam grupos para a caçada em homenagem ao falecido. Antes de partirem, cantam a noite toda na casa do morto, chamado o espírito para indicar o caminho que os levará à melhor caçada. Quando voltam da caçada, entregam toda a caça aos familiares do falecido, que se encarregam de dividi-la entre todos da aldeia. A finalidade dessa caça é matar a fera mori, que significa vingança ou retribuição, e deve ser realizada pelo uiado (caçador que representa o espírito do falecido). Quinze dias após a caçada, os bororos cantam durante toda a noite. Ao meio-dia, os jovens dão início ao jogo chamado mariddo. Faz-se um círculo e todos, com um feixe de pau na cabeça, dançam o aidje, chamando o espírito do morto. Se o feixe cair serve de motivo de riso para os assistentes, pois o jogo é para demonstrar a força de cada um.
Ao anoitecer, as lamentações pela perda do índio são reiniciadas e duram até o amanhecer. No dia seguinte, os índios, cantando o quiegue baregue (pássaro e fera), retiram o cadáver da sepultura e o levam para perto de um rio ou lagoa, onde fazem a limpeza dos ossos e os colocam numa cesta, que levam para o baimanaguegeu, local onde todos estão esperando. Na chegada da cesta com os ossos, os bororos cantam o roia curirem. Ao final do canto, as mulheres preparam as comidas dos aroe (espírito) e os homens passam a cantar baixinho, esperando a comida. As mulheres levam a comida até a porta do baimanageu, pois são proibidas de ali entrar. Silenciosamente, os índios comem. Depois, tiram o crânio da cesta, pintam-no de urucu e o escondem debaixo de penas, para que as mulheres não o vejam. As mulheres têm permissão para entrar no recinto. Elas cantam, enquanto os familiares do falecido enfeitam os outros ossos e a codo (cesta), que serão levados para a casa de um parente próximo, onde ficarão por três dias. Depois desse período, o parente leva o codo nas costas para a casa do falecido, quando se faz um cortejo para o sepultamento definitivo.
Há duas maneiras de o índio ser enterrado: na cova já preparada, ou na água. Caso a família queira o sepultamento na água, amarra-se o codo num pau e o mergulham no ponto mais fundo da lagoa, chamada pelos bororos de aroeiao (morada das almas). Durante todo esse período, os índios se enfeitam, pintam o corpo de vermelho, colocando penas e plumas. Usam o instrumento zunidor (instrumento musical tocado pelo vento). Na volta da aldeia, um índio é encarregado de fazer um é encarregado de fazer um caminho falso jogando folhas de coqueiro no chão, para que o espírito do morto não volte lá.


Dizem os bororos que um indiozinho muito desobediente, um dia, fez tanta estripulia que acabou virando papagaio.
Foi esta a desobediência que o fez virar papagaio-falador. O indiozinho, muito guloso, não tinha paciência para esperar nada. Sua mãe trouxe da floresta algumas mangabas. Colocou-as para assar no moquém (vara que fincam sobre a fogueira).
O borozinho não resistiu e começou a tirar as mangabas quentes, que comia sem mastigar. Imediatamente, começou a gritar.
__Crac... crac... crac...
De tanto gulodice, sapecou a garganta, vomitando tudo.
No mesmo instante, o guloso foi-se transformando: cresceram asas em suas costas e seu corpo cobriu-se de penas. Virou o papagaio que hoje fala tanto.
__Crac... crac... crac...


Num período de seca e pouco peixe, os índios saíam todos os dias para pescar, mas voltavam de mãos vazias.
As mulheres riam e debochavam de seus maridos. Um dia, elas propuseram aos maridos o seguinte: ao invés de eles irem pescar, por que não deixavam irem as mulheres? Os índios concordaram e elas foram. No final do dia, voltaram com o cesto cheio de peixes. Os índios ficaram envergonhados.
À noite, quando se reuniram no centro da aldeia, os homens chegaram à conclusão de que havia um truque na pescaria das mulheres.
__Por que tanta fartura de peixe para eles e para nós nada?
No dia seguinte, ficaram vigiando as mulheres. Quando elas saíram para a pesca, os índios mandaram uma pomba juriti segui-las. A juriti, voando de galho em galho, acompanhou-as. Chegaram elas à beira do rio e cantavam chamando as lontras:
__Queremos peixe... queremos peixe... tragam bastante peixe e em troca lhes daremos um beijo.A juriti, fofoqueira como ela só, voou... voou... até chegar à aldeia. Estava cansada, mas louca para revelar o que tinha visto. Então chamou os índios:
__Fill!... fill!... fill!... eu vi as índias chamarem as lontras! A juriti contou tudo o que se passou na beirado rio. Então os índios, no dia seguinte, prepararam uma armadilha. Untaram as varas com visgo e partiram bem cedinho.
Chegando à beira do rio, agiram da mesma forma que suas esposas. Quando as lontras apareceram, foram fisgadas e estranguladas pelos índios.
Passados alguns dias, as índias foram pescar e encontraram as lontras esquartejadas na beira do rio. Elas ficaram revoltadas e voltaram para a aldeia, onde prepararam uma bebida de pequi, sem tirar os espinhos, oferecendo a bebida aos seus maridos. Eles beberam tudo e os espinhos fincaram em suas gargantas, causando-lhes dor e muitos gemidos.
__Humm... humm... humm...
Então todos os índios se transformaram em porcos-espinhos e estão soltos pelas florestas até hoje.
 
Um bororo assistiu a uma discussão entre a pedra e a taquara. Eles queriam chegar a uma conclusão: quem parecia mais com a vida do homem.
Dizia a pedra:
__Eu, como pedra, sou mais resistente e firme. Tenho vida longa, longa.
__E é por estas e outras que me identifico com a vida humana.

E a taquara respondia:

__Eu morro, mas renasço imediatamente ou deixo família.

Retrucou a pedra:

__Não adoeço; o vento, o sol e a chuva não me causam transtornos. A morte não é problema para mim. E você...
__Bom! Minha morte pode causar vários benefícios. Quando me cortam-utilizam-me para alguma coisa. Minha raiz germina outro corpo, formando nova família. Daí por diante, as família vão germinando... germinando...
A pedra, quietinha, ficou no seu lugar. Perdeu a voz.

A taquara, balançando suas folhas verdes, respirando a brisa da manhã, disse:
__Minha vida é uma cópia da vida humana, onde cada um nasce, cresce, reproduz e depois morre, deixando aos filhos a responsabilidade de continuarem a obra de renovadora da vida.
Segundo o Padre Bartolomeu Gianccaria, a pacificação dos xavantes, que habitavam grandes áreas localizadas entre Mato Grosso e Goiás, teve início em 1784, quando o governo de Portugal, preocupado com esse povo, mandou várias expedições militares para fixá-los em aldeias.  O aldeamento não foi bom para os xavantes. A cada dia, foram ficando mais enfraquecidos, até que um grupo, revoltado com a situação, abandonou o domínio da guarnição militar. Os revoltosos atravessaram o Rio Araguaia e o Rio das Mortes, ocupando a Serra do Roncador, no Mato Grosso. Para os índios, a versão do contato com o branco foi assim: o branco foi morar com os xavantes. Nos primeiros dias, tudo corria bem. Até que, um dia, os brancos tentaram roubar as mulheres indígenas. Eles descobriram e, por vingança, armaram uma arapuca para matar todos os porcos dos brancos. Mas isso não aconteceu, porque foram traídos por dois chefes xavantes, que contaram aos brancos sobre a armadilha. Os outros índios foram presos e expulsos da aldeia.
A revolta se formou e o grupo expulso matou os dois chefes traidores; fugindo, formaram outra aldeia.
Os brancos seguiram os xavantes e os atacaram, matando muitos, restando, apenas, os poucos homens que fugiram. As mulheres não conseguiram fugir e foram presas.
Bastante massacrados pelos civilizados, os xavantes se tornaram arredios, não aceitando qualquer tentativa de aproximação com o branco. No dia 10 de agosto de 1945, conforme consta do diário dos sertanistas irmãos Villas-Boas, os xavantes receberam, com bastante hostilidade, a expedição denominada Roncador-Xingu. Essa expedição não esperava encontrar um grupo de índios armados de arcos e flechas. Assustados, os participantes da expedição atiraram para o alto.  Os índios responderam com uma chuva de flechas.
Essa mesma tribo, por volta de 1940 ou 1941, já havia massacrado a expedição do sertanista Pimentel Barbosa, que morreu crivado de flechas.  Após essas expedições, o sertanista Francisco Meirelles instalou um posto de atração no mesmo local das tentativas de pacificação, acendendo uma fogueira para anunciar aos índios que o branco tinha voltado. De vez em quando, Meirelles ia até o posto de atração, onde deixava brindes para atrair os índios. Mas, mesmo assim, os xavantes perseguiam-nos e flechavam-nos. Essa situação durou por muito tempo. Um dia, aproximou-se do acampamento um velho xavante que estava com muita fome e muito doente. Esse índio foi bem tratado. Daí, tudo foi mais fácil. Aos poucos, foram chegando outros índios, pintados e enfeitados. Traziam nas mãos flechas sem ponta, simbolizando a paz. Entre as tribos brasileiras, os xavantes são considerados os mais guerreiros. Guerreavam não só com os brancos, mas com outras tribos, como os bororos e carajás. Hoje, essa tribo já se adaptou perfeitamente ao convívio dos civilizados, mas ainda preserva, com muita força, as suas tradições.


