quarta-feira, 30 de dezembro de 2009
terça-feira, 29 de dezembro de 2009
Jessier Quirino - Um poeta do povo matuto
Paraibano de Campina Grande, o poeta, músico, arquiteto, declamador, Jessier Quirino diz que não se considera um estudioso, apenas um "prestador de atenção". Arquiteto por profissão, poeta por vocação e matuto por convicção, como ele mesmo se define, vive subindo nos palcos de todo país, para apresentar sua poesia declamada e os causos matutos.— Costumo dizer que, pra essas coisas das artes, sou eu e a torre de Pisa: sempre tive inclinação. Tirando as várias modalidades de desenho, que estudei até minha graduação em arquitetura, nunca tive nenhuma formação em artes. A poesia, a música, a literatura, a força cênica, tudo isto, veio aos poucos-pouquinhos e pelas beiras como quem come papa quente. Desde rapazote fazia isso muito à vontade, sempre imprimindo minha marca pessoal: Ou seja, declamava com uma manteiguinha a mais. Era a arma que eu usava para me impor diante dos colegas, aliviando toneladas de timidez. Os livros, que hoje já somam dez, resultaram da sua paixão pela literatura aliada à cultura nordestina. — Para os meus versos caseiros nunca pensei em encadernação livresca. Somente em 1996 publicamos o primeiro livro "Paisagem de Interior" pelas Edições Bagaço. Tive uma crítica positiva do jornalista Mário Hélio, do Jornal do Commércio, profissional criterioso, e talvez tenha sido este o "lá vem ele!" para que o público leitor atentasse para a chegada de um matuto palavreiro das bandas da Paraíba. Não esperava que minhas costuras literárias, de agulha ferrugenta, fossem ter a repercussão que tiveram. Sobre o papel da sua obra na afirmação da cultura popular, Jessier é modesto: — Venho fazendo uma poesia campeira, digamos, respeitosa às nossas tradições e de forma renovada; além, claro, de outros ensaiozinhos poéticos, músicas e textos com uma marca muito pessoal. O fato é que, de uma hora pra outra, vi minha casinha de duas águas entre mansões literárias e sendo discutida em roda acadêmica, sala de aula, e eu próprio defendendo a causa a golpes de declamações por todo o país, em teatros, saletas e salões. Percebo, entre os ouvintes, um sentimento de ser sua própria voz embutida num poema, num causo, num gesto e isso aumenta minha carga de responsabilidade. Penso, talvez, que seja mais uma bandeira hasteada em defesa das nossas riquezas matutas, ressaltando que sigo apenas remedando e, ao meu modo, a fala dos grandes mestres: Zé da Luz, Catulo [da Paixão Cearense], Patativa [do Assaré], Zé Laurentino, José Lins do Rego, Gonzaga, Jackson, Sivuca, Jacinto Silva, Elino Julião, Manezim Araújo, Jararaca e Ratinho, repentistas, entre tantos outros . Jessier se empolga e se emociona ao citar esses artistas populares, que ele tem como "verdadeiros símbolos da nossa resistência cultural". — Muitos desses mestres resistiram, cada um à sua maneira, às respectivas barreiras e "senões" impostas às suas obras, e nós vamos juntos. Acredito que ainda há certa resistência em alguns setores intelectualizados, com relação a essa coisa do dialetal matuto, a palavra plebéia, a deformação gramatical. No entanto, outras tradições populares, como o cordel (que não é necessariamente matuto) no meu entender, são bem respeitadas. No meu caso específico, há um elemento que quebra um pouco este ranço preconceituoso: é a presença de palco e a força declamatória. Em algumas situações, em território solene, antes de um recital, a platéia me recebe com feição de Rui Barbosa e no final me dá um abraço de cumpade. Referindo-se aos poetas do povo, o poeta que fez ressurgir com muita força a arte declamatória em palcos pelo país inteiro, diz: — Diferentemente do que possa lembrar, a poesia dita popular não é necessariamente algo simplório ou menos erudito. Talvez seja a que o povo elege como seu. Nessa ótica, podemos considerar Manuel Bandeira, Carlos Drummond, Vinicius de Morais e até mesmo Augusto do Anjos, de tão cantados e decantados, como sendo poetas populares. Imagino que é feito caminho de praça: o povo escolhe por onde quer passar, não necessariamente seguindo a trilha das pedras e a coisa vai por gravidade . A obra de Jessier Quirino retrata com humor e lirismo a vida simples do povo nordestino. Povo que está no centro de todas as suas atenções e