O interesse estrangeiro pela Amazônia antecede o descobrimento: antes  dos portugueses descobrirem o Brasil, o espanhol Vicente Yañez Pinzón  visitou a costa nordeste da América e chegou até o estuário do grande  rio que, escondido em igarapés, furos, rias e passagens, não se dava a  conhecer. Sua foz abarcava mais de 50 léguas e suas águas pareciam  avançar 16 em oceano aberto (hoje, se sabe que alcançam 320 km).  Indiferente a tudo, o Amazonas abria sua boca no estuário imenso.  Toldava de barro as águas azuis do Atlântico.
Pinzón chamou a ilha de Marajó de Marinatãbalo, assinalou um cabo  que chamou de São Vicente, que deve ser o cabo Orange, e chamou o  Amazonas de Santa María de La Mar Dulce. À região para o norte, onde é  hoje o Amapá, chamou de costas anegadas, isto é, terras afogadas.  Descobriu o rio Oiapoque, que logo recebeu seu nome. O mistério e a  imensidão da região logo despertaram a cobiça e o desejo de possuí-la.
Esta era a região aproximada em que a linha de Tordesilhas  encontrava a costa. Tanto pelas indefinições do texto do Tratado, como  pela própria dificuldade de se saber onde se estava, não se sabia  exatamente onde.
A costa amazônica foi logo visitada por navegantes, corsários e  piratas de várias nacionalidades. O primeiro registro muito importante é  o da viagem de Orellana, de 1540 a 1542, partindo de Quito e chegando,  pelo Amazonas — naquele tempo em geral chamado de rio Marañón —, ao  Atlântico. Frei Gaspar de Carvajal, que com ele seguia, contou como  tentou explorar a terra da Canela, e seguiu um rio que deu num rio que  deu num rio e “aqui demos de chofre na boa terra e senhorio das  amazonas… desde o ponto em que deixamos Gonçalo Pizarro já caminhamos  1.400 léguas, antes mais do que menos”. Haviam atravessado a Amazônia.
De volta à Espanha, Orellana ganha a concessão das imensas terras  em torno do rio e, ao vir ocupá-las, morre na foz, depois de naufrágios  sucessivos. No mesmo ano de 1546, Luís de Melo e Silva passa pela boca  do Amazonas e, com o rei de Portugal, consegue também uma concessão, uma  capitania cujo nome e documentos não nos chegaram. Mas também morre no  desejo de possuí-la, tragado em suas águas, em outro naufrágio.
Apesar da falta de documentos, sabemos que as passagens dos  portugueses pela área eram freqüentes: como assinalou o barão do Rio  Branco, os mapas desse tempo, inclusive os 

holandeses,  em geral já trazem marcado o nome português de Cabo do Norte para o  atual Amapá. Mas o próximo registro é de franceses que visitaram o norte  da costa amazônica e depois se fixaram em terras da ilha de Ipaon Açu,  no Maranhão: Jacques Riffault e Charles des Vaux.
No seu traço aparece o nobre francês Daniel de La Touche, Senhor de  La Ravardière, que, partindo de Cancale, na Bretanha, navega por esses  mares, ancora no cabo Cassiporé, visita a terra de Yapoco, corre a costa  do hoje Amapá, regressa à foz do rio Caiena e volta à França levando um  índio, chamado Itapucu, que depois o acompanha em várias viagens. Com  ele vinha Jean Mocquet, chefe do Gabinete de Singularidades de Henrique  IV, que conta a viagem de La Ravardière e as lutas entre os índios e  novidades desse novo mundo. Esse La Ravardière vai ocupar uma posição  muito importante na história das descobertas. Recebe de Henrique IV uma  concessão para colonizar essa vasta região, fundar a França Equinocial.
Em 1612 instala-se, com o apoio das tribos da região. Fortifica-se.  Em homenagem ao rei-menino — Luís XIII tinha 11 anos — dá o nome de seu  avô, São Luís, (Luís IX) ao principal núcleo. O projeto abarca toda a  costa amazônica e avança até o Caribe. Em Salvador e no Recife  concerta-se a reação. Monta-se a expedição de Jerônimo de Albuquerque e  Diogo de Campos Moreno por terra e mar. Enfrentam dificuldades para  chegar. Mas, surpreendentemente, ante a enorme superioridade em gente,  armas, navios, conseguem a vitória de Guaxenduba. É a intervenção de  Nossa Senhora, segundo a crônica portuguesa. Seguem-se trégua,  negociações e a retirada dos franceses.
Funda-se a primeira cidade da Amazônia, que mantém o nome de São  Luís. Dois grupos são mandados ao rio das Amazonas: por terra, sob o  comando do capitão Pedro Teixeira, por mar, sob o comando de Francisco  Caldeira Castelo Branco. Este cria, em 1616, o forte do Presepe, a  futura Belém. Começam os combates sistemáticos contra a pirataria na foz  do Amazonas.