 
Os índios xavantes vêm-se desempenhando bem na agricultura, contrariando as idéias dos portugueses, que quiseram forçar os índios a trabalharem na lavoura de cana-de-açúcar, alegando que eles não possuíam condições de fazer os trabalhos de plantio. Hoje, talvez com a facilidade e modernização das máquinas, os xavantes estão se destacando nas atividades agrícolas, principalmente no cultivo do arroz. Assim, evitam a invasão de suas terras. Nos dias atuais, os xavantes tiveram que trocar a flecha e o arco pelo trator, caminhão, semeadeira, arado, colheitadeira, apoderando-se, assim, de suas terras antes que sejam perdidas para grandes latifundiários.  Os xavantes desempenham bem este tipo de trabalho. Demonstram ser bons comerciantes, e este é um dos fatores principais que favorecem o seu espírito comunitário. Dentro de pouco tempo, os xavantes terão seu destaque na agricultura. A alimentação dos xavantes sofreu muitas mudanças.
O animal selvagem era, antigamente, o seu prato preferido. Com o desmatamento e a invasão dos caçadores brancos, tiveram que aderir à carne de gado. É comum encontrar, perto da aldeia, um curral com algumas cabeças de gado e uma horta de legumes.


 
O futebol é um esporte de que os xavantes gostam muito. Aliás, são bons de bola. Tive a oportunidade de assistir a uma jogadinha de futebol na aldeia de Sangradouro, em Mato Grosso. Eles são leais e habilidosos nas jogadas. Chutam forte e correm muito dentro de campo. Cabeceiam na hora certa e, quando passam a bola para seu companheiro, não perdem tempo para se colocarem em locais de fazer gol. Gostam de chutar para fazer gol, às vezes, de grandes distâncias. São verdadeiros craques numa acrobacia com a bola, deixando alguns craques boquiabertos.


As crenças e cerimônias xavantes demonstram uma grande valorização da vida. Acreditam na existência dos espíritos bos (dañmite) responsáveis pelo aumento das tribos, boa caça, pesca e prosperidade para a agricultura. O espírito mau (tsimirropâri) é causador das doenças e mortes na aldeia. Acreditam os xavantes que, quando um índio adoece, é porque o espírito mau está assustando a pessoa. Então é necessário amedrontar o espírito. Para isso, formam-se dois grupos: um, representando os maus espíritos, pintado de preto; e outro, representando os bons espíritos, que sempre são os vencedores nas lutas. A encenação acontece assim: os maus espíritos tentam assustar o doente, mas não conseguem devido à defesa dos bons espíritos. Por fim, os bons enterram simbolicamente os maus, vencendo os espíritos bons.
Muitas lendas xavantes têm ligação com o surgimento dos alimentos na Terra. Exemplo: acreditam as mulheres que o milho foi trazido pelos periquitos e dado a elas na floresta. A batata também foi trazida pelo urubu. A morte de dois xavantes, num determinado local do mato, causou o surgimento de vários tipos de frutas. Esse povo guerreiro vem mostrando a confiança que tem no seu trabalho e, através de lutas, vai salvando e recuperando o que perdeu no passado. A modernização a que aderiram, copiada dos brancos, não acabará com as suas tradições, segundo eles. Pelo menos, os índios têm demonstrado isso.
Foi o que pude notar na aldeia do Sangradouro. Ao lado das máquinas, os rituais e cerimônias são ainda praticados.
Esperamos que a tradição seja mais forte que a máquina e consiga manter-se sempre viva nas tribos xavantes.


Uma das manifestações importantes do povo xavante é a Corrida do Buriti, um ritual com fins de lazer. Ocorre, geralmente, no final do dia, depois de todos terem voltado da caça, pesca ou dos mutirões na roça. Presenciei uma dessas corridas na reserva de Sangradouro, no Mato Grosso. Ela não tem dia marcado e se desenvolve da seguinte maneira: os atletas, de comum acordo com o cacique, escolhem dois elementos para buscar no mato duas toras de madeira, pesando de 60 a 90 quilos cada uma.
Formam-se dois grupos de índios, levando-se em consideração a idade. Cada grupo pinta o corpo diferentemente, usando sempre o urucu, jenipapo ou carvão vegetal. Enfeitam-se com penas, colocam gravatas tecidas com fibra de algodão e alguns pintam os cabelos de vermelho, enquanto outros amarram fitas de fibra em torno da cabeça. A tora é colocada numa distância que varia de 6 a 8 quilômetros fora da aldeia. Ali será dada a partida da corrida.
Antes da corrida, todos se reúnem no centro da aldeia, diante dos índios mais velhos, que farão a pregação da lealdade durante a corrida. Liberados, todos caminham em direção ao ponto de partida.  Durante todo o percurso, a tora é passada de ombro para ombro, num ar festivo e alegre. Uns vão correndo na frente, parando de metro em metro, aguardando a tora. Os grupos dessa corrida, os Rotorã e Tsadaro, se misturam. O cansaço não tira a alegria e nem diminui as brincadeiras dos participantes. As mulheres e as crianças, embora realizem suas próprias corridas com toras menores, nessa ocasião, formam torcidas. Zombam do grupo oposto, que não é formado por seus parentes.
                                