preocupações. — Tenho percebido que aqueles que têm raízes interioranas e estão fora de suas bases por questões várias, estão com o sentimento de nordestinidade e suas almas matutas no patamar das alturas. O nosso artesanato, a nossa cachaça, a culinária etc., estão sendo estampados e respeitados em todo mundo. Observo, no entanto, que, por falta de uma boa educação, de conhecimento dos seus próprios valores, os verdadeiros matutos ficam um pouco à margem dessa trilha de auto-estima. Consomem, sem orientação pedagógica, um lixo cultural da pior espécie, impostos por uma mídia cada vez mais invasiva. E aí vai uma grande parcela dos jovens citadinos como agentes contaminadores e também consumidores desorientados. Acho que falta educação, para que possamos, definitivamente, destravar estes dois torcicolos imbecilizantes, que obrigam a olhar, um para o cristal importado, o outro para o lixo nativo, esquecendo a nobreza do barro de que somos feitos. Livros e discos na estante do poeta nordestinoJessier nasceu em Campina Grande, passa uns dias em João Pessoa e o resto do mês em Itabaiana, onde fixou residência desde 1983. Hoje consagrado de norte a sul e de leste a oeste do país como um dos mais dignos representantes da cultura popular nordestina, tem especial interesse na causa poética e na tradição oral do seu povo. Com uma presença de palco marcante e uma extraordinária memória, Jessier conquistou o público e a crítica dos lugares por onde passou.Jessier publicou, pelas Edições Bagaço, os livros Paisagem de interior, Agruras da lata dágua (poesia), O chapéu mau e o lobinho vermelho (infantil), Prosa morena (poesia), Política de pé de muro (folclore político popular), Bandeira nordestina e Berro Novo, além dos CDs Paisagem de interior 1 e Paisagem de interior 2. Prosa morena, Bandeira nordestina e Berro novo vêm com um CD encartado. Faça um fogão de quatro tijolos, ferva um caneco de café, sinta o cheiro da poesia, cutuque as oiças com o mindinho e bote o pau pra fuxicar — convida o autor. |
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Poetas e Poesias
Xondaro — A arte marcial dos guaranis
As grandes questões sobre a vida guarani — enigmas que atraem e fascinam — ainda não conseguiram ser respondidas de maneira aceitável A técnica propicia uma eficiência tal que, segundo os guaranis, os antigos guerreiros Xondaro conseguiam agarrar flechas em pleno vôo. Assim como a capoeira, que pode exercer a função de luta ou de dança — conforme as circunstâncias —, a Xondaro também possui um papel múltiplo. Luta, dança e canto. Porém, como música e dança, a Xondaro está totalmente integrada às experiências religiosas xamânicas, aparentemente não sendo exercitada isoladamente como folguedo. Guardiões da aldeiaO guarani Timóteo Verá Popyguá prestou um depoimento sobre o assunto, em 1998, que foi incluído no CD Memória Viva Guarani (Ñande Reko Arandu).Contou ele que os guaranis são iniciados na Xondaro — que ora ele identifica como dança e ora como exercício guerreiro — desde pequenos. E que o objetivo é desenvolver o equilíbrio do corpo e a saúde. Explicou que o principal treinamento “hoje em dia” envolve o ato de desviar-se (Obs: não esclareceu se antigamente o método centrava-se em outro ato). A antropóloga Deise Lucy Montardo pôde assistir a alguns desses treinos nas aldeias que visitou para elaborar sua tese de pós-graduação na USP, Através do mbaraka: música e xamanismo guarani.“No ritual observa-se um comportamento que remete, de nosso ponto de vista, à noção de artes marciais. Um dos treinamentos mais significativos efetuados nos rituais guaranis é o aprender a ‘desviar-se’ em danças/lutas. O comportamento de não se contrapor, característico dos Guarani, é trabalhado corporalmente”, relatou ela. Popyguá falou também da grande utilidade e eficiência da técnica no que se refere ao aprimoramento dos sentidos, da agilidade, do senso de direção — extremamente necessários para a vida na mata. Disse que o reflexo do guerreiro possibilitava a ele agarrar flechas no ar. Referiu-se também ao fato de que os praticantes da Xondaro são guardiões das aldeias e também dos rituais xamânicos, agindo como uma espécie de soldados da chamada casa de reza, bem como assistentes dos pajés. (...) O menino começa a dançar, começa a frequentar esta dança. Ele tem seu próprio