Unir índios, fazendeiros, agricultores, governos, comerciantes e sociedade em geral para discutir e implementar uma campanha em defesa das nascentes e matas ciliares do Rio Xingu. Esse é o desafio da campanha que pretende salvar as nascentes do lendário rio. A Campanha se chama 'Y ikatu Xingu, que significa "água limpa e boa" na língua Kamaiurá, pertencente ao tronco Tupi. A idéia da mobilização partiu das lideranças do Parque Indígena do Xingu (um dos maiores símbolos da diversidade cultural e biológica do Brasil) em vista da destruição das matas que protegem as nascentes do Rio Xingu. A situação ameaça a capacidade produtiva e a qualidade de vida não só dos mais de 10 mil índios que habitam a região, mas também de cerca de 450 mil não-indígenas de 35 municípios do norte do Mato Grosso. Para saber mais e participar, visite a página da campanha no site Socio Ambiental,clicando aqui!
Os Baniwa entraram em contato com os colonizadores europeus no início do século 18. Perseguidos e escravizados por espanhóis e portugueses, boa parte da sua população foi dizimada por epidemias de sarampo e varíola, trazidas pelos brancos. Foram hostilizados e explorados por comerciantes brancos, aliados dos militares dos fortes portugueses de S. Gabriel e Marabitanas. Em meados do século 19, os Baniwa e outros povos da região protagonizaram movimentos messiânicos contra a opressão dos brancos. A partir de 1870, com o boom da borracha, foram explorados por patrões do extrativismo nos seringais do baixo Rio Negro.
No século 20, chegaram na região do Rio Negro e afluentes os missionários católicos salesianos e suas escolas civilizadoras. No final da década de 40, Sophie Muller, uma missionária evangélica norte-americana da Missão Novas Tribos, iniciou a evangelização dos Curipaco na Colômbia e chegou aos Baniwa do alto Içana. O mundo baniwa se dividiu entre católicos e evangélicos. A partir dos anos 70, os Baniwa assistiram à entrada de novos personagens nas suas terras, com a tentativa de abertura de um trecho da Rodovia Perimetral Norte, a construção de pistas de pouso para uso militar, a invasão de empresas de garimpo e a retaliação de suas terras pelo governo federal com a demarcação de "ilhas", o que eles rejeitaram.
Durante décadas os homens baniwa se endividaram com patrões extrativistas de balata, sorva e piaçava, no Brasil e na Colômbia. Desta forma, adquiriam roupas, armas de fogo e outros bens industrializados. Atualmente, a comercialização de artesanato, especialmente da cestaria de arumã e ralos de madeira, é uma das poucas fontes regulares de renda monetária.
Nos anos 90, os Baniwa começaram a se organizar em associações filiadas à FOIRN (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro), fundada em 1987.
Entre 1996/98, o governo federal finalmente reconheceu os direitos coletivos dos povos indígenas da região do alto e médio Rio Negro e demarcou um conjunto de cinco terras contínuas, com cerca de 10.6 milhões de hectares, nas quais estão incluídas as áreas de ocupação tradicional dos Baniwa no Brasil.
Onde vivem
Os Baniwa fazem parte de um complexo cultural de 22 povos indígenas diferentes, de língua aruak, que vivem na fronteira do Brasil com a Colômbia e Venezuela, em aldeias localizadas às margens do Rio Içana e seus afluentes Cuiari, Aiairi e Cubate, além de comunidades no alto Rio Negro/Guainía e nos centros urbanos rionegrinos de S. Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel e Barcelos (AM).
Comunidade Tucumã Rupitá, onde fica a sede da Oibi
A população baniwa atual é estimada em 12 mil pessoas, das quais cerca de 4 mil no Brasil, vivendo basicamente de agricultura especializada na mandioca brava e da pesca, em aproximadamente cem aldeias e sítios. Desenvolveram uma adaptação fina a uma região com baixa capacidade de suporte, isto é com solos ácidos e pobres, com manchas descontínuas de terra firme, separadas por campinaranas e igapós.
OS TIPOS DE CESTARIA DE ARUMÃ
Balaio waláya Os waláya aparecem na mitologia e nos rituais de iniciação das meninas e meninos baniwa. Tradicionalmente, os meninos aprendem a fazer cestas deste tipo e ofertá-las às suas amigas rituais, ao término do período de reclusão.
Os Baniwa usam os waláya makapóko = balaios grandes, para recolher a massa de mandioca (antes e depois de espremer no tipiti) e para servir beiju e farinha nas refeições. Serve de suporte para presentear com frutas e outros alimentos.
Essa cesta tigeliforme é considerada pelos artesãos baniwa a mais trabalhosa, especialmente pelo acabamento que requer o beiral (no detalhe abaixo: beiral com tira trançada sobreposta e beiral de cipó uambé); há vários tipos de acabamento: em arumã natural ou apenas raspado, sem tingimento; ou com grafismos coloridos, marchetados em uma ou nas duas faces.
O balaio pode ser utilizado como cesta para pães e frutas ou para colocar a correspondência recebida em casa, e até como embalagem para produtos cosméticos.
