Texto foi aprovado há quase 5 meses na Câmara por 7 votos de diferença.
Em debate no Senado, é muito difícil que seja aprovado até dezembro.O secretário (ministro) de Energia dos EUA Steven Chu e o presidente Barack Obama dão entrevista sobre a proposta de lei de energia limpa (Foto: AFP/Saul Loeb - 29 de junho de 2009)
Em uma iniciativa inédita no Legislativo americano, a Câmara dos Representantes dos Estados Unidos (o equivalente à Câmara dos Deputados no Brasil) aprovou no dia 26 de junho por 219 votos contra 212 uma lei climática que estabelece limites para emissões de gases-estufa e cria um mercado nacional de créditos de carbono. Ela fora apresentada pelos democratas no dia 31 de março.
A aprovação foi vista como uma vitória do presidente Barack Obama, que “vendeu” as medidas como necessárias para limitar o aquecimento global e reduzir a dependência americana do petróleo importado. (Certamente, para o público interno é o segundo objetivo que sensibiliza mais. Em relação ao aquecimento global propriamente dito, pesquisas recentes indicam que os americanos acreditam cada vez menos em sua existência.)
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Convencer sobretudo um americano a mudar seu padrão de consumo de energia não é uma tarefa trivial"
Pelo raciocínio que coloca a aprovação da lei americana como condição para que a Conferência do Clima tome decisões efetivas sobre mudanças climáticas, se os EUA, com todo o seu peso, não tiverem uma legislação aprovada até 7 de dezembro, quando começa a reunião em Copenhague (ou no mais tardar até o dia 18, quando ela termina), ninguém vai se comprometer com nada.
Mas o pior é que, na avaliação de ambientalistas, as normas que têm demandado tanto trabalho de convencimento e criado tantas expectativas são inócuas. Quando o projeto de lei foi aprovado na Câmara no final de junho, a ONG Greenpeace avaliou que, para evitar os piores efeitos do aquecimento global, o corte de emissões nos EUA teria de ser de 25% a 40% até 2020 em relação aos níveis de 1990. Pelas contas apresentadas à época, o corte de 17% sobre 2005 equivale a uma redução de apenas 4% sobre 1990. Vinte porcento é um pouco melhor que isso, claro, mas continua um número tímido, no final das contas.
“Precisa ser mais que isso”, avalia Pedro Dias, diretor do Laboratório Nacional de Computação Científica e professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP. “Mas já é um primeiro passo para, daqui a alguns anos, partir para redução muito mais drástica”, acredita. De fato, o próprio presidente Obama qualificou o texto, após a aprovação na Câmara, como um “primeiro passo extraordinário”.
Um grave empecilho na política interna americana é que o plano pode gerar um gasto adicional de US$ 100 por ano em energia para uma família típica americana – o cálculo, da Agência de Proteção Ambiental dos EUA, foi divulgado pelo gabinete da própria senadora Barbara Boxer. “De fato, europeus e americanos põem a mão na cabeça toda hora que vem o custo da redução de emissões. Convencer sobretudo um americano a mudar seu padrão de consumo de energia não é uma tarefa trivial”, avalia Dias, que fez doutorado em ciências atmosféricas na Universidade Estadual do Colorado na segunda metade dos anos 70. “Esse padrão mudou na década de 70, temporariamente, por causa da crise do petróleo, que encareceu muito o combustível. Conclusão: você só consegue alguma coisa por meio da pressão econômica.”
Uma das principais disposições da proposta é a instauração de um regime batizado de “cap and trade”, de limitação de emissões combinada à negociação de licenças em um mercado de carbono nacional. É um sistema que cria tetos de emissão mas flexibiliza seu cumprimento ao permitir que “metas estouradas” sejam compensadas com a compra de créditos de quem as cumpriu com folga. As empresas que conseguirem ficar abaixo do limite podem comercializar suas "cotas de poluição" para outras. As empresas que ficarem acima do limite podem se “redimir” comprando cotas das empresas “limpas”. A redenção, pelo projeto americano, também pode ser obtida pela aquisição de cotas de projetos limpos em países pobres ou em desenvolvimento (como preservação de florestas).
Parece racional, mas o sistema, cujo conceito geral foi originalmente desenhado no Protocolo de Kyoto, tem seus riscos. A ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, por exemplo, tem demonstrado ceticismo em relação a esse mecanismo de mercado, qualificando-o apenas como “uma adicionalidade”. Em entrevistas recentes, ela afirma que esse mercado não pode ser considerado nem fonte de renda para países subdesenvolvidos nem “escoamento de culpa” por desenvolvidos.
‘Pacote de maldades’
A lei aprovada na Câmara embutiu uma “maldade” que afeta países que exportam para os EUA e dá discurso para quem vê no debate sobre aquecimento global nada mais do que um front da disputa comercial internacional. Uma das cláusulas cria a partir de 2020 uma tarifa sobre bens de outros países que não tenham tomado providências sobre controle e redução de emissões de gases-estufa até 2018. O mecanismo é para evitar que os produtos americanos fiquem mais caros do que mercadorias produzidas sem custos ambientais. Também evitaria que indústrias pulassem dos EUA para “países sujos”, onde não haja leis de corte de emissões.
O lado bom é que, com acordo em Copenhague, os signatários estariam livres da tal tarifa americana, porque todos embarcariam no mesmo barco climaticamente correto. A lei funcionaria, assim, como instrumento de pressão para uma adesão maior. Alguns ficariam chateados porque os compromissos não foram assumidos por amor ao planeta, mas é assim que as coisas funcionam. A questão é que tanto o acordo global quanto a lei americana continuam sendo uma miragem.
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