O primeiro atleta a chegar com a tora será o vencedor, o que traz a vitória para o grupo a que pertence. A própria tora representa o troféu que, após a corrida, é colocada na porta da oca de alguma pessoa de destaque na tribo. Posteriormente, serve de banco. Terminada essa etapa, todos se confraternizam. Reúnem-se no centro da aldeia para dançar e cantar na porta da oca de cada vencedor. Nessa dança da vitória, os índios, de mãos dadas, joelhos arqueados e cabeça baixa, rodam ora para um lado, ora para o outro, levantando um pé e arrastando o outro, num compasso de um... dois, e cantam:
__OOO... OOO... OOO... OOO... OOO... OOO...
Nessa corrida, não notamos atitude alguma de competição entre os grupos. Apenas muita alegria e brincadeira por parte dos participantes e assistentes. No final, tudo é motivo de muito riso.
A cerimônia de furação das orelhas, ou o dañno, como é chamado pelos índios, é uma das solenidades mais importantes do povo xavante. A cerimônia se repete de cinco em cinco anos e tem a finalidade de iniciar os jovens na vida adulta da tribo. Após essa cerimônia, os rapazes, que são chamados de uate-uá se tornam responsáveis perante os habitantes da aldeia. São liberados para lutar, guerrear, têm permissão para casar, podem participar das reuniões da tribo. Enfim, podem assumir a vida de adulto. A solenidade tem início com os preparativos da festa, na casa onde vivem os rapazes. Essa casa serve de moradia para todos os meninos, que são separados de seus pais aos 10 anos. Marca-se o dia da festa e, nesse dia, os iniciantes, ou uatê-uá, enfeitam-se e dançam o dia todo no uarã, que é a praça do centro da aldeia. A dança é simples e repetitiva. De mãos dadas, batem os pés e, em círculo, vão rodando ora para um lado, ora para o outro. No dia seguinte, antes de o sol nascer, os uatê-uá, de posse de suas uibró (bordunas), vão para o córrego ou rio mais próximo enfileirados. Chegando lá, colocam suas bordunas numa uedetsitsa'ritise (forquilha) para não encostarem no chão. Entram na água, e os padrinhos ensinam seus afilhados como devem bater na água, para molhar as orelhas, amolecendo e anestesiando a ponta das mesmas. No último dia da bateção d'água, ou uaté-uá, com a borduna debaixo do braço e com a mão direita tapando a boca, se espalham no centro da aldeia. Depois, vão até a porta da casa de seus familiares e sentam-se na esteira que seus pais colocam no chão. Com os pés e mãos juntas, cabeça baixa, aguardam os padrinhos para furarem as orelhas. A borduna tem significado importante e está sempre em companhia dos uatê-uá. Depois de todos sentados, os daparedzapiru'ua (padrihos furadores) enfeitados e movimentando os braços, se aproximam de cada afilhado. Nas mãos, eles trazem uma cabaça cheia de uaui ou u'uaui (palitos para colocarem nas orelhas furadas). Esses pauzinhos são de talo duro de, aproximadamente, dez centímetros de comprimento por meio de grossura. O furo é feito com o atsadaatiui (osso de perna da trazeira de onça). O padrinho ajoelha-se com a perna direita, de frente para seu afilhado, passa o osso de onça na boca, para umedecer com a saliva, e vai girando e forçando aos poucos a parte macia da orelha, até atravessá-la com o osso. Após ter furado a orelha, coloca ali o pauzinho, na medida em que vai tirando o osso. Colocado o pauzinho nas orelhas, os futuros guerreiros entram em suas casas. A irmã mais nova de cada um os pinta de preto. Feito isso, vão para o córrego. Lá os padrinhos verificam se os furos estão corretos; caso não estejam, tudo é feito outra vez. E novamente a bateção d'água, durante muito tempo. No outro dia, as famílias dos uatê-uá preparam a festa com muita comida, à base de bolos, mandioca e milho. Os novos guerreiros se pintam de urucu e dançam no centro da aldeia. A festa dura pelo menos quatro dias, terminando com a corrida do buriti. Passados os festejos, vem o período de aprendizagem. Os xavantes mais velhos programam uma caçada coletiva. Após a caçada, os rapazes são considerados guerreiros e já podem namorar e casar. Daí são considerados homens responsáveis e adultos.
Os xavantes acreditam que as estrelas são olhos de pessoas que nos contemplam todas as noites. Um índio xavante, certa noite, admirando o céu, que estava muito estrelado, viu, de repente, uma estrela diferente das outras: brilhava mais, piscava muito e parecia inquieta. O índio se enamorou da sua beleza. Cansado de olhar para o alto, adormeceu. A estrela notou que o seu admirador havia adormecido. Resolveu descer até a Terra e transformou-se numa linda moça.
Quando o índio acordou e viu aquela lindeza diante dele, exclamou espantado:

__OHH!!!...
Então, surgiu um grande romance entre eles. Mas o tempo da moça era pouco aqui na Terra. Entristecida, ela despediu-se do ínidio para voltar ao céu. Ele não resistiu e demonstrou grande tristeza em perdê-la. Ela logo perguntou:

__Quer ir comigo?
Ele respondeu logo:
__Sim... sim... índio quer ir. Mas como?
Ela disse:
__Venha. Suba até o alto desta palmeira. Ela crescerá e levará você até o céu.
E tudo aconteceu num piscar de olhos.

Os dois permaneceram no céu por algum tempo. Porém, como o índio era muito obediente, sentiu-se na obrigação de avisar seus pais aqui na Terra.
Desceu e comunicou a todos da aldeia o desejo de permanecer no céu. Em seguida, retornou para viver ao lado de sua estrela amada. Por isso é que, de vez em quando, uma estrela pisca. É o namoro da estrela com o índio.


O urubu não é tão carniceiro assim como achamos. Conta a lenda xavante que um urubu, passeando pela floresta, no Mato Grosso, viu um caçador estrebuchando no chão. Ele tinha sido abandonado pelos seus companheiros, porque estava com o corpo coberto de furúnculos. Os urubus pousaram ao seu redor e viram a dor que aqueles homem estava sentindo. Levaram o homem até o céu e lá o curaram. Retornando à terra, os urubus pousaram o caçador numa roça dos xavantes, deixando-o lá. Os índios espiaram e correram para ver o que estava acontecendo. O caçador, feliz, doou aos xavantes uma muda de batata-doce que trouxera do céu. Os índios plantaram a batata que é, hoje, fonte de alimento deles e do homem branco.

Essa tribo vive, hoje, em algumas aldeias da Reserva Indígena do Araguaia, situada na maior ilha fluvial do mundo, a Ilha do Bananal, em Goiás, na divisa com o Mato Grosso. A aldeia de Santa Isabel é uma das maiores, contando com aproximadamente 300 índios. Ali, está instalada uma escola do Primeiro Grau, com professores brancos e carajás, que são responsáveis pela aprendizagem dos índios, que estudam Português, História, Língua Carajá, Estudos Sociais e outros assuntos. O monitor é o próprio cacique, que se chama Idjarrúri.
O índio carajá é de estatura média, geralmente atlético, cor moreno-avermelhada, cabelos pretos e corridos. As mulheres usam cabelos compridos, atrás, e franja, com um montinho de cabelo cortado rente, no alto da cabeça, bem espetado. O corte masculino é mais simples: franja ou partido ao meio. Uma das características do carajá é a marca ou tatuagem, em forma de círculo, no rosto, abaixo dos olhos. Essa marca é feita com dente de peixe-morcego ou outro objeto cortante. Após o corte, é colocado ali carvão vegetal ou jenipapo, dando uma cor preto-azulada.
Os carajás são amáveis, mas bastante desconfiados. As moças não costumam olhar para a pessoa com quem estão conversando. Dizem os rapazes carajás que, quando as moças olham nos olhos de um homem, é sinal de casamento. Os índios mais velhos gostam de conversar e contar casos.
A aldeia é formada de uma só rua, com várias casas de um lado e outro. As ocas, de formato quadrangular, são feitas de madeira roliça e cobertas de sapé ou folhas de coqueiro, possuindo um só cômodo, que serve de quarto, sala e cozinha. Geralmente, o fogão é feito com um amontoado de pedras no canto da casa.
Os índios dormem espalhados pelo chão, que é forrado com esteiras, ou em redes. Na alimentação, os carajás já comem arroz, uso que adquiriram dos civilizados. Gostam muito de peixe que é a base de sua alimentação. O Rio Araguaia passa pela aldeia e oferece ao índio grande variedade de peixes, sendo o pirarucu o mais apreciado. Esse peixe é conhecido como o bacalhau brasileiro. Ele é salgado e cozido na água. Um pouco retirada da aldeia, está uma casa que recebe três nomes: Casa dos Homens, Casa de Aruanã e Casa do Bicho. Essa Moradia tem a finalidade de abrigar todos os meninos da aldeia, a partir dos dez anos. Enquanto lá estão, passam por um período de aprendizagem sobre os mitos e os rituais, aprendendo a confeccionar máscaras e como desempenhar seus papéis nas cerimônias. Quando os meninos entram para a Casa de Aruanã, têm a obrigação de fazer os serviços domésticos, ser mensageiros dos que já estão ali há mais tempo; não podem dançar, usar máscaras, muito menos namorar.
Passado o período de aprendizagem, começam a praticar atos mais responsáveis, como pescar, caçar e outras atividades coletivas. A obediência, na Casa de Aruanã, só termina quando o menino demonstra ter deixado as brincadeiras de lado. Então, é convidado a participar da dança de Aruanã. Mas, antes, terá que prometer não contar a ninguém os mistérios desse ritual. Com essa promessa, o rapaz se torna responsável.
As meninas permanecem na companhia dos pais e são bastante vigiadas pelos mais velhos para não namorarem. Não podem olhar para os moços. A iniciação ao namoro é permitida depois que elas participam da dança de Aruanã, que as torna capazes de assumir compromisso para o casamento. A festa de Retorrorã é uma das mais importantes na tribo Carajá. É o ritual que prepara os meninos para entrarem na Casa dos Homens. Nessa ocasião, os índios se enfeitam com muitas penas e pintam o corpo para dançar e cantar.