Desde 1596 os ingleses haviam aparecido, na pessoa do explorador  Keymis, quem primeiro deu o nome de Oiapoque ao rio de Vicente Pinzón.  Nesse período, ingleses, irlandeses e holandeses fizeram várias visitas  registradas à foz do Amazonas. Eles, também, ganham concessão do rei da  Inglaterra, James I. O mais importante, o notório sir Walter Raleigh,  estava convencido que ali era o Eldorado, e divulgou este mito. Até o  Duque de Buckingham foi dono da margem esquerda do Amazonas e de sua  costa atlântica. Fizeram fortes, Cocodivae, Torrego, Cumaú. Os  holandeses fixam no Xingu as feitorias de Orange, Nassau, Mondiutuba.  Todos eles, depois da derrota dos franceses, foram expulsos da região.  Com muita luta: os portugueses tiveram que tomar fortes, destruir  feitorias, lutar em patachos e naus. Mas a idéia francesa não morrera:  Richelieu criou, em 1633, uma empresa, Companhia do Cabo Norte, para  explorar as terras do Amazonas até o Orinoco.
Em 1637 começa a colonização européia do Amapá com a sua concessão,  como Capitania do Cabo Norte, por Felipe IV de Espanha e III de  Portugal, a Bento Maciel Parente, governador do Maranhão e Grão-Pará. As  terras são delimitadas do Oiapoque ao Paru, passando pelo Jari. Como  desde 1580 estavam unidos os reinos de Portugal e Espanha, e portanto  não havia a questão do limite entre suas terras na América, não se  examinou se esse limite estava aquém ou além da linha de Tordesilhas.  Bento Maciel Parente logo começa a fazer a ocupação efetiva de sua  capitania.
Pedro Teixeira, alertado pela viagem que fazem os franciscanos  Domingos de Brieva e André de Toledo, do Napo até Belém, em 1639, sobe o  Amazonas e vai a Quito, com 47 canoas, setenta soldados, 2 mil índios.  Fixa, no Napo, a localidade de Franciscana, marco entre os dois reinos.  Em sua viagem de volta, nesta exploração mais cuidada do Amazonas, veio  seguindo pela margem esquerda, que os jesuítas Alonso de Rojas e  Christoval de Acuña, enviados desconfiadamente em sua companhia, ao  narrarem a viagem, chamam de Banda do Norte. Acuña afirma, descrevendo  as inumeráveis riquezas: “[...] outras muitas coisas que cada dia a  necessidade e a ambição virão trazendo à luz”.
É a época em que os fortes se sucedem no braço norte, primeiro com a  consolidação de Gurupá, logo com o de Cumaú, que, deslocado da ilha de  Santana para a margem norte, daria origem a Macapá. Época também da  penetração dos religiosos jesuítas e franciscanos, fixando os índios nas  aldeias das missões. Os primeiros tempos foram difíceis. O jesuítas  Luís Figueira e seus companheiros morrem na ilha dos Joanes, a atual  Marajó. O padre Antonio Vieira, ao chegar em 1651, encontra o problema  da escravidão dos indígenas e acaba sendo expulso, em 1661.
As ações esporádicas se tornam ações sistemáticas. Em 1643 os  holandeses conquistam São Luís, atacam Belém, mas não conseguem na  Amazônia o pé firme que haviam posto em Pernambuco.
A partir do final do século XVII os franceses, finalmente  instalados em Caiena, passam a tentar fixar seu domínio na margem  esquerda do Amazonas. O marquês de Ferroles desce pessoalmente duas  vezes a estas terras; da primeira vez até ao Araguari, onde encontra um  forte português que faz com que torne caminho; uns poucos anos depois  desce com mais armas e toma Cumaú: na ilha de Santana permanece por  menos de um mês, logo expulso pelos soldados lusitanos.
O começo do século XVIII é a época da solução diplomática. Tenta-se  uma solução de submissão de Portugal. Mas em 1713 é firmado em Utrecht,  em meio às grandes negociações entre as potências européias, um tratado  que fixa a fronteira entre as terras de França e Portugal, na América,  no rio Yapoco ou Vicente Pinzón. Por ele, a França — Sua Majestade  Cristianíssima — abre mão expressamente de “todo e qualquer direito e  pretensão que pode ou poderá ter sobre a propriedade das terras chamadas  do cabo do Norte, e situadas entre o rio das Amazonas e o de Japoc, ou  Vicente Pinzón”. Por causa desta dupla alusão, duraria quase duzentos  anos a discussão sobre se Oiapoque e Vicente Pinzón eram o mesmo rio e  qual rio eram, isto é, onde era nossa fronteira.
Desde Gomes Freire de Andrade os governadores tinham procurado  solidificar as fortificações e defesas da região. No começo do governo  (em Portugal) do marquês de Pombal, o bispo do Pará, frei Miguel de  Bulhões, desmascarou um entendimento entre moradores de Belém e Caiena,  isto é, a França.
Pombal, agindo com a clarividência e a determinação que o tornaram um  dos grandes nomes do Iluminismo, com a ajuda de seu meio-irmão, o  governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado, elaborou um projeto  estratégico de ocupação da Amazônia e de afirmação de fronteiras. A  partir de 1755 fez penetrar o rio Negro, o rio Madeira, num processo  sistemático de interiorização que alcançou o planalto central. Na foz do  Amazonas, fez construir o forte de Macapá e transformou a povoação  nascente em vila, quando corria o ano de 1758. Aí fixou as famílias  açorianas que formaram a primeira geração de imigrantes da Amazônia.
