sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Orlando Villas Bôas: o encantador de gente

Ele suportou doenças como malária, picadas de insetos e as intempéries do tempo chuva e calor e a falta das comodidades mínimas urbanas para defender os direitos dos índios. "A cultura índigena representa um valor humano essêncial que, também deveria ser protegida".

Conquistar os direitos dos povos em um país cuja meta é o desenvolviemnto econômico, onde existem quadros de desigualdades sociais, talvez não haja no mundo algo muito semelhante aos fatos deste sertanista bem-sucedido no terreno financeiro e profissional. Sua autobiografia, Editora FTD, nos dá sensação de contemplar um monumento à humanidade. Os irmãos Villas Bôas começaram sua trajetória no sertão no período da ditadura Vargas, 1943. Porém, foi três anos antes da ditadura militar que aconteceu o seu maior feito, O Parque Indígena do Xingu, em 1961 criado no governo de pouco mais de seis meses de Jânio Quadros. Juntamente com seus irmãos Leonardo e Cláudio, orlando empenhou-se sem descanço durante seis décadas para mostrar a necessidade de política pública e o inestimável valor dos índios. Foi um trabalho continuado o realizado por ele, como também foram multíplas as qualidades e tarefas. Ele tinha habilidade no tato político, pois sabia que não seria o bastante ter idéias pouco compreendidas. por exemplo, para manter o parque seria preciso preservar fronteiras e vidas, vigiá-las. Era um confronto de interesses graúdos aos índios. Porém, sua firmeza e paciência para contornar situações incômodas, atravessando períodos autoritários e vários partidos políticos não devem ser substimadas. Um outro fato da vida de Orlando, foi o deslumbramento com os povos indígenas; um tipo de vida diferente da nossa, um povo solidário, comunitário, lúdico e artísticos. Tudo isso inserido à natureza e ao que é belo, como ele mesmo disse. Enquanto muitos rejeitaram e condenaram fingiam investigar e mergulhar nos costumes, orlando Villas Bôas, viu alí surgir pouco à pouco de dentro do verde inúmeros povos camuflados, em algumas ocasiões ameaçadores, mas logo mostravam sua grandeza e hospitalidade. Foi onde apaixonou-se por eles, e sua defesa em prol foi visceral, como da própria vida. Ele não se limitou apenas em buscar algo que livros já descreviam; soube lidar com os anseios e reivindicações dos nativos. Etnias fadadas ao desaparecimento no Alto Xingu como Matipu, Nahukwá, Trumai e Tixikão, e no Médio Xingu os Suyá, Juruna e Kayabi todos passaram por processo semelhantes, a proteção de Orlando.

Todos os índios do Xingu são conscientes da importância do trabalho realizado pelo sertanista. Os três irmãos: Orlando, Cláudio e Leonardo mantinham contato com o melhor da antropologia dos meados do século XX, pertenciam a um grupo intelectual raro, e ainda convidavam a participar de suas tarefas colegas como Darcy Ribeiro, e o médico Noel Nutels, este grupo foi responsável pela idéia de que a terra deveria ser preservada, como condição para garantia da vida dos índios. Coube aos Villas Boas, participar da elaboração deste princípio, e defender um mundo de povos desconhecidos. Dos três irmãos Orlando era quem mais circulava pelos meios civilizados, sensibilizando a todos que podia para defender os territórios indígenas. Enquanto isso os outros dois e sua esposa Marina, ficavam a postos para qualquer emergência.

Villas Bôas analfabetos

Ao se alistarem como trabalhador braçal na Fundação Brasil Central, os irmãos eram movidos inicialmente pelo espírito de aventura. Tornaram-se integrantes da Expedição Roncador - Xingu criada em 1943 com doações do governo paulista. Eles fingiram serem analfabetos e como tal foram admitidos. Em seis anos assumiram a chefia e, entregaram à Força Aérea Brasileira a rota que tornou possível ligação direta entre o Rio de Janeiro - Manaus. Tornam-se amigos de Gama Malcher [Serviço de Proteção aos índios] de Darcy Ribeiro, e Noel Nutels, fundador da rede de proteção sanitária da frente indígena, tendo no cume da pirâmide, a figura extraordinária de Cândido Mariano Rondon - o Marechal Rondon. Na cidade de Botucatu [bons ares em tupy] eles eram como qualquer outra criança que brinca, salta o quintal do vizinho para pegar frutas. A rua General Jardim foi sua última morada, mas é o largo em frente ao hospital que Misericórdia Botucatuense deixaram mais saudades. Porem, Orlando nasceu em Santa Cruz do rio Pardo, aos 12 de janeiro de 1914, o filho mais velho de Agnello e Arlinda. Quando tinha seis anos sua família muda-se para São Paulo / capital, acompanhando seu pai que, mesmo não sendo formado em direito, prestara um concurso e passou para o cargo de advogado provisionado, e poderia atuar no juízo da comarca. Orlandou estudou no Colégio Paulista, do afamado professor Rocha Campos, localizado na rua Brigadeiro Luís Antônio, próximo sua casa, na rua Genebra. Durante os meses de junho e julho, ele exercia uma função nada gloriosa, era capitão da "quadrilha" grupos rivais que brigavam, principalmente por causa dos balões. Guardou lembranças também da revolução de 1924, quando estudava no Externato Mattoso, no Largo do Arouche, onde ao passar viu a fachada da escola ser crivada por tiros.

Viagem através do mapa

Porem, com a morte de seu pai em 1940, mantenedor de seu pró-labore, Orlando mudara-se com os irmãos para a rua Teodoro Sampaio, região oeste paulistana, e foi trabalhar na Standard Oil do Brasil. Não deu para se manter por lá, mudara-se novamente, desta vez para uma pensão na rua Bento Freitas - esquina com a Marquês de Itu, região central. Neste período seu irmão Cláudio comprou um mapa do Brasil onde eles costumavam "viajar" todas às noites. A morte de seus pais foi um convite para aquele mundo distante, a Amazônia. Resolveu deixar de maneira brusca seu trabalho; não se despediu de ninguém. Pegou suas malas e rumou para estação, antes passou pelo Hotel Esplanada para falar ao ministro João Alberto, sobre possibilidades de ser incluído entre os contratados da expedição. O ministro disse sim. Pegou o trêm rumo a Uberlândia/MG, e de lá foi para Goiânia. Em uma jardineira seguiu até Goiás Velho, onde estudavam saída para o Araguáia. Os três irmãos remaram 23 dias subindo o rio. Após quase seis meses de caminhada por campos, matas e charcos eles chegaram ao fim da primeira etapa, 1945, chegaram na serra do Roncador. O primeiro contato foi com os índios Kalapalo e em seguída com os Kuikuro, Aweti entre outros. A partir daí toda comunidade indígena sabe da história humanitária de Orlando e seus irmãos. Em 2003, como sempre fazia, convidou os amigos para o Kuarup do Orlando, era a última homenagem dos índios do Parque, pois viria a falecer no dia 12 de dezembro.

Aqui fica minha homenagem a um grande Ser humano: Orlando Villas Bôas.

Um comentário:

Anônimo disse...

Belo texto, parabéns. Os irmãos Villas Bôas são heróis pouco valorizados da História do Brasil.

Fabio Guerrazzi