Urutu oolóda
Os Baniwa fazem esse tipo de cesta em formatos grandes, sem desenhos marchetados, para reservar massa de mandioca (antes e depois de espremer no tipiti) e também para guardar farinha, beiju e roupa.
Para comercializar, os Baniwa produzem urutus de vários tamanhos - tanto de diâmetro quanto de altura - geralmente com grafismos coloridos marchetados.
Peneira dopítsi
As mulheres baniwa se orgulham das suas peneiras, objetos de uso diário que demonstram a competência artesanal dos seus maridos.
As peneiras são cestos platiformes, circulares, com talas afastadas, usadas para cernir a farinha e para transportar o beiju do forno até o jirau; suspensas por um tirante de cordas, servem como suporte para empilhar beiju seco.
Há vários tipos de peneira usados atualmente:
dopitsi peethepóko (peneira beiju fazer)
dopitsi matsokapóko (peneira farinha fazer) báatsi (peneira de talinhas muito finas de arumã, usada exclusivamente para coar suco de frutas)
ttíiroli (de formato tigeliforme, conhecida também como cumatá, usada para tirar goma da massa de mandioca e para coar bebidas, como os vinhos de açaí e patauá)
Os baniwa produzem peneiras para trocar e presentear parentes e também para vender no comércio de S. Gabriel da Cachoeira.
Fora da região do Rio Negro, a comercialização de peneiras tem encontrado mercado reduzido para exposições, decoração de paredes ou como bandeja para servir certos alimentos.
Jarro kaxadádali
O termo kaxadádali , em baniwa, refere-se ao formato barrigudo, de uma cesta ou cerâmica; palavra que se aplica também às pessoas (mulheres grávidas, por exemplo) e aos animais; antigamente era feito também de cipó e usado para guardar miudezas (como bóias de molongó e iscas para pescar), ficando submerso até o pescoço.
Atualmente, os jarros produzidos para a comercialização em formatos grandes são utilizados como luminárias, porta guarda-chuva ou para colocar roupas. Miniaturizados, são usados como porta-vela e até como embalagem de perfume
Consta que, para os Baniwa, esse tipo de cesta tem o formato do universo e é de origem baniwa, pelo menos na região do Rio Negro.
A planta usada
Arumã = póapoa (bw) (Ischnosiphon spp.), da família das matantáceas; uma espécie de cana de colmo liso e reto, oferece superfícies planas, flexíveis, que suportam o corte de talas milimétricas; o colmo da planta é descascado/raspado/ariado, pode ser tingido ou mantido na cor natural; também usado com casca, que lhe confere maior resistência e uma cor pardo clara laqueada. O arumã (ou guarimã) é utilizado pelos povos indígenas amazônicos, a partir do Maranhão, onde a planta (que tem várias espécies) cresce em regiões semi-alagadas.
Terminologia baniwa sobre o arumã
póa-poa nako = arumã feixe
(póapoa) halépana = arumã branco
póapoa kántsa = arumã verdadeiro
oni-póapoani = arumã d'água
(póapoa) attíne híorhi = canela de jacamim
(póapoa) tolípa = arumã peludo
líia = clorofila da parte externa do colmo, que é raspada
líipee = parte nobre com a qual se trança
líixa =cerne usado para fazer o paneiro-embalagem e outros paneiros descartáveis
líixami = parte central do arumã, úmida, descartada
COMO É FEITA
O Trançar
Trançar é um ato solitário, que exige atenção, paciência e dedicação. A cestaria baniwa é feita com rigorosa simetria gráfica e com esmero, para durar.
Iniciar o trançado se faz com duas ou três talas. Começar com quatro rende mais, mas é considerada uma opção exagerada, utilizada em situações emergenciais.
O número de talas para começar o trançado é definido em função da largura das talas ou do tipo de desenho, exceto no caso da peneira.
Há nomes diferentes que definem o ato de trançar, relacionados ao número de talas utilizadas no início: dzamaita (para duas), madalitapenali (para três) e licoetakapenali (para quatro).
Se o artesão vai fazer urutu ou jarro, ele pode usar qualquer um dos jeitos de trançar. Agora, caso ele vá fazer peneira, só pode usar a modalidade dzamaita , a única que garante uma trama adequada para cernir a massa de mandioca, seja para fazer farinha ou beiju, ou para reter a borra de frutas.
Urutus e jarros com grafismos marchetados coloridos, exigem talas previamente pintadas ao meio, diferentemente de peneiras e balaios que são trançados com talas monocromáticas. Há vários tipos de trançado específicos para fazer tipiti (como, por exemplo, phitíema dente de cotia e porhe iiwi escama de jejú).
Acabamento
Há vários tipos de acabamento das cestas de arumã, com o uso de cipós e amarrilhos naturais. Os mais comuns para se fazer os aros são:
O heemáphi (espinha de anta), um tipo de árvore-cipó
O cipó titica (Heteropsis aff. spruceana Schott) ou (Heteropsis af jenmani Oliv.), dapikántsa, epífita da família das Aráceas, empregada também para fazer aturás e peneiras;
O cipó uambé (ou Ambê-Açu) = okána, cipó-trepadeira (família das Aráceas) que se enrosca em árvores de até 50 metros de altura com diâmetro de 2 cm, uma vez descascado, é usado para fazer os aros de contorno da borda das apás.