No findar do século XVIII a ameaça francesa se faz cada vez mais  próxima, no terreno americano ou nas mesas européias. Várias iniciativas  são tomadas pelos dirigentes da Guiana no sentindo de fixar um marco de  fronteira: em 1776, um posto no Maiacari (que chamam de Vincent  Pinçon); aí implantam uma missão franciscana, logo depois tranferida  para a margem do Cunani; em 

1781  estabeleceram o forte de Vincent Pinçon no Araguari; em 1783, no  Macari. D. Francisco de Sousa Coutinho, em 1791, mandou reocupar a área,  já abandonada.
Conquistador da Europa Continental, Napoleão fez constar, nos  vários tratados que impôs a Portugal — Badajós, Madri, Amiens,  Fontainebleau —, que a Guiana vinha até o Amazonas. Mas ao afugentar a  família real portuguesa de Lisboa deu origem a uma reação militar que  resultou na determinação de D. João de mandar ocupar Caiena. A 1.º de  maio de 1808, D. João denunciou formalmente aqueles tratados. Em  dezembro nossa esquadra atingiu o Oiapoque, cujo Fort Saint Louis estava  coberto por mato. A 6 de janeiro de 1809 foi feito o desembarque na  ilha de Caiena.
O futuro marquês de Queluz, Maciel da Costa, governou a  antiga colônia francesa por sete anos e recebeu, ao entregá-la de volta,  feita a paz entre os dois países e anulados os tratados impostos pelo  imperador francês, as lágrimas de saudade da população.
Resolução do Congresso de Viena, em 1815, mandou devolver a Guiana  até o Oiapoque, o que foi confirmado pelo Tratado de Paris, de 1817. Mas  o documento determina que se “procederá imediatamente das duas partes à  nomeação e envio de comissários para fixar definitivamente os limites  das Guianas Francesa e Portuguesa, conforme ao sentido exato do artigo  VIII do Tratado de Utrecht.” Permanece um estado de dúvida sobre a  fronteira durante os primeiros anos do Império brasileiro. O governo de  Louis Philipe adota uma política expansionista e sustenta que a  fronteira é no Araguari. O Brasil acaba por admitir uma situação de  contestação do território entre o Oiapoque e o Araguari, e a acordar com  a França uma neutralidade em que nenhum dos dois países deve intervir, a  não ser como polícia e justiça de seus respectivos cidadãos.
No final do século XIX acontecem a corrida do ouro e o episódio das  repúblicas do Cunani. Houve primeiro uma inteligente e sábia ação  diplomática e política, para criar uma região independente, sob a  proteção da França. Tentava-se desvincular o sentimento brasileiro da  questão do contestado. O antigo sonho do Eldorado persistira na região.  Um homem que tivera experiência em Ouro Preto, Paulino, encontra o  primeiro ponto explorável comercialmente, no alto Aprouague. Para os  habitantes da região, era La couleur. Motivo para tudo. A pequena cidade  do Cunani foi ressuscitada.
Em 5 de janeiro de 1894, dois brasileiros, Germano Ribeiro Pinheiro  e Firmino, explorando o alto Calçoene, acharam ouro. Mais ou menos na  mesma época a mesma descoberta foi feita por Clément Tomba ou Tamba, um  africano, provavelmente um dos muitos trabalhadores africanos livres  migrados entre 1848 e 1865. A zona aurífera, excepcionalmente rica, era  pequena: 8 km de comprimento por 3 de largura.
Esse ouro era quase todo exportado por Caiena. E era contado como  produção da Guiana. Esta, que vinha se mantendo em torno de 1.500 kg  anuais havia mais de vinte anos, pulou em 1894 para cinco toneladas. Com  o ouro, toda a riqueza ficava com a Guiana e sobretudo com seus  comerciantes. A população francesa explodiu. Os franceses ocuparam o  Calçoene.
A situação de atrito, de faroeste, se agravava. O capitão de  Calçoene era Eugéne Voissien. Este resolveu barrar o acesso dos  brasileiros às minas. A população do Contestado, embora tremendamente  aumentada pela chegada de franceses e créoles de Cayenne, ainda era  majoritariamente brasileira. Em Cunani viviam 286 pessoas, das quais só  duas não eram brasileiras: uma era um português, outra um natural de  Caiena. No Cassiporé viviam 120 brasileiros; em Uaça, viviam oitenta; no  Curipi, setenta; em Arucauá, sessenta índios. Só em Amapá a população  era maior: em 1899 lá viviam seiscentas pessoas, todas brasileiras. Os  franceses se concentravam no Calçoene.
Politicamente, o fio revelador está na figura de Trajano. O preto  Trajano na realidade era o capitão Trajano Benitez, comerciante  influente — tinha a única casa assoalhada de Cunani —, protegido da  França e o criador da République du Counani. O documento fundador data  de 23 de outubro de 1886: “Eu, Trajano, capitão-chefe do rio Cunani,  chefe da Capitania da Guiana Independente, em nome e delegado pelos  principais negociantes e pela maioria dos habitantes, declaro o que se  segue:
1) Organizar no nosso país um governo que será República e reconhecido depois pelas duas potências, a França e o Brasil;
2) O governo em questão, já tendo sido declarado e proclamado em  mais de dez reuniões públicas, às quais assistiu o sr. Guigues,  explorador. Segue-se que queremos:
a) nos reger pelas leis francesas, quer dizer que adotamos o código francês como legislação de nosso país;
b) que a língua francesa seja a língua governamental;
c) …nosso presidente, o sr. Jules Gros…Nossa república tendo sido declarada… pedimos a proteção dos Estados vizinhos.