Entre os carajás, quem escolhia o marido para a filha era a mãe. Hoje muitas mudanças foram feitas, por causa do contato com o branco. Existem três formas de casamento para os carajás: o arabié, o cotá ou birená, e o exiderotê.
1) O arabié é o casamento tradicional, desejado pelas famílias; muito honroso. É realizado com cerimônia em que a família da moça é quem toma a iniciativa dos preparativos. O noivo, para provar que está disposto a casar, deverá, três dias antes do casamento, sair bem cedo para pescar. No fim da tarde, sua canoa deverá estar abarrotada de peixes para presentear o sogro. Isto acontecendo, ele é esperado na beira do rio e levado nos ombros dos índios até a casa da noiva. Este é um comprovante de que está apto a assumir um compromisso matrimonial. O marido terá que trabalhar para o pai de sua esposa, caçando, pescando ou plantando.
2) O cotá ou birená é um casamento em que jovens, namorando escondidos, são descobertos pelos outros índios da aldeia.
3) O ixiderotê é um casamento realizado por parceiros que já tenham se casada anteriormente, viúvos ou separados.


As artes indígenas, mais representativas, são as esculturas em madeira ou barro. As imagens reproduzem lendas, costumes, animais e ainda o próprio índio, destacando o corpo atlético e bem enfeitado. Os índios mais velhos ocupam posição de destaque dentro da sociedade Carajá. São respeitados e respeitam os mais novos. Quando os idosos falam, todos ouvem com atenção, seguindo suas idéias, pois já viveram e aprenderam a vida, tendo sempre razão.
Somente os mais velhos sentem dificuldades para falar o português. Os índios jovens falam-no correntemente; entre eles, só conversam em carajá.


Devido às estradas que estão sendo abertas nas imediações, os pescadores e caçadores, sem a menor preocupação de causar-lhes mal, vêm fornecendo-lhes cachaça, entre outros vícios. Sempre são encontrados corpos de índios boiando no Rio Araguaia. Eles atravessam o rio para São Félix do Araguaia e adquirem pinga com a maior facilidade. Embriagados, tentam voltar para a aldeia e acabam virando a canoa e morrendo afogados.
Um carajá revoltado com o homem branco, os que dão pinga para seus irmãos, contou-nos que chega a ser tão alarmante que, na falta da pinga, o álcool é utilizado. Um exemplo foi este: um carajá de 20 anos, já dependente da pinga, foi internado num hospital para tratamento. Quando descuidavam dele, saía catando pedaços de algodão no lixo, sujos de sangue, que cheiravam a álcool ou éter. Esta é a realidade do índio carajá, um povo rico em cultura, mas que o "tempo" se encarrega de empobrecer.


A LÍNGUA CARAJÁ
Conforme os membros do Summer Institute of Linguistics, o alfabeto carajá tem 26 letras (sendo divididas em 14 consoantes e 12 vogais).
__Consoantes: b - d - h - j - k - k - m - n - r - s - t - tx - x - w.
__Vogais: a-ã - ã-e - e - i - ~i - o - õ - u - y-~y.
No alfabeto carajá, não aparecem as letras c - f - g - p - q - v - z.

Em algumas letras carajá, os sons são diferentes das pronunciadas em português; exemplo: o H se pronuncia mais ou menos como o R. O K, pronuncia-se como C. Outro detalhe é a acentuação da palavra, que geralmente cai na última sílaba. Exemplo: Kynyra-kò, Bera-ò, Ijasò. Essa regra não é aplicada aos verbos, nos quais a acentuação normalmente cai na raiz, como Raryynyreri, Aõnaõnã.
Algumas palavras que as mulheres usam são diferentes das dos homens; o mesmo acontece com o vocabulário dos homens.

Raryynyreri ijasó
Aõnaõna sõweri:
mai, ixyde, maiti, ynana,
ijata, hãriwam aõna.
Rarykynyreri ijjasò
Anonanona sõweri:
maki, ixyde, makiti, kynana,
ijata, hãriwa, anona.
A tradução seria esta
Havia uma festa de Aruanã.
Tinha muita comida:
milho, carne de porco, cana, peixe jaraqui,
bananas, pau e abacaxi.