Os amarrilhos são feitos de curauá (Bromelia morreniana (Regel) Mez), heríwai pokoda, planta de roça da qual se extrai a fibra (heriwaíkhaa). Uma vez torcida é utilizada para fazer cordas e, passada no breu, para fazer linhas para pescar e fios para amarrar o acabamento das apás e urutus. O breu máini é uma resina coagulada no tronco de várias espécies de Burceráceas, misturada com carvão, é empregada para endurecer e dar durabilidade ao fio de curauá.
Há vários tipos de acabamento das cestas de arumã, com o uso de cipós e amarrilhos naturais. Os mais comuns para se fazer os aros são:
O heemáphi (espinha de anta), um tipo de árvore-cipó
O cipó titica (Heteropsis aff. spruceana Schott) ou (Heteropsis af jenmani Oliv.), dapikántsa, epífita da família das Aráceas, empregada também para fazer aturás e peneiras;
O cipó uambé (ou Ambê-Açu) = okána, cipó-trepadeira (família das Aráceas) que se enrosca em árvores de até 50 metros de altura com diâmetro de 2 cm, uma vez descascado, é usado para fazer os aros de contorno da borda das apás.
Os amarrilhos são feitos de curauá (Bromelia morreniana (Regel) Mez), heríwai pokoda, planta de roça da qual se extrai a fibra (heriwaíkhaa). Uma vez torcida é utilizada para fazer cordas e, passada no breu, para fazer linhas para pescar e fios para amarrar o acabamento das apás e urutus. O breu máini é uma resina coagulada no tronco de várias espécies de Burceráceas, misturada com carvão, é empregada para endurecer e dar durabilidade ao fio de curauá.
COMO É UTILIZADA
As mulheres usam
As mulheres baniwa usam cestaria de arumã na roça e, sobretudo, na preparação dos alimentos à base de mandioca.
Arrancar, transportar, lavar, descascar, ralar para fazer a massa, peneirar e preparar a comida, atividades de mulher. À tradicional cestaria de arumã e aos ralos esculpidos em madeira com pedrinhas incrustadas se juntaram o forno de ferro, bacias e panelas de alumínio, compondo a tralha contemporânea e indispensável da culinária baniwa, baseada no peixe e nos derivados da mandioca brava: mingaus (kamorikaa), beijus (peéthe) e farinhas (matsoka).
A produção artesanal feminina de utensílios domésticos resume-se tradicionalmente à cerâmica (largamente substituída hoje em dia por objetos de alumínio e ferro) e às cuias.
As roças de mandioca
Diariamente as mulheres baniwa das dezenas de aldeia do alto Içana e Aiari vão às suas roças arrancar raízes de mandioca brava (káini) para transformá-las em comida, aos costumes. Jornada duríssima. Levantam de madrugada, preparam mingau, servem aos filhos e aos maridos, apanham terçado e aturá (tsheeto) e seguem para a roça (kenike), a pé, de canoa.
Arrancar as raízes é tarefa especialmente pesada quando se trata de uma heéñami, roça velha, já encapoeirando. Mais fácil no caso de uma maaleri, roça madura ou walikawaire, roça nova.
Houve tempo, no começo do mundo, quando Kaali andava na terra, que as mulheres não sofriam no trabalho da roça e processamento da mandioca. Bastava marcar terreno e surgia uma roça. Bastava fazer o aturá e deixá-lo na roça a caminho do igarapé para se banhar, que ele ressurgia na comunidade, lotado de mandiocas já descascadas! As mulheres só faziam imaginar e tudo acontecia nos conformes, até mesmo beiju pronto para comer. Hoje os mais velhos ainda lembram das frases certas, orações evocativas para esses verdadeiros milagres. Mas a curiosidade dos humanos – que tentavam desvendar o que se passava nas roças de Kaali - estragou tudo e, aos poucos, foram sendo castigados, perdendo os privilégios, condenados a trabalhar duro. Os homens pagaram primeiro e houve um tempo em que a eles cabia o trabalho da roça e do processamento da mandioca. Dizem que foi nesse tempo que os homens ficaram com a parte interna do braço chata, de tanto raspar mandioca.
Mas o herói ancestral baniwa retomou a ordem, e a divisão sexual do trabalho foi instituída. No tempo de verão – de dezembro a março - derrubar e queimar, trabalho masculino; plantar e limpar, coletivo. Tudo que vem depois de nove meses, quando as raízes já estão maduras, é por conta das mulheres.
A lida da mandioca - das roças aos alimentos - toma a maior parte do tempo da vida das mulheres baniwa. Exige enorme esforço físico e habilidade.
Com a mandioca fazem farinha e beijus, indispensáveis na alimentação baniwa.
Nas roças baniwa há grande variedade de mandiocas bravas, derivadas da árvore ancestral (kaalika ttaadap), que Kaali deixou na terra, antes de partir. Derrubada pelos filhos do trovão, seus galhos foram levados, originando a diversidade de plantas úteis que os baniwa conhecem.