Viva a França!”
Fazia-se o inverso do que fará Galvez no Acre. No dia 10 de  dezembro de 1894 os brasileiros passaram à ofensiva na região do Cunani.  Reuniram-se em Amapá os homens de maior prestígio, Francisco Xavier da  Veiga Cabral, dito o Cabralzinho, Desidério Antônio Coelho, Manoel  Gonçalves Tocantins. Desidério foi aclamado chefe do movimento.  Convocou-se uma assembléia-geral do Cunani para o dia 26 de dezembro.  Lavrou-se ata: “Aos vinte e seis dias do mês de dezembro do ano de mil  oitocentos e noventa e quatro pelas sete horas da nuite [sic] na sala da  Capitania do Amapá, achando-se reunidos grande número de habitantes e  muitas famílias, o Sr. Desidério Antônio Coelho, que se achava no  governo deste distrito, abriu a sessão e agradecendo a nomeação do Capm.  do lugar pediu a sua demissão; foi então por ele mesmo lembrado da  criação de um novo Governo conforme o programa incluso a do Triunvirato e  seus suplentes sendo eleitos por unanimidade para Presidente o  reverendo Cônego Maltez, Francisco X. da Veiga Cabral e Desidério  Antônio Coelho. Suplentes: os srs. Raimundo Antônio Gomes, João Lopes  Pereira, Manoel Joaquim Ferreira. Foi então nomeada uma Comissão para  comunicar esta decisão ao Revmo. cônego Maltez, foi saudada por todos os  presentes. Aceito o cargo, depois dos presentes terem prometido o seu  apoio para que pudesse Governar [sic] com segurança. O ex-Capitão  Eugenio Voizen [sic], declarou publicamente aceitar a nova forma de  Governo, tendo sido nesta ocasião nomeado Cap. Honorário do Exército  Amapaense.”
Neste momento ressurge Trajano Benitez. Assume uma atitude de  contestação. Hasteia a bandeira francesa. Provoca. É preso por Cabral na  pequena cidade de Cunani e levado para Amapá. No dia 9 de maio, em  reação natural de defesa dos interesses dos franceses e também do  sentimento patriótico ainda tão exacerbado naqueles dias, a população de  Caiena foi às ruas. O governador Charvein teve uma reação  desproporcional, pretendendo criar, para a França, uma política de fato  consumado e resolveu “enviar sem nenhuma demora o aviso Bengali ao Amapá  a fim de libertar o nosso representante, e prender, se possível, os  autores de seu rapto”.
A decisão significava uma intervenção militar francesa em  território brasileiro. Não era a primeira vez, mas — fora as tentativas  de De Ferroles, feitas antes do acordo de fronteiras — até então elas  haviam sido lançadas sobre o espaço vazio. Agora elas se projetavam  sobre uma região em que a população local tentava suprir a falta de  governo, resultado justamente da insistência francesa em manter uma  dúvida sobre a fronteira, criando um potencial para sua expansão. A  missão francesa termina com o massacre de 38 civis, entre eles mulheres e  crianças, para usar os números franceses.
A jogada política transformara-se em tragédia, e o problema mudara  de cenário. É necessário resolver definitivamente a pendência entre os  dois países. Na cidade do Amapá mesmo, numa demonstração contundente da  mudança, prevalecia o anticlímax do conflito armado.
Em princípio de 1896, Cabralzinho parte para um circuito de defesa  da posição brasileira na batalha diplomática. Começa levando ao  presidente da República, Prudente de Morais, longo 

relatório  sobre os acontecimentos. A viagem é um sucesso. A cada porto, ao longo  da costa, as manifestações de solidariedade e entusiasmo explodem.
O barão do Rio Branco assume a defesa do Brasil diante do árbitro  escolhido para solucionar o problema, o governo da Confederação  Helvética, a Suíça. Apresenta duas memórias avassaladoras, demonstrando a  longa e continuada posse e a identidade do Japoc ou Vicente Pinzón com o  Oiapoque. Sobretudo nesta última demonstração se apoiava largamente em  trabalho de Joaquim Caetano da Silva, que desde 1850 se dedicou a  estudar a questão do Oiapoque e da fronteira com a Guiana Francesa,  L’Oyapoc et l’Amazone. Mas Rio Branco cobriu todas as lacunas, com o  apoio de uma plêiade de documentos históricos e um extraordinário atlas.
A sentença suíça resolvia, de uma vez por todas, a questão do  contestado entre a França e o Brasil. Mais uma vez o gênio de Rio Branco  afirmara, pacificamente, uma imensa porção do território brasileiro.  Nos anos seguintes a fantasia de uma república independente de  aventureiros franceses se esfacelaria naturalmente, enquanto a ocupação  lenta e pacífica do Amapá se consolidava. Mas, sobretudo, evitava-se a  pretensão francesa de chegar à boca do Amazonas, tornando o rio  internacional, e garantia-se o nosso controle sobre sua navegação.