equilíbrio no seu próprio corpo. Xondaro, hoje em dia, a gente pratica mais para desviar, para dançar, para ter equilíbrio e para ter saúde. A prática do Xondaro é comum entre os guaranis. Todas as noitesAs pessoas que vêem os guaranis vendendo artesanato nas calçadas sujas das cidades ou na beira das estradas, com suas roupas maltrapilhas, seu jeito tímido e encolhido, os olhos baixos, sua fala que é mais silêncio do que palavra — aparentemente conformados com um suposto destino trágico e inexorável — possivelmente não imaginam a força e a vitalidade espirituais que ainda restam a esses brasileiros originais.As pessoas não conjeturam a vontade de viver e a resistência à opressão que são refletidas em inúmeros aspectos de seu cotidiano nas ocas. Um desses aspectos é o ritual noturno. Pouca gente sequer sonha o que é uma noite numa aldeia guarani. Todos os dias, geralmente a partir das 4 da tarde, durante cerca de quatro horas — às vezes prolongando-se muito mais, indo até o nascer do sol — eles dançam, cantam, oram, curam. E executam a Xondaro. Principalmente como dança e música. O rito xamânico diário é denominado de purahéi pelos subgrupos mbyá e chiripá e de jeroky pelos subgrupos kaiová e nhandeva. Ali a Xondaro (ou Sondaro, como se escreve às vezes) aparece primeiramente como um exercício baseado no movimento de certos animais. “Sobre o Sondaro, (a antropóloga Maria Inês) Ladeira afirma que seu intuito é o aquecimento, isto é, esquentar o corpo para as rezas noturnas e proteger a opy; e que sua coreografia segue o princípio de três pássaros: o colibri (para aquecimento do corpo), o gavião (para evitar que o mal entre na opy) e a andorinha, cuja coreografia é uma luta onde um deve ‘derrubar’ o outro com os ombros ou esquivar-se de um possível tombo (para fortalecer os sondaro contra o mal)” — diz Deise Montardo em sua tese. Defesa também contra balaQuando se assiste a essas danças guaranis, de acordo com a antropóloga, “a associação com a noção que temos de lutas marciais é imediata. É comum a várias artes marciais a mimese de animais. No tai-chi, por exemplo, a maioria dos movimentos tem nomes de atos dos animais.”E prossegue: “Nestas danças/lutas, segundo (Ivori José) Garlet, quando dançadas dois a dois, a região a qual objetivam acertar é a dos ilíacos, ossos da bacia. Nas danças em roda, o yvyra’ija — o dançarino/guerreiro xondaro, ajudante do xamã— vai passando o popygua (instrumento composto por duas varas amarradas) por baixo dos pés das pessoas que vêm em sentido contrário, aumentando, aos poucos, a sua altura em relação ao chão.” Arthur Benite, guarani da aldeia do Morro dos Cavalos, em Palhoça (SC), contou à antropóloga que os mestres Xondaro, se treinam bastante, conseguem “se negar até de bala”, ou seja, defendem-se até de tiros. Segundo Benite, um dos treinamentos é feito no ritual noturno, quando o mestre fica no meio do círculo e chama um por um, da direita para a esquerda, para dançar. Agilidade, esperteza e alegriaCandida Graciela Chamorro Arguello, no artigo O rito de nominação numa aldeia mbyá-guarani do Paraná, publicado na revista Diálogos, da Universidade de Maringá (PR) deu mais detalhes sobre a prática Xondaro num ritual noturno:“Quase toda a aldeia já estava reunida em frente da casa de reza (opy), no início da tarde; os xondaro, porém, iniciaram sua dança somente às 15 horas. A dança iniciou-se ao som do violino de três cordas. Os integrantes se posicionaram em círculo. Embora mais suaves, seus movimentos lembravam a capoeira afro-brasileira. Os dançarinos alternavam o apoio de seus corpos sobre cada uma das pernas. O tronco era levemente inclinado ora para frente, ora para os lados, ora para trás. O corpo demonstrava a versatilidade de seus membros. Os braços, as pernas, o tronco, a cabeça, os ombros, com muita leveza, eram dirigidos em direção ao alvo: o corpo do outro. Semelhantemente, com a mesma destreza, cada xondaro tentava evitar que seu corpo fosse alcançado pelo ataque daquele que era seu ‘inimigo’. Os xondaro são homens (meninos, adolescentes e adultos) treinados fisicamente para a luta. (...) No relato de alguns, antigamente, esta dança era uma preparação para defesa, em caso de ataque dos brancos (jurua), por isso alguns traduzem o termo por ‘dança física’. (...) Ela desenvolve as crianças, tornando-as