terça-feira, 15 de setembro de 2009

CAMINHANDO COM OS KAMAYURÁS



NOSSOS
ÍNDIOS


CAMINHANDO
COM OS KAMAYURÁS




O primeiro contato com os Kumayurás foi realizado por Karl Von den Stein, etnógrafo alemão, em 1886, em companhia do seu patrício Paul Ehreinreich.
Eles visitaram toda a região da galhada formadora do Xingu,
contatando com 4 aldeias Kamayurás que lá existiam. Neste
momento, eles se encontravam em fase histórica da migração para
assentar-se na Lagoa de Ipavú. Mas foi a partir da expedição
Roncador-Xingu, nos anos 50, que se sucedeu os contatos mais
estreitos com os Kamayurás.


A aldeia era formada por
uma série de casas chamadas "malocas", dispostas
circularmente em torno do centro desta aldeia. Cada uma delas possuía
um "dono", o "hokayat", que presidia sua
construção. Em cada maloca morava uma família com todos os seus
parentes. A duração de uma casa era de 10 anos e a disposição do
povoado mudava a cada 30 anos. Quando um homem procedente de outra
aldeia se casava, tinha que viver com a família da mulher e, deveria
trabalhar para seu sogro durante vários anos.

As relações
intertribais entre os grupos indígenas do Alto Xingu era embasada nos
intercâmbios comerciais e nos casamentos. Os "Aweti" são a
aldeia que havia se especializado na produção do sal. Os "Aruák"
produziam e intercambiavam cerâmicas e os "Kalapálo"
confeccionavam os tão apreciados colares e conchas de caramujos, um
molusco que era o dinheiro oficial no Alto Xingú.



O sal era obtido de
diversas plantas aquáticas, principalmente da "uapa",
considerada um produto precioso. Para sua obtenção deve-se proceder a
secagem da planta, depois sua queima e filtragem das cinzas. Os
Kamayurás são também conhecidos pelos seus arcos de cor negra.



A base da alimentação
deste povo é a mandioca, o pescado do rio, entre eles a crimata,
corumbatas, tucumaré, tec. A dieta é complementada ocasionalmente com
banana, milho, mamão, frutos silvestres.


A vida cerimonial
Kamayurá circunscrevia ao centro social da aldeia e tinha relação
direta com o mundo dos espíritos.





MITOS E
ANCESTRAIS

A palavra Kamayurá
Moroneta designa o conjunto de explicações verbais e visuais para
explicar o nascimento de uma cultura, já que eles não  possuem
língua escrita.

Mavutsinim, foi o
primeiro homem (pai de todos os homens) criador das pessoas, dos povos,
do mundo, da serpente, do fogo e da água. Equivale a figura do Deus que
habitava o Morená, um lugar mítico. Parte da história ancestral dos
Kamayurá são comuns aos Yawalapiti e os Aruák, que chamam Wamuté
(língua Aruák) ou Kwamuati (entre os Yawalapoti) a Mavutsinim.
Mavutsinim, criou a
mulher a partir de um tronco chamado "mawu", passando uma
folha denominada "anemob" sobre o tronco e rezando. Depois
pegou um mosquito e colocou suas asas no nariz da mulher, que espirrou e
despertou. Ao ver Mawustinim que a mulher não tinha cabelo, colocou-lhe
então um cabelo comprido. O primeiro filho desta mulher chamou-se
"Ianama"e a primeira filha "Tanumakalo".

                   

Mavutsinim criou primeiro
o peixe e soltou-o na água. Depois falou com Kwat e Jal, o Sol e a Lua,
filhos da Onça, para que pescassem somente quando estivessem crescidos.
Dando continuidade a sua criação Mavutsinim criou mais água e o lago
de Morená. Os irmãos, Sol e Lua, desejavam mais pessoas e então,
Mawustinim criou mais 20 homens entre eles: Kamiyat, Kuarup, Mabu e
Kuayakaup. A partir destes troncos, se formaram as nações índias do
Xingu. Deste modo, foram criados ainda, os: Aurák, Kuikúro, Nafukuá,
Kalapálo, Machipú, Yaealapiti, Trumáe, etc., e os enviou para povoar
o mundo.


Foi também Mavutsinim
quem criou o arco convencional dos índios, o arco negro para os
Kamayurá, muito valorizado em todo o Xingu, por sua dureza e
resistência e foi quem curiosamente forneceu as armas de fogo ao homem
branco. Conta-se que tomando quatro pedaços de barro, resolveu criar as
tribos Kamayurá, Kuikúro, Waurá e Txukaha mãe. Criou também as
panelas de barro, a "borduna" (arma de madeira indígena), os
arcos brancos e negros e a espingarda.




Mavutsinim resolveu
colocar os brancos em cidades bem distantes das aldeias dos índios,
pois padeciam de muitas enfermidades e tinham armas de fogo.
Posteriormente,
fundiram-se outros elementos à mitologia Kamayurá, logo depois do
primeiro do primeiro contato com o explorador alemão Von den Steinen.
Na mitologia, todavia permanecem em Morená um homem branco e um
Kamayurá que estão sentados embaixo da água e não caminham. 