O caso do Acre se afastou dos outros problemas de fronteira do  Brasil. Ao assumir o Ministério das Relações Exteriores no governo  Rodrigues Alves, o famoso gabinete da Rua Larga, o barão do Rio Branco  encontrava o desafio de, ao invés de defender direitos históricos,  ameaçados por interpretações de tratados, por uma ação sobre o nosso  território vinda de nossos vizinhos, defender interesses brasileiros  sobre um território que não era nosso.
O acesso ao rio Amazonas, como uma área de navegação internacional, despertava a cobiça 

estrangeira  sobre os nossos vastos territórios. Com a descoberta da borracha, o  problema se tornara muito mais agudo, e o sonho do Acre brasileiro  começara a se definir.
Tratava-se de assegurar os direitos sobre um produto essencial, em  crescente demanda pelos mercados americanos e europeus. Por volta de  1850 a navegação do Amazonas se fazia somente com barcos à vela, quando  os portos brasileiros, inclusive o de Belém, eram dominados pelos  vapores. Só em 1854 o imperador autorizou Mauá a criar a companhia de  navegação a vapor. O nosso ministro em Washington, Sérgio Teixeira  Macedo, avisava: “A pretensão do governo americano de fazer explorar por  sua conta, e por seus engenheiros e naturalistas, o rio Amazonas, suas  margens e seus tributários, envolve como conseqüência necessária a  pretensão de obter a livre navegação deles para a sua bandeira”.
Havia, é claro, base na tese do direito de navegação dos países a  montante do rio, Equador, Peru e Bolívia. Mas esta reivindicação era  baseada em fatos artificiais, já que as regiões amazônicas dos três  países eram completamente selvagens, sem qualquer exploração relevante.  E, como assinalava o Visconde de Uruguai, em suas instruções ao Barão de  Penedo, enviado ao Peru e à Bolívia, “os rios e suas margens são do  domínio da nação em cujo território se acham”. E acrescentava,  constatando que o fato era um pretexto para a internacionalização da  navegação, ou seja, para o que faria “desaparecer a nossa nacionalidade,  a nossa língua, e a nossa raça seria substituída”.
O quadro que se sucedeu foi, no entanto, a da ocupação do  território boliviano por brasileiros, sobretudo nordestinos, sobretudo  cearenses. Foram estes que, sob o comando de homens como João Gabriel de  Carvalho e Melo, penetraram no grande vazio — as regiões altas de Purus  e Juruá eram quase desconhecidas — estabelecido pelos Tratados de Madri  e Santo Ildefonso: “[…] por uma linha de leste a oeste em tal altura  que fique repartindo por igual aquelas terras desconhecidas […]”.
Aconteceu então o quadro que Euclides da Cunha observou na síntese  definitiva: “Em menos de trinta anos, o Estado, que era uma vaga  expressão geográfica, um deserto empantanado, a estirar-se, sem limites,  para sudoeste, definiu-se de chofre, avantajando-se aos primeiros  pontos de nosso desenvolvimento econômico”.
Em 1898, o ministro d. José Paravicini aplicou, durante alguns  meses, o que chamavam de artigo 44, em menção ao rifle usado para  instaurar a soberania boliviana. Foi o motivo para começar, no Amazonas  mas também no Rio de Janeiro, uma verdadeira comoção popular. Pouco  depois um grupo de brasileiros dá uma demonstração de que a força não é o  caminho e expulsa o cônsul boliviano em Puerto Alonso. No ano seguinte a  viagem da canhoneira americana Wilmington até Iquitos, no Peru, acirra  os ânimos. Um repórter do Comércio do Amazonas, Luís Galvez – que  publicara um documento de negociações entre americanos e bolivianos, com  grandes concessões em troca do apoio –, dá o próximo passo: proclama, a  14 de julho de 1899, a República do Acre.
A mensagem que mandam a Campos Sales é clara: “Brasileiros, na sua  quase totalidade [Galvez era espanhol], os habitantes do Acre, o seu  proceder lhes foi ditado pela condição triste queficaram, de perder a  sua pátria primitiva. Entre o Brasil e a Bolívia não podiam vacilar e,  já que não podiam ser brasileiros, resolveram não ser bolivianos”.  Seguem-se os primeiros episódios militares.
Quando pareceu que o Acre ficaria, de certo modo, abandonado pelo  Brasil, houve uma verdadeira comoção nacional, que não foi localizada  somente no Acre ou no Amazonas, por aqueles que participavam das lutas,  mas em todo o Brasil, que estava solidário com o Acre.
Mas a verdadeira reação boliviana não foi, na verdade, boliviana.  Formou-se, na tradição do colonialismo fim de século, uma companhia de  investimento, uma chartered company, o Bolivian Syndicate, uma  corporação multinacional, a cooptação do território do Alto Amazonas  pelo capitalismo internacional. Em Belém, o grande historiador português  João Lúcio de Azevedo denuncia a tentativa imperialista americana. No  Rio de Janeiro, o ministro americano informava que os Estados Unidos não  poderiam ficar indiferentes aos interesses dos seus súditos.  Movimentam-se os grandes diplomatas brasileiros nos centros das  decisões: Assis Brasil, nos Estados Unidos, Joaquim Nabuco, em Londres,  Rio Branco, em Berlim. Surge, em Xapuri, Plácido de Castro.