Somente nas roças situadas na área de domínio da comunidade de Tucumã-Rupitá, no alto Içana, por exemplo, foram relacionadas cerca de 60 variedades. Cada uma tem nome próprio: aalidalíke (tatu), awiñáke (uacu), daapáke (paca), dapike (cipó), dopalíke (araripirá), dzamolitoke (caitetu), dzaapáke (tucunaré), dzaawatóke (acará), dzaike (?, tipo grilo), dzeekáke (seringa), dzoottalike (jacundá preto), eeritoke (acará), guenieroke (guainia), hemalíke (abiu), heemahiwidake (cabeça de anta), hiiniríque (ucuqui), hiipadáke (pedra), ipohiwidake (cabeça verde), iikolíke (cabeçudo), iitsíke (guariba), iirakawanake (braço vermelho), itsidáke (jabuti), kabike (peito de gente), kamheróke (cucura), kapíwali (macaxeira), kedehakeke (?, de sujo), keeríke (lua), keniki-ikínarke (?, espelho), kerekeréke (periquito), kettinalike (jacundá), koliríke (surubim), kowaidake (tipo de castanha), kumaruke (cumaru), liewhéke (ovo de cabeçudo), maapake (cana-de-açúcar), moóneke (mamangaba), manakheke (açaí), mapharáke (pirarara), mheettike (goma, tapioca), ñamaroke (arraia), omaíke (piranha), palanáke (banana), parawitsike (pirapucu), patipitike (? sombrancelha), pidooke (lontrinha), pirimítsike (samaúma), piipiríke (pupunha), ponámake (patauá), pooperike (bacaba), taalíke (aracú), waarhéke (uará), wadólike (pirarucu), waliitshíke (mucura), entre outras.
A farinha de mandioca
Massa misturada com diferentes doses de mandioca mole ou puba (que ficou de molho no igarapé fermentando por uma semana), passando pelo tipiti e pela peneira, vira beiju ou farinha. Tem peneira para farinha(oropema), mais aberta e peneira para beiju (dopitsi). Beijus e farinhas se assam em grandes tachos de ferro, com fogo de lenha leve, usando abano de arumã para virar.
Com pouca massa mole fermentada adicionada à massa fresca o beiju fica doce (poottidzaite); se a dose for maior, ficará azedo (kamaite). Para as crianças bem pequenas, faz-se molhoiwa, beiju de pura mandioca amolecida na água, mandioca d’água. A massa fresca logo depois de ralada, se não vai pro tipiti, pode ser lavada com água usando um cumatá, peneira de trançado bem cerrado; a mistura fina cai numa bacia onde decanta: embaixo a goma, em cima o líquido venenoso. Goma pura, bem seca e peneirada, vira farinha de tapioca, curadá, tapioquinha. O líquido bruto da mandioca brava ralada (kainia) tem veneno, que evapora depois de duas horas de fervura, transformando-se em kainia pomakadali, adocicado. Pode ser engrossado com goma ou receber a mistura de batatas, bananas, caroço de umari ou uacú. Adicionando-se farinha, vira um chibé especial. Chibé é qualquer mistura de farinha com água, complemento obrigatório depois de uma refeição, refeição mínima, oferecimento de boas vindas.
Goma misturada com massa fresca serve para fazer beijusespeciais (mheetthiwa), adicionando-se vários ingredientes, como a castanha uará e o caroço de umari.
Há vários tipos de acabamento para os beijus. Patsimeete é um beiju fresco, mole, que permanece assim por um dia e depois fica mais duro (marameete). Mas o beiju pode sair direto do forno para secar sob ação direta do sol, num girau ou nos telhados de palha de caranã das casas, transformando-se em tarhewali, que pode durar até dois meses, modalidade apropriada para viagens longas, como as que os homens baniwa que vivem no Brasil fazem na safra da piaçava na Colômbia, por exemplo.
Para extrair a manicoera da massa ralada, os Baniwa usam o cumatá ttíiroli, um cesto-coador redondo e grande, trançado de talas de arumã com as malhas bem cerradas, apoiado num tripé de varas. Do líquido coado resulta a tapioca méenthi, um polvilho que decanta no fundo do pote, e a manicoera, que deve ser fervida pelo menos por duas horas até ser liberado seu sumo venenoso. Outro utensílio adotado para o mesmo fim é o tipiti. Para esfarinhar a massa seca no tipiti, usam peneiras trançadas em arumã raspado, com malhas abertas.
A massa peneirada vai ao forno para torrar farinha ou assar beijus, com o apoio de grandes abanos de arumã. Os balaios e urutus de arumã servem para reservar a massa da mandioca seca.
Transportar
Transportar a cestaria de arumã das comunidades do alto Içana até Manaus é uma enorme dificuldade e pode levar até duas semanas.
A OIBI, associação indígena do Içana, tem uma canoa grande íita mákali, regionalmente denominada bongo, com um casco de loiro escavado de 14 metros e cobertura de folhas de caranã. Essa embarcação, com seis tripulantes, tem capacidade para transportar cerca de cem dúzias de urutus.
Na data marcada com antecedência, os dirigentes da Associação usam esse bongo, movido a motor de popa de 15 HP, para visitar as comunidades e recolher a produção.