Na numeração cardinal dos carajás, a pronúncia sofre algumas alterações nos sons. Exemplo:
Como se escrevem:
1 - sohoji; 2 - inatxi; 3 - inatão; 4 - ianubiowa; 5 - iruyre; 6 - deboo sohoji; 7 - deboo inatxi; 8 - deboo inatão; 9 - deboo inaubiowa; 10 - deboo itue.
Como se pronunciam: de acordo com as sutis alternâncias sonoras, foram transcritas em sua forma de representação fonológica.
1 - sorrodí; 2 - inati; 3 - inatão; 4 - inaubioá; 5 - irure; 6 - debô sorrodí reiró; 7 - debô nati reiró; debô natão reiró; 9 - debô inambioá reiró; 10 - debô itué.
Pequeno vocabulário carajá:
nadi - mãe
waha - pai
walabie - avô
walabi - avó
walhaura - tio
dohodyydu - professora
dohodããna heto - colégio.
walabetery - tia
waexi - irmão
waseriore - irmã
heto - casa
ahadu - lua
hawahaky - aldeia
yysyna - comida;
bee - água
biu - céu
txuu - sol
Nomes de índio carajá: Ihytyrie - Hãtunaka - Hãdoi - Kaitui - Ibutuna - Mabulewe - Xirikeru - Kohãti - Mabiora - Maruadia - Tuila - Timari - Krumaré - Ohori - Diolorina - Ixerua.
Essa dança não tem data marcada, é realizada em noite enluarada, sendo um dos rituais mais bonitos dos carajás. Recebe esse nome por causa de um peixe do Rio Araguai, considerado sagrado. Em noite de lua cheia, os índios evocam o peixe aruanã, pedindo-lhe muitos peixes, boa caça e farta colheira.
No início da dança, participam somente homens, que formam duas filas, com o braço entrelaçado no pescoço de outro. As filas se aproximam e se distanciam, sempre de frente, com passos ligeiros. Depois, elas se desmancham e os dançantes formam círculos, repetindo o movimento várias vezes.
De repente, na direção do Rio Araguaia, surgem novos dançadores, bem mascarados, vestidos de fibras vegetais. Esses dançarinos são solteiros e vão ao encontro das dançarinas, também solteiras. Caminhando e fazendo movimentos harmoniosos com o corpo, aproximam-se. Elas, seminuas e enfeitadas, fingem que vão ao encontro deles, dado um passo para trás e outro para frente, num sentido de avançar e recuar ao mesmo tempo. Nessa coreografia, as índias vão passando as mãos na barriga nua, com a cabeça inclinada, olhando para o chão. Fazem isso para não reconhecerem os dançadores. Caso uma delas descubra quem são os dançadores-mascarados, e revele isso a alguém, ela será considerada
mulher à toa. No final, os dançadores, que representam aruanã, seguem com as mulheres lado a lado, mantendo uma certa distância, para a aldeia ou casa delas. Os índios vão dançando e dando pulos. Depois voltam para a Casa de Aruanã, finalizando a dança com alguns pulos violentos simbolizando amor, vitória e guerra. Todos os movimentos são feitos ao som de chocalhos, maracas (espécie de chocalho de cabaça) e cantos tristes e alegres.
Você já viu a floração de um ipê amarelo? É lindo. E isso acontece na primavera. A árvore parece estar coberta de folhas banhadas de ouro. Na Ilha do Bananal, principalmente nas periferias das aldeias dos carajás, são encontradas muitas dessas árvores. Os índios carajás elegeram o ipê como símbolo da liberação do luto. Ou seja, quando morre alguém na aldeia, a alegria volta a reinar somente quando começa a floração do ipê. Quando morre um carajá, a tristeza toma conta da aldeia, principalmente dos familiares mais íntimos.
Um fato citado no livro da língua carajá relata o seguinte:
Quando morria uma criancinha, a avó enfeitava seu corpinho de penas coloridas, pregando-as com mel silvestre. Após o enterro, a mais velha índia da família, todas as manhãs, lamentava a perda do seu parente querido. Esse ritual era feito por longo tempo. A índia sentava numa esteira, num canto da oca, e evocava o espírito do falecido, chorando e falando em voz alta. Esse ritual se repetia todos os dias, até a floração do ipê-amarelo. Então, a alegria voltava aos habitantes da tribo. Dessa data em diante, os índios deixam de se lamentar, os pescadores voltam a cantar e sorrir. Tudo recomeça.
Segundo a lenda, os Carajás habitavam um túnel subterrâneo. Um dos carajás sentiu-se mal e saiu do túnel para vomitar. Após ter melhorado, andou por perto da boca de sua moradia. Achou favo de mel, provou, gostou e levou um pouco para seus companheiros. Todos se deliciaram com o mel. No outro dia, o carajá voltou,arrancou mais mel e provou da mangaba. Entusiasmado, levou tudo para o túnel. Todos comeram e gostaram. Aí, todos queriam vir para fora do túnel, provar as delícias que o mundo oferecia. É assim que a lenda carajá conta o surgimento da sua tribo:
__Foi por causa de um índio que queria vomitar e por causa do sabor do mel que estamos aqui.
Isso me contou um índio adolescente da tribo Carajá, na aldeia de Santa Isabel, na Ilha do Bananal.
Os índios carajás, ao se ausentarem de sua aldeia para as costumeiras caçadas, recomendavam às esposas que não saíssem da aldeia. No início, a ordem era cumprida. Mas, depois de algum tempo, as esposas desobedeceram os índios. Esperavam que eles saíssem e partiam em direção ao Rio Araguaia para apanharem ovos de tracajá (espécie de tartaruga pequena). Um belo dia, o filho do cacique, muito curioso, seguiu os passos de sua mãe. E a viu conversando com um desconhecido. Intrigado, ele pensou: quem será? Logo descobriu que era o Cananxiué, o famoso deus dos carajás. Passado algum tempo, sua mãe apareceu grávida. E deu à luz a uma linda menina, a mais bela já nascida na aldeia. O marido, intrigado com aquela situação, passou a maltratar a esposa.
Enquanto isso, a indiazinha crescia lindamente, chamando a atenção de todos da aldeia. Numa bela noite, enluarada e de muitas estrelas, a carajazinha resolveu contemplar o céu na praia do Rio Araguaia. Chegando lá, olhou para o alto e ficou enamorada de uma estrela. Parecia que ela piscava para a indiazinha. Era a maior e mais linda das estrelas. Era a Estrela D'alva que na língua carajá chama-se Tainan-Racã.
Sentada na esteira, a carajazinha imaginou possuir aquela estrela. E o seu protetor Cananxiué, sabendo do desejo da menina, logo tratou de providenciar a realização do desejo dela. Mas o sonho não foi o que ela esperava. A estrela desceu até à praia, transformando-se num Matucari, que em carajá significa um velhinho. Mesmo assim, eles se casaram. Todos os dias, o velhinho acordava cedo, pegava seu cesto e ia à roça plantar e colher. Mas, antes de partir, ele falava para sua esposa:
__Não saia de casa antes que eu chegue.
Com o passar dos dias, ela não suportou a curiosidade e seguiu seu marido. Chegando à roça, teve a maior surpresa. Seu marido se transformara num jovem carajá, bonito e forte.
Espantada, logo gritou...
__Ih! Ih! Ih! Por que você não é assim o tempo todo?
Aborrecido com a desobediência da esposa, o marido imediatamente transformou-se na estrela que era antes e voltou para o céu. Deste dia em diante, a índia ficou sozinha, triste, não comia nem dormia. Ficava só deitada na rede.
O Cananxiué, presenciando a solidão da índia, transformou-a numa pequena estrela e disse:
__Vá para o lado de seu esposo, lá no céu, e terás o nome de Tainazinha.
Com a baixa das águas do Rio Araguaia, as mulheres carajás descobriram uma linda lagoa. Moravam lá muitos jacarés, mansinhos e tristonhos. Numa manhã bem ensolarada, as mulheres, escondidas de seus maridos, saíram em direção ao lago. Os maridos não gostavam de ver as esposas passeando sozinhas, temendo que elas fossem raptadas pelos toris, que significa homem branco. Chegando à lagoa, as mulheres viram os jacarés quentando sol. Com a chegada das mulheres, os jacarés caíram n'água. Então, as índias sentaram na beira da lagoa, com os pés dentro d'água e cantaram:
__Ih!... rôrôrô jacaré, por que você é tão triste?
__Ah!... rêrêrê... jacaré, não fique triste.
__Oh!... rôrôrô... queremos ser amigas.
De repente, muitas borbulhas se formaram à flor d'água. Eram os jacarés que chegavam de mansinho. As índias, enfeitadas de penas coloridas, corpo pintado de urucu e jenipapo, cheirando a óleo de pequi, agradaram os jacarés, fazendo cafuné neles. Enquanto eram acariciados, as índias faziam seus pedidos:
__Jacarezinhos, gostamos de peixe. Tragam peixe para nós... Os jacarés deram um suspiro e mergulharam nas águas clarinhas, em direção ao canal que liga o lago ao rio. Assim as índias faziam sempre. Os maridos descobriram e ficaram enciumados. Eles prepararam uma surpresa. Esconderam-se no mato e seguiram suas esposas. Chegando à lagoa, viram a cena. Ficaram furiosos. E mais raivosos ainda ficaram, quando as mulheres recebiam os peixes. Elas cozinhavam e comiam tudo. Não levavam nada para suas casas.
No dia seguinte, os índios proibiram as mulheres de saírem da aldeia. E o cacique, acompanhado de outros índios, foram até a lagoa. Chegando lá, repetiram a cena, igualzinho as mulheres faziam. Quando os jacarés colocaram a cabeça foram d'água, os índios: zaz!!! acertaram a cabeça de cada um com a borduna (espécie de porrete usado pelos índios). Dizem que a paulada foi tão forte que os jacarés engoliram a língua e até hoje não falam mais. No outro dia, as mulheres fugiram novamente para a lagoa. Fizeram como de costume. Os jacarés não apareceram. Repetiram o canto, várias vezes, e nada. Elas ficaram tristes. O filho do cacique apareceu e contou o que os índios haviam feito com os jacarés. Elas, revoltadas, caíram na lagoa e viraram Boto, um peixe que salva a vida dos que caem no rio e não sabem nadar.
Arutâna, o grande caçador da aldeia carajá, gostava de caçar sempre à noite. Numa noite, sentado no cupim esperando ouvir o ruído dos animais, adormeceu e sonhou. Sonhou que tinha feito uma grande caçada. De repente, acordou com um clarão e viu um vulto. Era o filho do feiticeiro da floresta. Logo, ele perguntou ao índio:
__Quem é você?
__Sou o filho de Cananxiué, famoso deus bom dos carajás.
O índio perguntou.
__E você, como se chama?
__Inãninho.
__Mim!!!... Babixê! Então você é o bicho da floresta? Minha mãe falava muito das suas arruaças, amedrontando as crianças.
__Não... não... Não sou eu quem fazia mal às criancinhas. É meu padrasto, o feiticeiro maldoso.
Depois de conversarem bastante, os dois chegaram à conclusão de que poderiam ser amigos. Arutâna contou como ele tinha medo de Inãni, o bicho da floresta. __Minha mãe me banhava no rio, colocava-me na rede e cantava:
Fique quietinho e dorme, se não o bicho da floresta vem te buscar. Inãninho ficou triste ao saber que os mais velhos é que faziam esta fantasia medrosa para as crianças. O bicho da floresta ficou conhecido na aldeia, quando uma turminha de indiozinhos fazia muita bagunça com uma canoa no Rio Araguaia. Inãni, o bicho da floresta, irritado porque os meninos espantaram os peixes, fez um feitiço, afogando todos.
Inãninho, muito triste com essa situação, pediu a Arutâna que o levasse até a aldeia. Chegando lá, Inãninho explicou tudo e contou que Inãni, o seu padrasto feiticeiro havia morrido. Eles ficaram amigos. Daí por diante, as crianças não mais tiveram medo do bicho da floresta.
Os Carajás fazem suas esculturas como gostariam de ser: fortes e gordos
Tribo Carajá


 
Ao índio, aquele que acreditou na Terra de Santa Cruz e hoje me faz pensar e agir no seu destino...
A minha avó, que me ensinou a amar nossas raízes.