Lúcido, Plácido constata o problema em poucas linhas: “[...] [o  Bolivian Syndicate] era uma completa espoliação feita aos acreanos.  Veio-me à mente a idéia cruel de que a Pátria brasileira se ia  desmembrar, pois, a meu ver, aquilo não era mais do que o caminho que os  Estados Unidos abriam para futuros planos, forçando-nos, desde então, a  lhes franquear à navegação os nossos rios, inclusive o Acre. Qualquer  resistência por parte do Brasil ensejaria aos poderosos Estados Unidos o  emprego de força e a nossa desgraça seria em breve consumada”. A  Revolução Acreana é a resposta da população brasileira do Acre que  desmonta a conspiração internacional.
No Rio de Janeiro, recém-chegado, Rio Branco traz o assunto para o  terreno da negociação. A 3 de fevereiro de 1903 telegrafa à Bolívia:  “[...] não podemos concordar em que ali penetrem tropas ou autoridades  da Bolívia. Dos três litigantes, Bolívia, Peru e Brasil, é a este que  melhor cabe a ocupação administrativa provisória desta parte do  território contestado, atenta à nacionalidade de sua população”. O  caminho que ele indicará ao presidente Rodrigues Alves e implementará é o  da troca de territórios, seguida com uma compensação financeira pela  diferença.
Era o que comunicava a 10 de novembro: “As principais cláusulas são  as que Vossa Excelência conhece, mas algumas sofreram, a muito custo,  modificações vantajosas para nós. […] A extensão territorial, que, pela  retificação de fronteiras, passa à Bolívia, ficou muito reduzida. […] O  total que daremos à Bolívia será, pois, de uns 3.100 ou 3.200 km2, ou,  excluindo a água, uns 2.500 km2”. Recebia em troca, o Brasil, 191.000  km2, o território do atual Estado do Acre.
A tese de sua internacionalização não é nova nem vai desaparecer.  Ela surge e ressurge e ganha contornos mais fortes ou mais fracos, tem  várias roupagens e disfarces, diante da nossa capacidade de reagir. Se  vacilarmos, se não tivermos a determinação de manter a Amazônia 

conservada e soberana, ela será submetida como o foram todas as terras ocupadas pela ação e força dos Impérios.
Testemunhei, como Presidente da República, o empenho de governos  estrangeiros em fazer, de maneira aparentemente desinteressada, renascer  a tese da responsabilidade internacional. Tive que responder  diretamente a George Bush, o pai, e ao primeiro-ministro francês Rocard,  que fizeram propostas que não eram claras quantos aos interesses do  Brasil e da ecologia.
Já nos primeiros meses do meu governo, determinei estudos sobre as  bacias do Solimões e do Rio Negro, dos quais nasceu o projeto Calha  Norte, essencial ao Brasil, pois se destina a assegurar e garantir a  soberania nacional, a integridade do nosso território e assistência  efetiva às populações amazônicas em programas de previdência, saúde e  assistência social.
Para o Brasil, a Amazônia foi uma parte do suporte físico da  nacionalidade. Custou sangue, custou luta, tenacidade, heroísmo de  nossos antepassados. É uma característica singular de nossa geografia. A  Amazônia constituiu objeto de fascinação universal. Seus mistérios, sua  vastidão, suas dimensões míticas têm exaltado imaginações em todo o  mundo. E, também, não podemos negar, cobiça.
Falo com a experiência vivida e com documentos.
Em meados do século XIX, a firma de Mauá, primeira a colocar  vapores no Amazonas, foi substituída pela Amazon Steam Company,  incorporada pela firma Le Roy, Bayard, Co. Ela patrocinou o estudo de  Barwington Brown e William Lidestone, em 1873, Fifteen thousand miles on  the amazon and its tributaries. A tese dominante era da livre navegação  internacional dos rios. Os rios tinham que ser patrimônio de todos.  Reagimos.
Moveu-se uma grande campanha mundial sobre esse assunto, envolvendo várias entidades.
Matthew Fontaine Maury, superintendente dos serviços hidrográficos  americanos, era um dos que comandavam a tese de internacionalização dos  rios. Seu livro The Amazon river and atlantic slopes of America, editado  em 1853, já lançava a idéia de que a “Amazônia não pode ser fechada  para a humanidade, está aguardando raças fortes e decididas para a  empresa de sua conquista científica e econômica”. O pretexto científico,  que continua sendo usado, era usado como “batedoras de sociedades  mercantis” (Afonso Arinos citando Penedo).