"Eu dou um recado para vocês brancos, para que não poluam os rios. Porquê isso vai afetar o futuro não só dos índios mas dos filhos de vocês também."
(Aritana Yawalapiti ; líder do povo Yawalapiti, do Mato Grosso)
"Nós índios, olhamos para esse mundo do homem branco e verificamos que essa civilização não deu certo."
(Marcos Terena ; do povo Terena, do Mato Grosso do Sul)
"Antes nós não sabíamos que tínhamos limites, só sabíamos que tudo era floresta... Agora demarcamos nossa área porquê é só o que sobra dos lugares antigos." (Kumai ; índio do povo Waiampi, do Amapá)
"Não digo: eu descobri essa terra porquê meus olhos caíram sobre ela, portanto a possuo. Ela existe desde sempre, antes de mim."
(Davi Yanomami ; pajé e líder do povo Yanomami)
"Eu não fico deitado sem pensar."
(Rupawê; velho sábio do povo Xavante, do Mato Grosso)
"No dia em que não houver lugar para o índio no mundo, não haverá lugar para ninguém."
(Aílton Krenak ; do povo Krenak, de Minas Gerais)
"Você vai me dizer: o índio tá falando mas é selvagem; selvagem é vocês, milhares de anos estudando e nunca aprenderam a ser civilização. Pra que você está estudando ? Pra destruir a Natureza e no fim destruir a própria vida ?"
(José Luiz Xavante)
"Eu lutei, mas a guerra não é necessária, não resolve nada. Guerra é coisa de gente cabeça dura que, mesmo com estudo, não pensa. O que resolve é o amor."
(Aurélio Jorge Terena; índio do povo Terena, que lutou pelo Exército Brasileiro na Itália, durante a II Guerra Mundial)
"Nós os índios, sempre cantamos e dançamos nas nossas cantorias, como forma de manter a unidade do nosso povo e a alegria da comunidade. Se a gente cantar e dançar, nós nunca vamos acabar."
(Verônica Tembé; líder da aldeia Tekohaw, do povo Tembé)
"Para nós indígenas, a palavra é de grande valor. É através das histórias contadas pelos mais velhos que mantemos viva a nossa identidade e firme a memória da nossa história, o uso e o cuidado com a nossa terra sagrada. Mas, descobrimos nesses 500 anos de colonização que para os não-índios a palavra não vale nada."
(Carta do Ororubá; IV Assembléia Geral do povo Xukuru do Ororubá)
"Queremos que a floresta permaneça silenciosa, que o céu continue claro, que a escuridão da noite caia realmente e que se possam ver as estrelas. As terras dos brancos estão contaminadas, estão cobertas de uma fumaça-epidemia xawara que se estendeu muito alto no peito do céu. Essa fumaça se dirige para nós, mas ainda não chega lá, pois o espírito celeste Hutukarari a repele ainda, sem descanso. Acima de nossa floresta o céu ainda é claro, pois não faz muito tempo que os brancos se aproximaram de nós. Mas bem mais tarde, quando eu estiver morto, talvez essa fumaça aumente a ponto de estender a escuridão sobre a terra e de apagar o sol. Os brancos nunca pensam nessas coisas que os xamãs conhecem, é por isso que eles não têm medo. Seu pensamento está cheio de esquecimento. Eles continuam a fixá-lo sem descanso em suas mercadorias, como se fossem suas namoradas."
(Davi Yanomami ; pajé e líder do povo Yanomami)
sobre o homem branco: "O mundo deles é quadrado, eles moram em casas que parecem caixas, trabalham dentro de outras caixas, e para irem de uma caixa à outra, entram em caixas que andam. Eles vêem tudo separado, porque são o Povo das Caixas...."
(frase de um pajé do povo Kaingang, recolhida por Lúcia Fernanda Kaingang)
"Não compreendemos porque uma filha dos Kaingang precisa estudar leis escritas e aprender saberes que não são nossos. O que você precisa saber que nossos velhos não podem lhe ensinar ? O que se pode aprender de um Povo que não respeita seus anciãos e abandona suas crianças ? Para que irá um Kaingang estudar leis feitas por estranhos, leis que eles mesmos não cumprem ? Não! Nunca compreenderemos que a lei não seja conhecida por todos, porque nossas leis não são escritas, mas são cumpridas porque são sagradas."
(frase de líderes do povo Kaingang registradas em 1995 por Lúcia Kaingang, advogada indígena, quando decidiu estudar Direito)
"Eu acho que o branco vai resolver problema do branco. Quem vai resolver meu problema é eu."
(Raoni ; líder do povo Caiapó)
"...Esta terra, aqui, era nossa. E agora eles comeram. Agora está tudo feio. Eu estou triste de ver o que foi feito aqui, o que a mão do branco fez. O lugar onde eu nasci. Destruíram tudo. Isso aqui era parte da nossa terra. Aqui, era uma terra boa. Eu não gosto do trabalho dos garimpeiros. Vocês mataram a floresta. O rio acabou. Acabaram os peixes. (...) Por quê o chefe de vocês mandou destruírem essa terra ? O chefe de vocês tem que entender que vocês não podem ir pra nossa terra. Eu não gosto de destruição. Eu não gosto disso aqui não. Eu nasci aqui. Eu caçava aqui. Pescava aqui. Aqui, era minha terra. Não é a terra de vocês. (...) Olha essa terra aqui. Eles comeram o lugar onde eu nasci. Tudo acabou. (...) Eu vou explicar pro chefe dos brancos que vocês acabaram com tudo, com a floresta e com a água."