Sônia Maria Viegas Andrada
Diana de Vasconcellos Faria Tavares
Márcia Megda Cesarini
Lélia Márcia Dias
Maria Onolita Peixoto Catão
Helena Vasconcellos
Maria Helena Araújo dos Santos
Célia Leocádia de Andrade
Sérgio Maldonado
Pascoal Maldonado
Pascoal Motta
Márcio Alonso Lima
Magda Lenard
Maria Lídice Faria Travesso Gonçalves
Eleni Cássia Vieira


1. "A Verdade sobre os Índios Brasileiros", Rio de Janeiro, Guavira Editores, 1981.
2. "A Arte Indígena Brasileira", 28 de abril a 31 de maio de 1983 - Rio de Janeiro, Museu Nacional de Belas Artes, 1983 - Catálogo de exposição.
3. COSTA, Maria Heloísa Fénelon - A arte e o artista na Sociedade Karajá. Brasília, Funai, 1978.
4. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1979.
5. RIBEIRO, Darcy. "Os Índios e a Civilização". Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1970.
6. DIÉGUES JR. Manuel. "Etnias e Culturas no Brasil", Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1977.
7. FELÍCITAS. "Danças do Brasil", Rio de Janeiro, Ed. Tupy, 1958.
8. GREGÓRIO, José Irmão. "Contribuição Indígena ao Brasil". Belo Horizonte, União Brasileira de Educação e Ensino, 1980.
9. Iny Tyyriti, Iny Tykyriti. Cartilha Carajá, Summer Institute of Linguistics, Brasília, 1981.
10. "Legislação Indígena Jurisprudência". Brasília, Ministério do Interior, Funai, 1983.
12. MAIOR, A. Souto. "História do Brasil", São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1970.
13. MARTINS, Edilson. Nossos Índios Nossos Mortos, Rio de Janeiro, Ed. Codecri, 1982.
14. PARAÍSO, Maria Hilda Baqueiro. "Relatório Hãhãhãi", Porto Seguro, 1976.
15. QUEIROZ, J. F. Xavante: Como Manter o Orgulho de Ser Índio na Tribo do Trator? Interior, 7 (35): nov./dez. 1980.
16. PATAXÓ arco e lanças de pilha, também. Interior, 7 (35): nov./dez.
17. Revistas de Atualidades Indígenas, Brasília, Funai, 1970, Vol. I e II.
18. TUDO - dicionário enciclopédico ilustrado. São Paulo, Abril Cultural, 1979.
19. VARANGNAC, André. O homem antes da escrita. Rio de Janeiro, Ed. Cosmos, 1963.
BOSCH - Gimpera. A América: paleol[itico e mesolítico. In: O homem antes da escrita. Rio de Janeiro, Ed. Cosmos, 1963.
20. Índios no Brasil e Presença Missionária. (Brasília) Cime, 1982. Mapa.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

"Y Ikatu Mobilização para salvar nascentes do Rio Xingu "


Mobilização para salvar nascentes do Rio Xingu




Unir índios, fazendeiros, agricultores, governos, comerciantes e sociedade em geral para discutir e implementar uma campanha em defesa das nascentes e matas ciliares do Rio Xingu. Esse é o desafio da campanha que pretende salvar as nascentes do lendário rio.
A Campanha se chama 'Y ikatu Xingu, que significa "água limpa e boa" na língua Kamaiurá, pertencente ao tronco Tupi. A idéia da mobilização partiu das lideranças do Parque Indígena do Xingu (um dos maiores símbolos da diversidade cultural e biológica do Brasil) em vista da destruição das matas que protegem as nascentes do Rio Xingu. A situação ameaça a capacidade produtiva e a qualidade de vida não só dos mais de 10 mil índios que habitam a região, mas também de cerca de 450 mil não-indígenas de 35 municípios do norte do Mato Grosso.
Para saber mais e participar, visite a página da campanha no site Socio Ambiental, clicando aqui!



 

terça-feira, 13 de abril de 2010

Artesanatos de cestaria dos indios da etnia Baniwa

OS BANIWA

Uma história de resistência

Aldeia Baniwa

Os Baniwa entraram em contato com os colonizadores europeus no início do século 18. Perseguidos e escravizados por espanhóis e portugueses, boa parte da sua população foi dizimada por epidemias de sarampo e varíola, trazidas pelos brancos. Foram hostilizados e explorados por comerciantes brancos, aliados dos militares dos fortes portugueses de S. Gabriel e Marabitanas. Em meados do século 19, os Baniwa e outros povos da região protagonizaram movimentos messiânicos contra a opressão dos brancos. A partir de 1870, com o boom da borracha, foram explorados por patrões do extrativismo nos seringais do baixo Rio Negro.

No século 20, chegaram na região do Rio Negro e afluentes os missionários católicos salesianos e suas escolas civilizadoras. No final da década de 40, Sophie Muller, uma missionária evangélica norte-americana da Missão Novas Tribos, iniciou a evangelização dos Curipaco na Colômbia e chegou aos Baniwa do alto Içana. O mundo baniwa se dividiu entre católicos e evangélicos. A partir dos anos 70, os Baniwa assistiram à entrada de novos personagens nas suas terras, com a tentativa de abertura de um trecho da Rodovia Perimetral Norte, a construção de pistas de pouso para uso militar, a invasão de empresas de garimpo e a retaliação de suas terras pelo governo federal com a demarcação de "ilhas", o que eles rejeitaram.

Durante décadas os homens baniwa se endividaram com patrões extrativistas de balata, sorva e piaçava, no Brasil e na Colômbia. Desta forma, adquiriam roupas, armas de fogo e outros bens industrializados. Atualmente, a comercialização de artesanato, especialmente da cestaria de arumã e ralos de madeira, é uma das poucas fontes regulares de renda monetária.

Nos anos 90, os Baniwa começaram a se organizar em associações filiadas à FOIRN (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro), fundada em 1987.

Entre 1996/98, o governo federal finalmente reconheceu os direitos coletivos dos povos indígenas da região do alto e médio Rio Negro e demarcou um conjunto de cinco terras contínuas, com cerca de 10.6 milhões de hectares, nas quais estão incluídas as áreas de ocupação tradicional dos Baniwa no Brasil.

Onde vivem


Aldeia BaniwaOs Baniwa fazem parte de um complexo cultural de 22 povos indígenas diferentes, de língua aruak, que vivem na fronteira do Brasil com a Colômbia e Venezuela, em aldeias localizadas às margens do Rio Içana e seus afluentes Cuiari, Aiairi e Cubate, além de comunidades no alto Rio Negro/Guainía e nos centros urbanos rionegrinos de S. Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel e Barcelos (AM).

Mapa RegiãoComunidade Tucumã Rupitá, onde fica a sede da Oibi
A população baniwa atual é estimada em 12 mil pessoas, das quais cerca de 4 mil no Brasil, vivendo basicamente de agricultura especializada na mandioca brava e da pesca, em aproximadamente cem aldeias e sítios. Desenvolveram uma adaptação fina a uma região com baixa capacidade de suporte, isto é com solos ácidos e pobres, com manchas descontínuas de terra firme, separadas por campinaranas e igapós.

OS TIPOS DE CESTARIA DE ARUMÃ


Balaio waláya
cestaria na 
aldeiaOs waláya aparecem na mitologia e nos rituais de iniciação das meninas e meninos baniwa. Tradicionalmente, os meninos aprendem a fazer cestas deste tipo e ofertá-las às suas amigas rituais, ao término do período de reclusão.
Os Baniwa usam os waláya makapóko = balaios grandes, para recolher a massa de mandioca (antes e depois de espremer no tipiti) e para servir beiju e farinha nas refeições. Serve de suporte para presentear com frutas e outros alimentos.


balaioEssa cesta tigeliforme é considerada pelos artesãos baniwa a mais trabalhosa, especialmente pelo acabamento que requer o beiral (no detalhe abaixo: beiral com tira trançada sobreposta e beiral de cipó uambé); há vários tipos de acabamento: em arumã natural ou apenas raspado, sem tingimento; ou com grafismos coloridos, marchetados em uma ou nas duas faces.