O que foi a viagem de  Theodore Roosevelt em 1914, com Rondon? Em 1906 o presidente Rodrigues  Alves chamara à atenção Joaquim Nabuco de que a doutrina Monroe, sob  Roosevelt, podia assumir aspectos imprevistos e perigosos. Seus  instintos guerreiros o haviam levado a participar pessoalmente da  conquista de Cuba, como coronel dos Rough Riders. Recebera o prêmio  Nobel da Paz, era um defensor da natureza. Mas defendia os animais de  espingarda na mão, a paz com exércitos e marinha. Hoje temos que ter  muito cuidado com a exploração de nossa biodiversidade, analisando a  colaboração internacional nas pesquisas de maneira a proteger o  patrimônio genético. Tivemos grandes amigos, como Emílio Goeldi, mas  Henri Coudreau intitulara seu grande estudo sobre a região de Les  français en Amazonie. O exemplar do Itamaraty está todo anotado por Rio  Branco, algumas vezes com contestações a suas afirmativas. Ele faz  muitas referências aos interesses franceses na Amazônia, apóia os  movimentos autonomistas no Amazonas e no Pará, afirma que “os Estados  Unidos, a Inglaterra, até mesmo a Alemanha fazem atualmente propaganda  discreta em vista de um protetorado comercial na Amazônia”. O grande La  Condamine, que tivera a licença que fora recusada a Humboldt e o apoio  do governo português, afrancesou a descoberta da borracha e a  localização da fronteira com a Guiana. Henry Alexander Wickman, o grande  botânico inglês, enviou as sementes de seringueira que deram origem à  produção na Ásia.
Sua atitude pode ser resumida pela de Richard Spruce, que dizia a  Von Hagen: “Quantas vezes lamentei o fato de não ser a Inglaterra dona  do magnífico vale do Amazonas em vez da Índia. Se aquele papalvo rei  James II, em vez de meter Raleigh na prisão e depois cortar-lhe a  cabeça, tivesse continuado a fornecer-lhe navios homens e dinheiro até  ele formar um estabelecimento permanente num dos grandes rios da  América, não tenho dúvida de que todo o continente americano estaria  neste momento nas mãos da raça inglesa”.
Em 1826 um barco a vapor americano — simbolicamente chamado de  Amazonas — chegou a Belém. A reação da cidade o impediu de subir o rio.  Em 1851, William Herdon e Lardner Gibbon descem o Ucaiali até à foz, e  sua viagem é comunicada ao Senado americano como da maior importância,  pois a Amazônia poderia proporcionar “o bem-estar da humanidade”.
Nosso ministro em Washington, Sérgio Teixeira de Macedo, em  documento de novembro de 1850, que está arquivado no museu de  Petrópolis, diz: “A pretensão do governo americano de fazer explorar por  sua conta, por seus engenheiros e naturalistas, o rio das Amazonas,  suas margens e tributários, envolve como conseqüência necessária a  pretensão de obter a livre navegação”. E pouco depois: “Não há para mim a  menor dúvida de estar a atenção dos homens políticos desse país  dirigida para qualquer empresa com o fim de se apoderarem do Amazonas.  Dois anos depois, Carvalho Moreira, futuro Barão de Penedo, no mesmo  cargo, relatava conversa com o secretário da Guerra dos Estados Unidos,  que manifestava intenso interesse na exploração amazônica por capitais  americanos”.
O Império terminaria abrindo o rio à navegação internacional em  1866, mas Rio Branco, em 1903, ainda advertia a legação americana no Rio  de Janeiro de que “o Brasil sustentou sempre que, quando um rio  atravessa o território de dois ou mais Estados, a liberdade de navegação  ou de trânsito para o ribeirinho superior depende de prévio acordo com o  ribeirinho inferior”.
Já no princípio do século XX o objetivo era outro. A Amazônia devia  ser aberta às famosas chartered companies, o instrumento utilizado para  a colonização da África e que depredou a natureza daquele continente.
Conspiração que não se limitava somente à chartered company de  colonização do Acre. Devemos nos lembrar que, no século XIX, fora  constituída uma empresa chamada Amazon River Corporation, que se  destinava à exploração da Amazônia. E, quando os navios chegaram para  entrar na Amazônia, os habitantes de Belém do Pará não deixaram que o  navio penetrasse. Quando, hoje, se diz que nós brasileiros queremos  devastar a Amazônia, o que nós brasileiros temos de responder é que  fomos nós, brasileiros, que evitamos que essas companhias exploradoras  devastassem a Amazônia, como o capitalismo internacional fez nas  florestas da Ásia, nas florestas africanas e em todas as outras grandes  florestas úmidas do mundo.
Outro documento importante que consta dos arquivos brasileiros é o  ofício de 1902, do Barão do Rio Branco, em que comunica que o ministro  do Exterior de um grande país europeu, o sr. Oswald Richtofen, dizia:  “Seria conveniente que o Brasil não privasse o mundo das riquezas  naturais da Amazônia”.
Outro documento, também do princípio do século XX, é do secretário  de Estado americano, John Hay. Dizia: “Não vejo perigo, para a soberania  das nações americanas, no fato de companhias industriais se instalarem  para o desenvolvimento das terras que jazem incultas”.
Depois da guerra veio outro movimento. Desta vez para a Amazônia  receber os excedentes populacionais da Ásia. Em seguida, a preocupação  científica, chegando a Unesco a elaborar uma decisão internacional que,  ao ser analisada pelo Congresso brasileiro, provocou o protesto de Artur  Bernardes, então deputado federal. Não a aprovamos. Foi recusada pelo  Congresso.