(Aké Panará ; líder do povo Panará. Em 1974 esses índios foram transferidos de sua terra original por causa da construção da rodovia Cuiabá-Santarém. Dezoito anos depois, Aké retornou à sua terra, uma floresta que se transformara num garimpo abandonado, e não conteve seu desabafo.)
"... a preservação da cultura indígena, em vez de barrar o progresso, como dizem alguns caçadores de índio, estará salvando nosso país da destruição de muitos valores, provocada por essa selvagem civilização tecnocrata."
(Margarida Tapeba ; professora indígena do povo Tapeba.)
"A gente tinha uma insatisfação que não passava. Fomos conversando sobre a força dos nossos usos e costumes. Deu muita vontade de aprender mais, para poder também ensinar um dia. A vida tem que ter um sentido, uma sequência. (...) Hoje eum sei quem sou. Estou em paz. Minha língua, minha cultura, são muito ricas e bonitas. Elas são nossa identidade. Sei da beleza e da força da natureza. Sinto a força do pensamento. Quando ele é firme não existe nada impossível, nem nada superior ou inferior."
(Raimunda Yawanawá ; a primeira mulher do povo Yawanawá a tornar-se pajé, falando sobre os motivos de sua escolha e seu pensamento hoje em dia)
Um recente
relatório da organização indigenista Survivor International
trouxe novamente à luz a deplorável situação humanitária vivida pelos
índios Guarani Kaiowá no estado do Mato Grosso do Sul. Como se sabe, há
milhares de indígenas vivendo em condições absolutamente degradantes enquanto esperam, à beira de estradas, pela demarcação de seus
territórios, como ordena nossa Constituição.
Com
um vasto território, não é por falta de espaço que não se concedem as
terras devidas à maior etnia indígena remanescente no país. Ninguém no
governo federal ousa enfrentar os interesses do agronegócio no estado comandado pelo governador do PMDB André Puccinelli, enquanto que a mídia
mostra mais uma vez sua total insensibilidade, obviamente calada pelos
mesmos interesses supracitados.
Qual a situação real dos
índios Guarani Kaiowá em todo o estado do Mato Grosso do Sul? Em que
condições psicológicas os indígenas se encontram, com suas alarmantes
taxas de suicídio, que envolvem até crianças?
Marta
Azevedo: A situação dos guaranis no Mato Grosso do Sul é muito
complicada, pois há muitos anos eles vêm lutando para demarcar novas
áreas, conseguindo muito menos que o necessário para sua sobrevivência.
O
MS é um estado bastante agrário, com muitas fazendas, o agronegócio;
portanto, são interesses muito fortes, os quais os índios e a FUNAI não
têm enfrentado a contento para melhorar a qualidade de vida na região.
há muitos anos tais estatísticas e é a fonte mais confiável.
Eles,
de fato, têm registrado altas taxas de suicídio, saída praticada por
conta da falta de perspectiva de vida dos últimos 15, 20 anos. Ninguém
sabe ao certo, de forma muito detalhada, como andam essas taxas de
suicídio. A Funasa (Fundação Nacional de Saúde) diz que elas estariam
baixando, mas eu não teria essa certeza. Precisaríamos checar com os
dados do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), que é quem acompanha
cestas básicas da Funasa. E a taxa de mortalidade infantil também está
Outra
coisa que acontece ultimamente, e que nos alarma mais ainda, é uma grave subnutrição entre as crianças, que têm extrema dependência de
alta.
Enfim, é toda uma situação realmente muito ruim,
inclusive para o país. Mas o que nos assusta é a enorme violência que
vem sendo praticada contra as comunidades que lutam pelas suas áreas
tradicionais na forma de assassinatos e esquartejamentos. Após as mortes, os corpos são encontrados dentro de sacos de lixo, em geral em
fundos de rio ou locais de difícil acesso – isso quando são encontrados.
E
foi um assassinato ocorrido dessa maneira na Argentina que mais me
alarmou, na região de Misiones, fronteira com Paraguai e Brasil. Existe um grupo de guaranis na região que foram expulsos do Paraguai. Isso
porque o agronegócio brasileiro chega ao Paraguai, onde já há muitos
fazendeiros brasileiros em certas partes do país. Inclusive, há casos em
que borrifaram veneno nos índios e nas aldeias, como ocorreu no segundo
semestre do ano passado, deixando vários deles enfermos. Apesar de não
sair na grande mídia daqui, foi bem falado por lá.
Ou
seja, o agronegócio chega ao Paraguai, expulsa os guaranis, que vão ao
norte da Argentina. Dessa forma, na região de Misiones, há um boom de
assentamentos deles, onde houve uma criança assassinada recentemente.
CC:
Qual é, mais exatamente, a rotina costumeira desses indígenas? Que tratamento eles recebem das autoridades, mídia e demais populações
locais?