O balaio pode ser utilizado como cesta para pães e frutas ou para colocar a correspondência recebida em casa, e até como embalagem para produtos cosméticos.





Urutu oolóda

urutupaneiro 
como embalagemOs Baniwa fazem esse tipo de cesta em formatos grandes, sem desenhos marchetados, para reservar massa de mandioca (antes e depois de espremer no tipiti) e também para guardar farinha, beiju e roupa.

Para comercializar, os Baniwa produzem urutus de vários tamanhos - tanto de diâmetro quanto de altura - geralmente com grafismos coloridos marchetados.

 

Peneira dopítsi


peneiraAs mulheres baniwa se orgulham das suas peneiras, objetos de uso diário que demonstram a competência artesanal dos seus maridos.

As peneiras são cestos platiformes, circulares, com talas afastadas, usadas para cernir a farinha e para transportar o beiju do forno até o jirau; suspensas por um tirante de cordas, servem como suporte para empilhar beiju seco.


peneira
Há vários tipos de peneira usados atualmente:

dopitsi peethepóko (peneira beiju fazer)

dopitsi matsokapóko (peneira farinha fazer) báatsi (peneira de talinhas muito finas de arumã, usada exclusivamente para coar suco de frutas)

ttíiroli (de formato tigeliforme, conhecida também como cumatá, usada para tirar goma da massa de mandioca e para coar bebidas, como os vinhos de açaí e patauá)

Os baniwa produzem peneiras para trocar e presentear parentes e também para vender no comércio de S. Gabriel da Cachoeira.

Fora da região do Rio Negro, a comercialização de peneiras tem encontrado mercado reduzido para exposições, decoração de paredes ou como bandeja para servir certos alimentos.




Jarro kaxadádali


JarroO termo kaxadádali , em baniwa, refere-se ao formato barrigudo, de uma cesta ou cerâmica; palavra que se aplica também às pessoas (mulheres grávidas, por exemplo) e aos animais; antigamente era feito também de cipó e usado para guardar miudezas (como bóias de molongó e iscas para pescar), ficando submerso até o pescoço.
Atualmente, os jarros produzidos para a comercialização em formatos grandes são utilizados como luminárias, porta guarda-chuva ou para colocar roupas. Miniaturizados, são usados como porta-vela e até como embalagem de perfume


trançando 
jarro


Consta que, para os Baniwa, esse tipo de cesta tem o formato do universo e é de origem baniwa, pelo menos na região do Rio Negro.



A planta usada

ArumãArumã = póapoa (bw) (Ischnosiphon spp.), da família das matantáceas; uma espécie de cana de colmo liso e reto, oferece superfícies planas, flexíveis, que suportam o corte de talas milimétricas; o colmo da planta é descascado/raspado/ariado, pode ser tingido ou mantido na cor natural; também usado com casca, que lhe confere maior resistência e uma cor pardo clara laqueada. O arumã (ou guarimã) é utilizado pelos povos indígenas amazônicos, a partir do Maranhão, onde a planta (que tem várias espécies) cresce em regiões semi-alagadas.

 

Terminologia baniwa sobre o arumã


  • póa-poa nako = arumã feixe
  • (póapoa) halépana = arumã branco
  • póapoa kántsa = arumã verdadeiro
  • oni-póapoani = arumã d'água
  • (póapoa) attíne híorhi = canela de jacamim
  • (póapoa) tolípa = arumã peludo
  • líia = clorofila da parte externa do colmo, que é raspada
  • líipee = parte nobre com a qual se trança
  • líixa =cerne usado para fazer o paneiro-embalagem e outros paneiros descartáveis
  • líixami = parte central do arumã, úmida, descartada

COMO É FEITA

 O Trançar


TrançandoTrançar é um ato solitário, que exige atenção, paciência e dedicação. A cestaria baniwa é feita com rigorosa simetria gráfica e com esmero, para durar.

Iniciar o trançado se faz com duas ou três talas. Começar com quatro rende mais, mas é considerada uma opção exagerada, utilizada em situações emergenciais.
Acabamento
O número de talas para começar o trançado é definido em função da largura das talas ou do tipo de desenho, exceto no caso da peneira.

Há nomes diferentes que definem o ato de trançar, relacionados ao número de talas utilizadas no início: dzamaita (para duas), madalitapenali (para três) e licoetakapenali (para quatro).

Se o artesão vai fazer urutu ou jarro, ele pode usar qualquer um dos jeitos de trançar. Agora, caso ele vá fazer peneira, só pode usar a modalidade dzamaita , a única que garante uma trama adequada para cernir a massa de mandioca, seja para fazer farinha ou beiju, ou para reter a borra de frutas.

Urutus e jarros com grafismos marchetados coloridos, exigem talas previamente pintadas ao meio, diferentemente de peneiras e balaios que são trançados com talas monocromáticas. Há vários tipos de trançado específicos para fazer tipiti (como, por exemplo, phitíema dente de cotia e porhe iiwi escama de jejú).

Acabamento


AcabamentoHá vários tipos de acabamento das cestas de arumã, com o uso de cipós e amarrilhos naturais. Os mais comuns para se fazer os aros são:

O heemáphi (espinha de anta), um tipo de árvore-cipó

O cipó titica (Heteropsis aff. spruceana Schott) ou (Heteropsis af jenmani Oliv.), dapikántsa, epífita da família das Aráceas, empregada também para fazer aturás e peneiras;

Trançando
O cipó uambé (ou Ambê-Açu) = okána, cipó-trepadeira (família das Aráceas) que se enrosca em árvores de até 50 metros de altura com diâmetro de 2 cm, uma vez descascado, é usado para fazer os aros de contorno da borda das apás.

Os amarrilhos são feitos de curauá (Bromelia morreniana (Regel) Mez), heríwai pokoda, planta de roça da qual se extrai a fibra (heriwaíkhaa). Uma vez torcida é utilizada para fazer cordas e, passada no breu, para fazer linhas para pescar e fios para amarrar o acabamento das apás e urutus. O breu máini é uma resina coagulada no tronco de várias espécies de Burceráceas, misturada com carvão, é empregada para endurecer e dar durabilidade ao fio de curauá.


Acabamento de 
balaioHá vários tipos de acabamento das cestas de arumã, com o uso de cipós e amarrilhos naturais. Os mais comuns para se fazer os aros são:

O heemáphi (espinha de anta), um tipo de árvore-cipó

O cipó titica (Heteropsis aff. spruceana Schott) ou (Heteropsis af jenmani Oliv.), dapikántsa, epífita da família das Aráceas, empregada também para fazer aturás e peneiras;

O cipó uambé (ou Ambê-Açu) = okána, cipó-trepadeira (família das Aráceas) que se enrosca em árvores de até 50 metros de altura com diâmetro de 2 cm, uma vez descascado, é usado para fazer os aros de contorno da borda das apás.

Os amarrilhos são feitos de curauá (Bromelia morreniana (Regel) Mez), heríwai pokoda, planta de roça da qual se extrai a fibra (heriwaíkhaa). Uma vez torcida é utilizada para fazer cordas e, passada no breu, para fazer linhas para pescar e fios para amarrar o acabamento das apás e urutus. O breu máini é uma resina coagulada no tronco de várias espécies de Burceráceas, misturada com carvão, é empregada para endurecer e dar durabilidade ao fio de curauá.





COMO É UTILIZADA

As mulheres usam


mulher 
preparando a farinha de mandiocaAs mulheres baniwa usam cestaria de arumã na roça e, sobretudo, na preparação dos alimentos à base de mandioca.