Mavutsinim criou o cavalo
para o branco e também três homens brancos, dois dos quais emigraram,
enquanto o terceiro habita o Morená montando o cavalo. Conta-se que
quando um índio tem a visão deste homem branco montado no cavalo, é
com certeza que morrerá em três dias.



"KUARUP",
A FESTA DOS MORTOS

O
PRIMEIRO KUARUP (Mavutsinim)




Mavutsinim,
desejava fazer com que os mortos voltassem à vida.



Foi
então no mato, cortou dois troncos e deu-lhes a forma de um homem
e de uma mulher, pintando-os e adornando-os com colares, penachos
e braçadeiras de plumas. Cravou-os no centro da aldeia. Preparou
então uma festa e distribuiu alimentos a todos os índios, para
que esta não fosse interrompida. Pediu aos membros da tribo que
cobrissem seus corpos com uma pintura que expressasse apenas
alegria, pois aquela seria uma cerimônia em que, ao som do canto
dos maracá-êp, os mortos iriam reviver: os Kuarups criariam
vida.

 No
outro dia a festa continuava; os índios deveriam cantar e dançar,
embora proibidos pelos pajés de olharem para os troncos. Aguardariam de
olhos cerrados a grande transformação.

 Naquela
mesma noite, as toras começaram a mover-se, as penas mexiam-se como se
estivessem sendo sacudidas pelo vento, tentando sair das covas onde
foram colocadas. Ao amanhecer já eram metade humanos, modificando-se
constantemente. Mavutsinim pediu então aos índios que se aproximassem
dos Kuarups sem parar de festejar, cantando, rindo e dançando. Apenas
os que haviam passado a noite com mulheres não poderiam se integrar à
cerimônia, permanecendo afastados do local. Um destes, porém, com
irresistível curiosidade, desobedeceu às ordens do pajé e
aproximou-se, quebrando o encanto do ritual. E os Kuarups voltaram à
sua forma original de troncos.

 Contrariado,
Mavutsinim declarou que, a partir daquele instante, os mortos não mais
reviveriam no ritual do Kuarup! Haveria somente a festa. Ordenou que os
troncos fossem retirados da terra e lançados ao fundo das águas, onde
permaneceriam para sempre.


 O
Kuarup é portanto, uma cerimônia de homenagem aos mortos, que é
celebrada um ano depois do falecimento do indivíduo. Corresponde a
festa de finados do homem branco. O nome deste cerimonial procede e um
tipo de árvore, cujos troncos representam o espírito dos mortos.


Os
Kamayarás pintam a pele e o cabelo um com corante vermelho chamado
"urucum" e outro verde, conhecido como "jenipapo",
que aplicados a pele, ali permanecem por 10 dias.



Durante o
Kuarup, necessita-se pescar grandes quantidades de peixes para
reparti-los na aldeia.



Vários
meses antes, se celebra a cerimônia de abertura do Kuarup. Para tanto,
a família do morto vai pescar por vários dias e em seu regresso,
entrega todo o pescado obtido, depositando-o no lugar onde está
enterrado o corpo, geralmente no centro da aldeia. Na noite anterior a
chegada dos pescadores, todos os homens do povoado se pintam com urucum
e jenipapo, tocam flauta "jakuí" (instrumento de quase 2
metros, formado de tubos), bebem mingau, cantam e fumam, enquanto
permanecem a espera toda a noite sem dormir. As mulheres não participam
destas reuniões.

O Kuarup é uma festa
alegre e exuberante, onde homens e mulheres cantam e dançam. Na visão
dos índios, os mortos não querem ver os vivos tristes ou feios. Kuarup
é um dia de alegria.
Depois da cerimônia do
Kuarup, os espíritos estão liberados para irem ao mundo dos mortos.


PAJELANÇA,
A ENCANTARIA AMAZÕNICA

O pajé é o xamã,
o médico, o curandeiro e o guia espiritual da aldeia. O ritual de
cura de um pajé exige uma iluminação prévia e uma viagem ao
mundo dos espíritos, para ver claramente a origem da enfermidade
e poder conversar com estas entidades. Elas, podem ter contato com
o pajé em sonhos ou através da alteração do estado de
consciência oportunizado pela ingestão de algumas ervas ou
raízes recolhidas na floresta.



Durante o ritual
terapêutico, o pajé reza e fuma ao mesmo tempo, baforando a fumaça do
tabaco sobre o corpo do doente. Enquanto
isto sustenta em uma das mãos o maracá, cujo ruído assinala a
aproximação do espírito. O pajé pode alcançar o transe fumando e
hiperventilando continuamente, o que lhe provoca visões que lhe
direcionam para compreender os atos estranhos que se sucedem na aldeia,
ou para predizer sucessos e insucessos.