MA: Existem três situações muito diferentes. Os Guaranis
são o povo indígena mais populoso, em seus três diferentes grupos
(Kaiowá, Nhandeva e Mbya), totalizando 50 mil pessoas.
No
MS, estão os nhandeva e os kaiowá. As situações são diferentes no
seguinte sentido: aqueles que estão nas reservas mais antigas,
demarcadas no começo do século 20, ainda no tempo do Marechal Rondon,
vivem uma situação complicadíssima, pois as reservas estão absolutamente
superlotadas. Há reservas de 2000 hectares com população de 5000
pessoas, uma densidade demográfica de cidade grande praticamente. Assim,
eles não têm lugar pra roça e precisam sair da reserva para trabalhar
nas usinas próximas, onde conseguem emprego, para depois voltar às
reservas, que acabam sendo reservas-dormitório. Isso ainda faz com que
as mulheres fiquem sozinhas.
Por outro lado, eles ao menos têm o
atendimento da Funasa, na maior parte das vezes escola, enfim, uma
atenção maior, embora a situação seja muito ruim em termos de acesso à
terra.
Há outra situação, que, a meu ver, é a melhor no estado:
é a daqueles localizados em terras indígenas demarcadas na década de
80, que são oito áreas ‘novas’, como chamamos. São 8 terras e possuem
tamanho mais adequado à população tradicional desses locais. Eles têm
atendimento da Funasa, da FUNAI e uma maior extensão de terra, onde
ainda é possível fazer agricultura, um pouco de colheita e caça. É uma
situação um pouco melhor.
Mas a pior situação se refere a 22 assentamentos, em beira de estrada, exatamente como os do MST. Só que
com o agravante do enorme preconceito existente no MS em relação aos
guaranis, que são chamados de bugres. E desses 22 assentamentos, a maior
parte está embaixo de lona preta; outros em reservas mais antigas, sem
acesso à água, submetidos a toda a violência dos fazendeiros, que se
sentem já invadidos de verem-nos às portas da propriedade. Os que ficam
em tais condições não têm acesso à saúde, pois às vezes a Funasa não
consegue atendê-los ou não pode. Tampouco têm acesso à escola. Dessa
forma, as crianças vão às escolas das cidades mais próximas, onde sofrem
um preconceito horroroso; não têm como lavar roupa, não têm comida…
Esses são os que realmente sofrem a violência que mencionei. Estive lá
em um acampamento deles e, logo depois que voltei, a liderança que
conheci foi assassinada. E nada sai na mídia.
Por parte do governo, a FUNAI estruturou alguns grupos de trabalho (GT), a fim de propor novas
áreas. Dessa forma, temos alguma esperança com esses novos GTs que foram
para lá. No entanto, os GTs também sofrem muita violência, ameaças,
perseguição a carro. Mas estão trabalhando.
CC: O que se pode dizer
do relatório da Survivor International recém-entregue à ONU, listando
toda sorte de mazelas na vida dos guaranis? Como você acha que deveria
ressoar em nossa sociedade?
MA: Acho que quanto mais pudermos
veicular a situação dos Guaranis no Brasil todo e internacionalmente,
melhor. O que vejo hoje em dia, pelo menos em São Paulo, é algo que se
aproxima mais do lado folclórico, chamam crianças indígenas para
acampar… Que bom, pois há uma certa valorização da questão indígena por
parte da opinião pública, mas com enorme desconhecimento da situação
deles no MS.
O Mato Grosso do Sul é o estado mais anti-indígena do
Brasil. É completamente diferente do Mato Grosso, Amazonas, onde o
preconceito diminuiu um pouco.
Precisamos fazer uma campanha
naquele estado. O problema é que ninguém tem coragem de descer lá, já
que está nas mãos do PMDB, há a questão das alianças de governo… E
ninguém faz nada.
CC: Qual tem sido a atuação dos governos, nas
três esferas, na resolução das demarcações de terra e demais direitos
exigidos pelos indígenas?
MA: No que diz respeito à política
de educação, no Brasil, ela é implementada pelos estados ou municípios.
Portanto, de maneira geral, precisa de mais apoio à educação dos índios,
que não são abarcados por nenhum dos entes. Existem cursos de formação
de professores Guarani Kaiowá, numa boa iniciativa apoiada pela
Universidade de Dourados.
Mas falta muita infra-estrutura nas
escolas, tele-centros, enfim, investimentos e consciência do governo de
que os
povos indígenas em seus territórios são uma riqueza para o estado.
É a
mesma coisa de Roraima, quando diziam: ‘há um problema, que são os
índios’. Não é problema. Temos que, cada vez mais, trazer à cidadania
brasileira a idéia de que essa população tem muito a nos ensinar. Temos o
privilégio de conviver com essa população, sua sabedoria e modos de
vida, podendo aprender com eles. Nunca podemos encarar a questão como um
problema ou uma barreira cultural, como ouço muitas vezes de alguns
serviços de saúde. Não é uma barreira. Eles têm cultura, línguas
diferentes, uma riqueza imensa.