ágeis (irari) e espertas (imba’e kuaa), além de alegrar e divertir (ombovy’a) toda a comunidade. Indagados sobre a possibilidade desta dança ter sido aprendida de outros povos indígenas ou dos brancos, os Mbyá-Guarani de Palmeirinha são categóricos em afirmar que não. (...) Durante a dança, o líder do grupo enfrentou várias vezes o desafio dos dançarinos. Estes, um por um, sem sair do círculo, aproximavam-se dele e iniciavam uma luta corporal nos passos da dança. A dança foi ficando mais interessante, como se em cada gesto progredisse uma narrativa. O líder esquivava-se com facilidade dos movimentos que procuravam alcançá-lo. Nesse sentido, a dança dos xondáro se assemelha a um folguedo, cuja trama consiste em o líder se manter intocado, em ele não ser ‘ferido’. Assim, a dança se prolongou por quase três horas, incluindo algumas pausas. Nesse tempo, todos os que faziam parte do ritual demonstraram ser detentores de resistência e equilíbrio corporal (...)” Os ilustres desconhecidosQuando se defronta com fenômenos tão ricos como a Xondaro torna-se fácil constatar — como o fazem diversos antropólogos, etnógrafos, historiadores e arqueólogos — que parte notável da tradição indígena, tão vasta e complexa, ainda não foi devidamente estudada, compreendida e divulgada.Mesmo as culturas exaustivamente inventariadas, como a guarani, ainda constituem um desafio aberto. Egon Schaden, um dos maiores pesquisadores da temática guarani, costumava pregar que “é necessário se destruir o mito de que a sociedade Guarani já é bastante conhecida e se insistir na urgência de se retomar o estudo dessa cultura (...)”. Outro nome de grande expressão, o paraguaio León Cadogan, também dizia que os guaranis são tão conhecidos que até pareceria supérfluo um estudo a seu respeito. Porém, advertia ele, “este conhecimento é muito superficial”. O antropólogo Aldo Litaiff, da Universidade Federal de Santa Catarina, concorda com Cadogan: “Esta situação (de superficialidade) persiste atualmente”. O etnógrafo Bartomeu Meliá, talvez o maior investigador vivo da cultura guarani lamenta que “as grandes questões sobre a vida guarani — enigmas que atraem e fascinam — ainda não conseguiram ser respondidas de maneira aceitável.” Diversos fatores concorrem para essa realidade, mas o principal deles é a prática costumeira das classes dominantes de tentar ser sempre a escritora exclusiva da História, só estimulando estudos de temas que lhes interessam. E sob o enfoque que lhes interessa. Na outra ponta está o ressabiamento justificado do índio, que cansado de ser explorado e desprezado, ergue a cabeça com dignidade e se fecha em copas, preferindo não expor nem a si e nem a seus conhecimentos àqueles que nunca o ouviram com respeito. Afirma Meliá: “O rosto Guarani, deformado pelos preconceitos e multiplicado de mil formas pelos interesses dos tempos e das situações, que para os Guarani nunca deixaram de ser coloniais, esse rosto Guarani nega-se a aparecer e refugia-se numa palavra não escutada pela nossa sociedade, numa palavra que ele guarda no segredo de sua casa, no seu opy e no íntimo de suas entranhas”. |
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domingo, 27 de dezembro de 2009
Presidente Lula homologa mais de cinco milhões de hectares de Terras Indígenas
O Presidente Luis Inácio Lula da Silva assinou, na manhã desta segunda-feira, 21/12, a homologação de nove Terras Indígenas (TI). O ato aconteceu durante a cerimônia de lançamento do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) e entrega do Prêmio Direitos Humanos 2009, no Palácio do Itamaraty. São mais de 5,1 milhões de hectares de florestas brasileiras preservadas como Patrimônio da União. Cinco TI’s estão localizadas no estado do Amazonas, duas no Pará, uma em Roraima e uma no estado do Mato Grosso do Sul. “Por mais que eu faça pelos povos indígenas, a dívida é histórica pois não há quantidade em dinheiro que pague; só pode ser revertida por meio de atitudes e gestos”, enfatizou Lula em seu discurso. Com o ato, aproximadamente sete mil indígenas de 29 etnias, além dos indígenas de recente contato e isolados, foram beneficiadas quanto ao reconhecimento dos seus direitos e o respeito aos usos, costumes e tradições indígenas. A desocupação de uma terra para o povo Tuxá, do estado da Bahia, também foi assinada.