O
pagamento do pajé vai depender do prestígio que ele possui na
comunidade da qual faz parte. Habitualmente recebe como paga um colar de
conchas de caramujos muito valorizado, considerado como pedra preciosa
entre os índios do Xingu. Mas, normalmente, é elevado o preço dos
tratamentos praticados pelos pajés mais afamados, ficando totalmente
inacessível para os índios mais pobres, que procuram então, a
medicina branca gratuita para curar seus males.





A
pajelança é um ato-ritual de cura, levada á cabo por vários pajés.
Nestas ocasiões eles se reúnem para fins curativos ou cuidar da
realização de um feitiço que beneficie todas as comunidades
participantes do evento.


A
crença da pajelança é assentada na figura do encantamento, ou seja,
é um culto á encantaria. Encantados são os seres invisíveis que
habitam as florestas, o mundo subterrâneo e aquático, regiões
conhecidas como "encantes". Os pajés servem de instrumentos
para a ação dos encantados. Para tornar-se pajé, o indivíduo
precisar ter um dom de nascença ou "de agrado"
(adquirido). 

Os
pajés Kamayurá estabeleceram um sistema de saúde baseado na magia,
transmitido oralmente e na utilização de plantas tradicionais. 

O
velho pajé Sapaim é o pajé mais conhecido dos kamaiyrás. Ficou
famoso em 1986 por tratar do naturalista Augusto Ruschi. Hoje ele mora
em Brasília e sua família é mantida pela FUNAI.


NOSSO
ÍNDIOS, ETERNOS ITINERANTES 



Nosso índio era dono
deste pindorama imenso, ele dispunha a seu talante das águas dos rios,
da caça das matas, das praias  de  areia alvíssimas, onde
alegremente colhia a pitanga, o caju e o cardo. Ele que, enfim, na busca
da alimentação para a sua sobrevivência, ou na guerra continuada com
tribos vizinhas, sentia-se livre e feliz, agora cabisbaixo e triste,
caminha quilômetros e quilômetros, para reclamar, seja por intermédio
da imprensa ou das autoridades competentes, terras e subsídios com os
quais possa obter, com o suor do rosto, o pão de cada dia. Hoje, o
campeador de outrora, encontra-se despojado de suas terras e já não
tem palmo de chão para lavrar.

O indígena que
aproximou-se do homem branco, atraído por seus utensílios e
instrumentos que lhe facilitavam o trabalho na luta pela vida, vê-se
agora nas garras da fome, numa agonia intérmina, sem ter ninguém para
protegê-lo.

RESISTIR
É EXISTIR..

Em contato com o branco,
o índio levou uma formidável queda moral. Seus sentimentos mais
sublimes descambaram para o instinto de sobrevivência e tiveram que
lutar bravamente contra os invasores de seus rincões. Pouco a pouco,
foram compreendendo que era inútil lutar... Acabaram entregando-se aos
lusitanos, como boi que procura, voluntariamente, a canga da pesada
viatura. Outros, entretanto, campearam pela liberdade, enfrentaram
então, a selva intrincada com todos os seus demônios e deuses e,
quando não morriam na áspera viagem, foram se organizando em novos
aldeamentos no âmago do sertão. Estes indígenas, que viveram longe da
civilização, mantiveram intactas todas as qualidades de bravura,
agilidade e independência.


O homem branco, em nome
do progresso e da civilização, tem cometido um certo etnocídio somado
a uma irreversível devastação dos ecosistemas.


Depois de longos ciclos
de amarga humilhação e exploração desapiedada é compreensível que
surjam correntes que consagram uma apologia ingênua das coisas
indígenas antes da chegada dos conquistadores portugueses. Hoje,
estamos conscientes que há uma necessidade de se reconhecer a realidade
inexorável de uma sociedade multinacional e pluricultural associada à
bondade dos valores universais. O caminho promissor é aceitar a
diversidade dentro de uma unidade. A senda presente poderia ser descrita
como tolerar-se e respeitar-se, assim como entender o todo. Pelo menos
se deseja que acabe a pretensão de se impor a força à civilização
dos brancos aos índios.
     

Bibliografia


AGOSTINHO,
Pedro. 1974. Kwarìp: Mito e Ritual no Alto Xingu. São Paulo:
EPU e EDUSP.
AGOSTINHO,
Pedro. 1974. Mitos e outras narrativas Kamayurá. Salvador (UFBA
(Coleção Ciência e Homem).

BASTOS,
Rafael José de Menezes. 1983. "Sistemas políticos, de
comunicação e articulação social no Alto-Xingu". Anuário
Antropológico
/81: 43-58.
SAMAIN,
Etienne. 1991. Mononeta Kamayurá: mitos e aspectos da realidade
social dos índios Kamayurá (alto Xingu)
. Rio de Janeiro: Lidador.
VIERTLER,
Renate Brigitte.
1969. Os Kamayurá e o alto Xingu: análise
do processo de integração de uma tribo numa área de integração
intertribal
. São Paulo: USP (Publicação do Instituto de Estudos
Brasileiros, 10).