E nós temos de aprender essas
línguas. Não há um não-indígena que fale guarani no Brasil. Isso é um
absurdo. Temos 50 mil guaranis no Brasil e ninguém fala a língua deles,
que são obrigados a falar português, a língua do dominador. Não ficamos
bravos quando um americano vem aqui trabalhar e não sabe falar nossa
língua? É a mesma coisa em relação aos indígenas. As pessoas que
trabalham com saúde e educação indígena têm de aprender o mínimo das
línguas e culturas indígenas, de modo que possam respeitá-las, pois
aquilo que não conhecemos não respeitamos, mesmo sem querer.
Portanto,
acho que os serviços de educação e saúde aos Guaranis Kaiowá, embora
estejam melhorando com algumas boas iniciativas, ainda deixam muito a
desejar. Muito mesmo. Há muita coisa que poderia ser feita e, por falta
de vontade política, não é.
CC: Que interesses mais específicos
impediriam a resolução mais rápida de tais impasses e também a inserção
das comunidades indígenas no processo econômico regional, uma vez que a
produção de suas terras também poderia se inserir na economia de
mercado?
MA: Na verdade, nas reservas antigas, quase não há
espaços para produzir. Nas áreas de roça, como no Alto do Solimões, os
grandes provedores de alimentação da cidade são os indígenas, que provêm
os mercados regionais com toda a produção de roça.
No
MS, é muito urgente fazer, por parte do governo federal e estadual,
mesas de concertação, discussão, de produção de consenso, que poderiam
ser paritárias. Ninguém abre diálogo com os guaranis, que se reúnem
apenas entre eles e vão entregar suas demandas ao governo. Depois, um ou
outro funcionário vai conversar com eles. Mas não existe uma
sistemática, como essas mesas, onde suas idéias possam ser expressadas
em sua língua. É como se nós tivéssemos de expressar nossas demandas em
francês.
Já avançaríamos muito com uma medida dessas. Poderia ao
menos reduzir um pouco essa violência tão grande que há por lá. É
necessária alguma mediação de conflitos, talvez com especialistas
contratados. Creio que esse seria o caminho para os guaranis entrarem no
mercado regional.
CC: Como tem sido a solidariedade a esse
movimento? Além do engajamento dos guaranis da Bolívia, Paraguai e
Argentina, há um movimento forte por parte de outros atores da sociedade
civil, ou a luta dos índios é isolada?
MA: Lá no MS, se você for a
Campo Grande ou qualquer cidade por ali, verá que estão isolados, exceto
por algumas iniciativas de universidades. Não existem grupos de apoio,
nas escolas não há material para que as crianças compreendam quem são
esses seus vizinhos guaranis…
O que podemos fazer são matérias que
saiam na mídia e expressem solidariedade, pois não há muitos caminhos.
Os guaranis, por sua própria característica cultural, não possuem uma
organização unificada, onde se possa falar com algum presidente. Não
existe isso, justamente por serem guaranis. Se quisermos que eles formem
alguma organização, estaremos desrespeitando a sua organização social e
política.
É muito difícil conseguir exercer solidariedade. Assim, o
que podemos fazer é veicular cada vez mais material em português e
tentar influenciar mais escolas do estado a estudar um pouco mais sobre
eles, para que as crianças não sejam simplesmente ensinadas a chamá-los
de bugres e reproduzir preconceitos.
Temos de abrir cada vez mais o
leque, aprender a língua, além de divulgar na internet e outras mídias,
já que não há muitos tele-centros ou sites sobre o tema. No Amazonas,
por exemplo, tem muito mais. É importante constituir alguma rede ao lado
deles.
CC: O processo eleitoral que teremos neste ano traz esperanças, angústias, que sentimentos aos povos da região? Há alguma
perspectiva de melhora na luta desses povos ou os dias que lhes esperam
se mostram sombrios?
MA: Conversando com algumas mulheres Kaiowá
de uma comunidade, perguntei a elas o que mais querem, o que lhes traria mais esperança. Sabe o que responderam? “Dar documentos aos nossos
filhos”. Eles não têm carteira de identidade, e fora da cidade não são
aceitos em nada. A coisa lá é tão complicada que… não sei.
Gostaria
muito que os próximos governos federal e estadual mudassem essa
situação. Mas gostaria muito mais que a questão indígena não fosse
objeto de trabalho e reflexão por parte de um partido só, pois não se
trata de uma questão partidária. Claro que os modelos e tratamentos da
questão serão diferentes em cada partido. Quanto a isso, tudo bem.
Nesse
sentido, acho que a questão indígena está mais bem incorporada no
projeto de governo da Marina Silva atualmente. Gosto muito do PT e do
governo do Lula, e espero que a Dilma consiga articular tal questão um
pouco melhor no Mato Grosso do Sul, mas depende muito de quem for o
governador.
Tenho muita esperança, mas o que gostaria de verdade é
que esta não se tornasse uma questão partidária. E foi isso que
aconteceu no Mato Grosso do Sul. Como lá o governo é do PMDB, o governo
federal não se mete, não briga, porque não pode perder os aliados de lá.
Isso é um absurdo! É uma população que sofre uma violência terrível em
função de uma aliança partidária.
A questão indígena é
humanitária, deveríamos ter uma visão um pouco mais larga a respeito do
assunto.