A homologação é a penúltima etapa do reconhecimento de uma terra indígena, faltando apenas o registro em cartório. O Brasil tem hoje 663 Terras Indígenas entre homologadas, declaradas, delimitadas e em estudo, somando 107,618 milhões de hectares, o equivalente a 12,5% do território nacional.
Entre as TI’s homologadas, destaca-se Trombetas Mapuera, com quase quatro milhões de hectares de floresta amazônica, que será mais protegida e preservada. A garantia do uso da terra, que é de usufruto dos indígenas, também assegura a valorização do patrimônio cultural indígena e promove seus costumes tradicionais. Para o presidente da Funai, Márcio Meira, é importante lembrar que a cultura material e imaterial está ligada diretamente à terra: “para que os povos não esqueçam suas músicas, danças, comidas e artesanatos; que não esqueçam dos antepassados e da sua língua. Para que os mais novos escutem os mais velhos, que mantenham a tradição e o conhecimento antigo, aliado aos novos conhecimentos. Para sempre manter firme a memória dos povos indígenas. É isso que garante a terra aos indígenas, conforme previsto e reconhecido pela sociedade brasileira, na Constituição Federal”, destaca Meira.
Demarcação de Terra Indígena
Os processos de demarcação de uma Terra Indígena podem levar anos até chegar à homologação e ao registro na Secretaria de Patrimônio da União (SPU). Iniciam no órgão federal responsável pela política indigenista, Funai, que abre um processo para iniciar os estudos de identificação e demarcação, conforme consta nos artigos 231 e 232 da Constituição Federal. Todos os passos são publicados no Diário Oficial da União (DOU). Após a abertura de um processo, via edital assinado pelo presidente da Funai, publicado no DOU, os antropólogos da fundação iniciam os estudos de área. A partir de então, de acordo com o Decreto 1.775/96, que rege a legislação sobre as demarcações de TI’s, existem procedimentos chamados de contraditórios ou contestações: nesta fase, pessoas físicas ou jurídicas podem contestar os atos de demarcação. Os documentos contestatórios são encaminhados a Funai, que após análise, encaminha ao Ministério da Justiça, para avaliação jurídica. A partir de então, o ministro da Justiça assina a portaria declaratória que já confere aos indígenas o direito de usufruto da área. Passadas estas etapas, inicia o processo chamado de demarcação física das terras, onde técnicos da Funai, juntamente com uma equipe de indígenas da área em questão, começam a implantar os marcos demarcatórios que delimitam a terra indígena. Após este ato, o próximo passo é encaminhar a documentação jurídica à Casa Civil da Presidência da República, para então chegar às mãos do presidente da República. Segue, depois, à SPU para ter a TI registrada em cartório. Alguns exemplos marcaram a história das demarcações como o caso Raposa Serra do Sol, que levou 30 anos para ser considerado patrimônio da União com usufruto dos povos Wapichana, Macuxi, Taurepang, Patamona e Ingarikó, e mesmo depois de homologado, foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), por divergências quanto ao tamanho da TI.
