domingo, 27 de dezembro de 2009

Como fazer tudo errado, Na "natureza"

Como fazer tudo errado

Imenso projeto de assentamento vira fazenda de gado
José Maria Tomazela




Serraria na cidade de Apuí (AM). Foto: José Luís da Conceição/AE



APUÍ (AM) - Era um projeto grandioso. Para conter a grilagem e a cobiça estrangeira, o governo do general João Batista Figueiredo decidiu criar no sudeste do Amazonas, em 1982, o maior assentamento da América Latina. Agricultores do Sul foram estimulados a migrar para o outro lado do País, para ocupar os 7.500 lotes do Assentamento Juma, com 100 hectares cada um. Acabou em desastre.
http://www.estadao.com.br/img/amazonia/400x300/destruicao_como_nn3.jpg“No começo, todo dia chegavam caminhões e ônibus com gaúchos e catarinenses”, lembra o vice-prefeito de Apuí, Aminadao Gonzaga de Souza (PT). Na época, havia pouca restrição ao desmatamento. Os assentados podiam derrubar até 50% da mata, mas muitos botaram tudo abaixo. “O plano era incentivar o plantio de arroz, milho e café, mas o governo não deu condições”, diz Souza. O que deveria ser o novo celeiro do Amazonas só produziu madeira, extraída pelos assentados.
http://www.estadao.com.br/img/amazonia/400x300/destruicao3.jpgAnos depois, o governo Fernando Henrique Cardoso criou o Projeto Acari, que ampliou o antigo assentamento. Mais 3.500 lotes foram distribuídos, com fartura de recursos para amparar os assentados, todos sem-terra, que deveriam desenvolver seus plantios em harmonia com a floresta – só poderiam desmatar 20% do lote. De novo, faltaria assistência. “Era fim de governo, as famílias foram trazidas às pressas e jogadas na terra”, diz o ex-assentado Henrique da Luz Bezerra. “Foi um assentamento de mentira.”
http://www.estadao.com.br/img/amazonia/400x300/destruicao_como_nn1.jpgEle agüentou menos de dois anos. Depois de 38 malárias – sua mulher contraiu 30 –, Bezerra jogou a toalha. Hoje conta que milhares de assentados pegaram o dinheiro do governo, transferiram a titularidade dos lotes e foram embora. Assim, após consumir uma soma incalculável de dinheiro público, o ambicioso projeto de assentamento agrícola transformou-se numa grande fazenda de gado. Mais de 50% dos 11 mil lotes – ou 1 milhão de hectares – estão ocupados ilegalmente por fazendeiros, muitos deles autoridades dos municípios em volta.
O paranaense Euclides Motter, de 34 anos, era menino quando chegou lá. Em 1996, conseguiu um lote. Formou-se técnico agrícola e virou líder dos agricultores. Em 2005, assumiu a direção do Incra na região. “Encontramos mais de 4 mil lotes com fazendeiros.” A maioria desmatou mais do que podia; muitos negociaram o desmatamento com madeireiros. Motter autuou os ocupantes ilegais. No ano passado, o Ministério Público notificou os 56 maiores ocupantes – alguns têm até 50 lotes, entre eles, grandes pecuaristas, autoridades e até empresas agropecuárias.
Os pecuaristas criaram o Sindicato Rural do Sul da Amazônia e patrocinaram um lobby fortíssimo, conta Motter. “Invocaram leis fundiárias que permitem a regularização de até 500 hectares ocupados. Mas a legislação não vale para assentamentos.” Ele conta que muita gente enriqueceu à custa do governo, como um ex-prefeito que montou empresa para abrir estradas vicinais. Motter briga para reorganizar o assentamento, numa luta quixotesca: a única viatura do Incra está com o motor fundido e ele, ameaçado de morte.

Fonte: Estado de S.Paulo

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