Arrancar, transportar, lavar, descascar, ralar para fazer a massa, peneirar e preparar a comida, atividades de mulher. À tradicional cestaria de arumã e aos ralos esculpidos em madeira com pedrinhas incrustadas se juntaram o forno de ferro, bacias e panelas de alumínio, compondo a tralha contemporânea e indispensável da culinária baniwa, baseada no peixe e nos derivados da mandioca brava: mingaus (kamorikaa), beijus (peéthe) e farinhas (matsoka).
A produção artesanal feminina de utensílios domésticos resume-se tradicionalmente à cerâmica (largamente substituída hoje em dia por objetos de alumínio e ferro) e às cuias.

As roças de mandioca


Diariamente as mulheres baniwa das dezenas de aldeia do alto Içana e Aiari vão às suas roças arrancar raízes de mandioca brava (káini) para transformá-las em comida, aos costumes. Jornada duríssima. Levantam de madrugada, preparam mingau, servem aos filhos e aos maridos, apanham terçado e aturá (tsheeto) e seguem para a roça (kenike), a pé, de canoa.

Arrancar as raízes é tarefa especialmente pesada quando se trata de uma heéñami, roça velha, já encapoeirando. Mais fácil no caso de uma maaleri, roça madura ou walikawaire, roça nova.

Houve tempo, no começo do mundo, quando Kaali andava na terra, que as mulheres não sofriam no trabalho da roça e processamento da mandioca. Bastava marcar terreno e surgia uma roça. Bastava fazer o aturá e deixá-lo na roça a caminho do igarapé para se banhar, que ele ressurgia na comunidade, lotado de mandiocas já descascadas! As mulheres só faziam imaginar e tudo acontecia nos conformes, até mesmo beiju pronto para comer. Hoje os mais velhos ainda lembram das frases certas, orações evocativas para esses verdadeiros milagres. Mas a curiosidade dos humanos – que tentavam desvendar o que se passava nas roças de Kaali - estragou tudo e, aos poucos, foram sendo castigados, perdendo os privilégios, condenados a trabalhar duro. Os homens pagaram primeiro e houve um tempo em que a eles cabia o trabalho da roça e do processamento da mandioca. Dizem que foi nesse tempo que os homens ficaram com a parte interna do braço chata, de tanto raspar mandioca.

Mas o herói ancestral baniwa retomou a ordem, e a divisão sexual do trabalho foi instituída. No tempo de verão – de dezembro a março - derrubar e queimar, trabalho masculino; plantar e limpar, coletivo. Tudo que vem depois de nove meses, quando as raízes já estão maduras, é por conta das mulheres.

A lida da mandioca - das roças aos alimentos - toma a maior parte do tempo da vida das mulheres baniwa. Exige enorme esforço físico e habilidade.
Colhendo
Com a mandioca fazem farinha e beijus, indispensáveis na alimentação baniwa.

Nas roças baniwa há grande variedade de mandiocas bravas, derivadas da árvore ancestral (kaalika ttaadap), que Kaali deixou na terra, antes de partir. Derrubada pelos filhos do trovão, seus galhos foram levados, originando a diversidade de plantas úteis que os baniwa conhecem.



Somente nas roças situadas na área de domínio da comunidade de Tucumã-Rupitá, no alto Içana, por exemplo, foram relacionadas cerca de 60 variedades. Cada uma tem nome próprio: aalidalíke (tatu), awiñáke (uacu), daapáke (paca), dapike (cipó), dopalíke (araripirá), dzamolitoke (caitetu), dzaapáke (tucunaré), dzaawatóke (acará), dzaike (?, tipo grilo), dzeekáke (seringa), dzoottalike (jacundá preto), eeritoke (acará), guenieroke (guainia), hemalíke (abiu), heemahiwidake (cabeça de anta), hiiniríque (ucuqui), hiipadáke (pedra), ipohiwidake (cabeça verde), iikolíke (cabeçudo), iitsíke (guariba), iirakawanake (braço vermelho), itsidáke (jabuti), kabike (peito de gente), kamheróke (cucura), kapíwali (macaxeira), kedehakeke (?, de sujo), keeríke (lua), keniki-ikínarke (?, espelho), kerekeréke (periquito), kettinalike (jacundá), koliríke (surubim), kowaidake (tipo de castanha), kumaruke (cumaru), liewhéke (ovo de cabeçudo), maapake (cana-de-açúcar), moóneke (mamangaba), manakheke (açaí), mapharáke (pirarara), mheettike (goma, tapioca), ñamaroke (arraia), omaíke (piranha), palanáke (banana), parawitsike (pirapucu), patipitike (? sombrancelha), pidooke (lontrinha), pirimítsike (samaúma), piipiríke (pupunha), ponámake (patauá), pooperike (bacaba), taalíke (aracú), waarhéke (uará), wadólike (pirarucu), waliitshíke (mucura), entre outras.

A farinha de mandioca


Massa misturada com diferentes doses de mandioca mole ou puba (que ficou de molho no igarapé fermentando por uma semana), passando pelo tipiti e pela peneira, vira beiju ou farinha. Tem peneira para farinha(oropema), mais aberta e peneira para beiju (dopitsi). Beijus e farinhas se assam em grandes tachos de ferro, com fogo de lenha leve, usando abano de arumã para virar.

Com pouca massa mole fermentada adicionada à massa fresca o beiju fica doce (poottidzaite); se a dose for maior, ficará azedo (kamaite). Para as crianças bem pequenas, faz-se molhoiwa, beiju de pura mandioca amolecida na água, mandioca d’água. A massa fresca logo depois de ralada, se não vai pro tipiti, pode ser lavada com água usando um cumatá, peneira de trançado bem cerrado; a mistura fina cai numa bacia onde decanta: embaixo a goma, em cima o líquido venenoso. Goma pura, bem seca e peneirada, vira farinha de tapioca, curadá, tapioquinha. O líquido bruto da mandioca brava ralada (kainia) tem veneno, que evapora depois de duas horas de fervura, transformando-se em kainia pomakadali, adocicado. Pode ser engrossado com goma ou receber a mistura de batatas, bananas, caroço de umari ou uacú. Adicionando-se farinha, vira um chibé especial. Chibé é qualquer mistura de farinha com água, complemento obrigatório depois de uma refeição, refeição mínima, oferecimento de boas vindas.

Goma misturada com massa fresca serve para fazer beijusespeciais (mheetthiwa), adicionando-se vários ingredientes, como a castanha uará e o caroço de umari.

Há vários tipos de acabamento para os beijus. Patsimeete é um beiju fresco, mole, que permanece assim por um dia e depois fica mais duro (marameete). Mas o beiju pode sair direto do forno para secar sob ação direta do sol, num girau ou nos telhados de palha de caranã das casas, transformando-se em tarhewali, que pode durar até dois meses, modalidade apropriada para viagens longas, como as que os homens baniwa que vivem no Brasil fazem na safra da piaçava na Colômbia, por exemplo.
Extraindo 
manicoera

Para extrair a manicoera da massa ralada, os Baniwa usam o cumatá ttíiroli, um cesto-coador redondo e grande, trançado de talas de arumã com as malhas bem cerradas, apoiado num tripé de varas. Do líquido coado resulta a tapioca méenthi, um polvilho que decanta no fundo do pote, e a manicoera, que deve ser fervida pelo menos por duas horas até ser liberado seu sumo venenoso. Outro utensílio adotado para o mesmo fim é o tipiti. Para esfarinhar a massa seca no tipiti, usam peneiras trançadas em arumã raspado, com malhas abertas.



Tratamento 
massaA massa peneirada vai ao forno para torrar farinha ou assar beijus, com o apoio de grandes abanos de arumã. Os balaios e urutus de arumã servem para reservar a massa da mandioca seca.








Transportar


carregando a
 canoaTransportar a cestaria de arumã das comunidades do alto Içana até Manaus é uma enorme dificuldade e pode levar até duas semanas.

transporte 
da aldeiaA OIBI, associação indígena do Içana, tem uma canoa grande íita mákali, regionalmente denominada bongo, com um casco de loiro escavado de 14 metros e cobertura de folhas de caranã. Essa embarcação, com seis tripulantes, tem capacidade para transportar cerca de cem dúzias de urutus.
Na data marcada com antecedência, os dirigentes da Associação usam esse bongo, movido a motor de popa de 15 HP, para visitar as comunidades e recolher a produção.


Bongo da 
Foirn

Fonte: Arte Baniwa