Entre os anos de 2007 até agora, 39 portarias declaratórias foram publicadas no DOU.
Confira as Terras Indígenas Homologadas no dia 21/12/2009:Entre os anos de 2007 até agora, 39 portarias declaratórias foram publicadas no DOU.
Terra Indígena Anaro
Município: Amajari, no Estado de Roraima.
Superfície: 30.470ha. Perímetro: 90Km.
Sociedade Indígena: Wapichana.
População: 52, no ano de 2001
Identificação e Delimitação: GT constituído pela Portaria n°824/PRES, de 11 de outubro de 2001, coordenado pelo antropólogo Jorge Manoel Costa e Souza.
Portaria Declaratória MJ n.º 962, de 22 junho 2006, Márcio Thomaz Bastos.
Terra Indígena Arroio-Korá
Município: Paranhos, no Estado de Mato Grosso do Sul.
Superfície: 7.205ha. Perímetro: 45Km.
Sociedade Indígena: Guarani Kaiowá e Ñandeva
População: 404, no ano de 2001
Identificação e Delimitação: GT constituído pela Portaria n° 921/PRES, de 12 de novembro de 2001, coordenado pelo antropólogo Levi Marques Pereira.
Portaria Declaratória MJ n.º 2.363, de 15 de dezembro de 2006, Márcio Thomaz Bastos.
Terra Indígena Balaio
Municípios: São Gabriel da Cachoeira, no Estado do Amazonas
Superfície: 255.823ha. Perímetro: 270Km.
Sociedade Indígena: Tukáno, Yepamashã, Desána, Kobéwa, Pirá-Tapúya, Tuyúka, Baníwa, Baré, Kuripáko e Tariáno
População: 350, no ano de 2000
Identificação e Delimitação: GT constituído pela Portaria n° 993/PRES, de 20 de setembro de 2000, coordenado pela antropóloga Eliane da Silva Souza Pequeno
Portaria Declaratória MJ n.º 2.364, de 15 de dezembro de 2006, Márcio Thomaz Bastos.
Terra Indígena Lago do Correio
Município: Santo Antônio do Içá, no Estado do Amazonas
Superfície: 12.369ha. Perímetro: 57Km.
Sociedade Indígena: Kokama e Tikuna
Identificação e Delimitação: GT constituído pela Portaria n° 130/PRES, de 28 de fevereiro de 2003, coordenado pelo antropólogo Cássio Inglez de Souza.
Portaria Declaratória MJ n.º 1.394, de 14 de agosto de 2007, Tarso Genro.
Terra Indígena Prosperidade
Municípios: Tonantins, no Estado do Amazonas
Superfície: 4.806ha. Perímetro: 49Km.
Sociedade Indígena: Kokama
Identificação e Delimitação: GT constituído pela Portaria n° 732/PRES, de 11 de junho de 2004, coordenado pelo antropólogo Edward Mantoanelli Luz.
Portaria Declaratória MJ n.º 1.391, de 14 de agosto de 2007, Tarso Genro.
Terra Indígena São Domingos do Jacarapi e Estação
Município: Jutaí e Tonantins, no Estado do Amazonas
Superfície: 133.630ha. Perímetro: 166Km.
Sociedade Indígena: Kokama
População: 428, no ano de 2001
Identificação e Delimitação: GT constituído pela Portaria n° 701/PRES, de 27 de agosto de 2001, coordenado pela antropóloga Gislaine Disconzi.
Portaria Declaratória MJ n.º 1.804, de 16 de setembro de 2005, Márcio Thomaz Bastos.
Terra Indígena Trombetas Mapuera
Municípios: Caroebe, Faro, Nhamundá, Oriximiná, São João da Baliza e Urucará, no Estado do Amazonas
Superfície: 3.970.418ha. Perímetro: 1.562Km.
Sociedades Indígenas: Complexo cultural Tarumã/Parukoto (Karapawyana, Waiwai, Katuena, Hixkaryana, Mawayana, Xereu, Cikiyana, Tunayama, Yapîana, Pianokoto), Waimiri-Atroari, e Grupos Indígenas Isolados.
População: 2.805, no ano de 2002
Identificação e Delimitação: GT constituído pela Portaria n° 981/PRES, de 18 de setembro de 2000, coordenado pelo antropólogo Ruben Caixeta de Queiroz.
Portaria Declaratória MJ n.º 1.806, de 16 de setembro de 2005, Márcio Thomaz Bastos.
Terra Indígena Zo'É
Município: Óbidos, no Estado do Pará
Superfície: 624.000ha. Perímetro: 463Km.
Sociedade Indígena: Zo'é
População: 178
Identificação e Delimitação: GT constituído pela Portaria n° 309/PRES, de 4 de abril de 1997.
Portaria Declaratória MJ n.º 365, de 20 de abril de 2001, José Gregori.
Terra Indígena Las Casas
Municípios: Floresta do Araguaia, Pau D'arco e Redenção, no Estado do Pará
Superfície: 21.100ha. Perímetro: 63Km.
Sociedade Indígena: Kayapó
Identificação e Delimitação: GT constituído pela Portaria n° 992/PRES, de 6 de dezembro de 2001, coordenado pela antropóloga Juliana Gonçalves Melo.
Portaria Declaratória MJ n.º 1.991, de 23 de novembro de 2006, Márcio Thomaz Bastos.
Fonte: FUNAI
Como fazer tudo errado, Na "natureza"
Como fazer tudo errado
Imenso projeto de assentamento vira fazenda de gadoJosé Maria Tomazela
Serraria na cidade de Apuí (AM). Foto: José Luís da Conceição/AE
“No começo, todo dia chegavam caminhões e ônibus com gaúchos e catarinenses”, lembra o vice-prefeito de Apuí, Aminadao Gonzaga de Souza (PT). Na época, havia pouca restrição ao desmatamento. Os assentados podiam derrubar até 50% da mata, mas muitos botaram tudo abaixo. “O plano era incentivar o plantio de arroz, milho e café, mas o governo não deu condições”, diz Souza. O que deveria ser o novo celeiro do Amazonas só produziu madeira, extraída pelos assentados.
Anos depois, o governo Fernando Henrique Cardoso criou o Projeto Acari, que ampliou o antigo assentamento. Mais 3.500 lotes foram distribuídos, com fartura de recursos para amparar os assentados, todos sem-terra, que deveriam desenvolver seus plantios em harmonia com a floresta – só poderiam desmatar 20% do lote. De novo, faltaria assistência. “Era fim de governo, as famílias foram trazidas às pressas e jogadas na terra”, diz o ex-assentado Henrique da Luz Bezerra. “Foi um assentamento de mentira.”
Ele agüentou menos de dois anos. Depois de 38 malárias – sua mulher contraiu 30 –, Bezerra jogou a toalha. Hoje conta que milhares de assentados pegaram o dinheiro do governo, transferiram a titularidade dos lotes e foram embora. Assim, após consumir uma soma incalculável de dinheiro público, o ambicioso projeto de assentamento agrícola transformou-se numa grande fazenda de gado. Mais de 50% dos 11 mil lotes – ou 1 milhão de hectares – estão ocupados ilegalmente por fazendeiros, muitos deles autoridades dos municípios em volta.
O paranaense Euclides Motter, de 34 anos, era menino quando chegou lá. Em 1996, conseguiu um lote. Formou-se técnico agrícola e virou líder dos agricultores. Em 2005, assumiu a direção do Incra na região. “Encontramos mais de 4 mil lotes com fazendeiros.” A maioria desmatou mais do que podia; muitos negociaram o desmatamento com madeireiros. Motter autuou os ocupantes ilegais. No ano passado, o Ministério Público notificou os 56 maiores ocupantes – alguns têm até 50 lotes, entre eles, grandes pecuaristas, autoridades e até empresas agropecuárias.
Os pecuaristas criaram o Sindicato Rural do Sul da Amazônia e patrocinaram um lobby fortíssimo, conta Motter. “Invocaram leis fundiárias que permitem a regularização de até 500 hectares ocupados. Mas a legislação não vale para assentamentos.” Ele conta que muita gente enriqueceu à custa do governo, como um ex-prefeito que montou empresa para abrir estradas vicinais. Motter briga para reorganizar o assentamento, numa luta quixotesca: a única viatura do Incra está com o motor fundido e ele, ameaçado de morte.
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