Documento recente, divulgado internacionalmente, afirma que a  “Amazônia total, cuja maior área fica no Brasil, mas compreendendo  também parte dos territórios venezuelano, colombiano e peruano, é  considerada por nós um patrimônio da humanidade. A posse dessa imensa  área ocupada pelos países mencionados – afirma o documento – é meramente  circunstancial”.
O projeto dos Grandes Lagos Amazônicos, de Herman Khan e Robert  Panero, do Hudson Institute, em 1967, pretendia fazer na Amazônia um  processo semelhante ao do Panamá, criando uma série de sete lagos  interligados até o Caribe, num pacote que tinha muito mais de sondagem  que de especulação teórica sobre o futuro da humanidade. (Este mesmo  Hudson Institute, em 2004, sustentou ter descoberto que o mundo não deve  temer o efeito estufa.)
Ressurge, constantemente, o mesmo tema. As palavras não mudaram,  são as mesmas: crime contra a humanidade.
A razão é que mudou, e a  palavra a ser explorada, esta palavra que é tão simbólica e idealista:  ecologia. E acusam-nos de incapazes de gerir nossos territórios,  preservar a natureza, explorar sustentavelmente suas riquezas.
Fomos nós que preservamos a Amazônia. Ela está intacta graças à  nossa resistência. Se tivéssemos aceito as companhias colonizadoras,  internacionalizado os rios, aberto mão da nossa soberania, a Amazônia  seria hoje um deserto, há cem anos explorada pelo mesmo espírito que  acabou com as florestas de todo o mundo. Isto mostra nossa coerência  histórica. No passado, evitamos que a Amazônia fosse destruída. No  presente e no futuro, nós a preservaremos com o mesmo senso de  responsabilidade.
Precisamos evitar as queimadas, a ocupação predatória, a destruição  dos rios, da fauna e da flora, da cultura e das terras indígenas. Em  suma: evitar que o desenvolvimento se faça contra a natureza. Não temos  receio da cooperação internacional, necessária e bem-vinda. Queremos  participação. Mas recusamos tutela política. Sem xenofobias.
Precisamos também acabar com o flagelo do narcotráfico e seus  efeitos nocivos. É preciso desvendar a face oculta do narcotráfico e,  agora, o uso de métodos químicos invasivos cujas conseqüências não  podemos precisar. Estamos lutando em muitas frentes: contra o terror,  contra a pobreza, contra a droga, contra o crime.
Agora mesmo, podemos comparar a nossa atitude em relação à ecologia  com a dos nossos críticos, quando vemos os Estados Unidos se recusarem a  assinar o Protocolo de Kioto.
O Brasil é o país do mundo que tem melhor legislação ambiental e o único a nível constitucional.
A cobiça internacional sobre a Amazônia vai aumentar cada vez mais.  A pressão atual é das multinacionais madeireiras, visando transferir  para os grandes paises as essências nobres existentes na região, que têm  com carro-chefe o mogno. A biodiversidade é uma atração cada vez maior  e, sob o disfarce da pesquisa científica, de todos os modos, estamos sob  o saque diário desse patrimônio genético.
Mas há um recurso natural nobre que será o grande tema do futuro: a água. A Amazônia detém 

12% da água doce do planeta. Será outra motivação para a tese da internacionalização.
Outro perigo é o esforço para transformar a questão indígena em  pretexto para colocarem um enclave na Amazônia.
O Pentágono já listou os  conflitos localizados do futuro da humanidade. Um deles é “nações  indígenas da Amazônia”. Esse problema deve ser monitorado.
Outras fontes de cobiça referem-se aos minerais na Amazônia. Já  existem em exploração gigantescas jazidas de ferro, bauxita, gás,  manganês, ouro e outros minerais nobres. A floresta protege o mistério  dessas imensas riquezas que o mundo, cada vez mais esgotado de minerais,  vê como imenso tesouro a revelar-se.
O Calha Norte foi feito para ocupar nossas fronteiras, assegurar a  presença de nossa soberania e assistir às populações amazônicas. O  projeto, hoje reconhecido como instrumento de defesa nacional, precisa  ser revitalizado, ampliado e implantado para proteger nossas fronteiras e  evitar que elas sejam caminhos de violação e penetração em nosso  território. Rio Branco já alertava sobre a necessidade de vigiarmos  nossas fronteiras, pois elas foram responsáveis pelos maiores conflitos  da humanidade.
A retórica da Amazônia, pulmão do mundo, patrimônio da humanidade e  tesouro da vida na face da Terra, não visa senão arrancá-la do Brasil.
Sempre, desde os primórdios de nossa história, a Amazônia foi cobiçada. Soubemos fazê-la nossa, brasileira e de brasileiros.
Soubemos preservá-la. Se o mundo tem sua vista colocada sobre a  Amazônia é porque nós a conservamos até hoje, quando as grandes  florestas úmidas do mundo foram destruídas pela ganância do capitalismo  predatório.
Repito o que disse em 1985, na minha visita à região: “Quem tem a Amazônia, não tem medo do futuro”.
 José Sarney
* Publicado originalmente em Lessa, Carlos (org)  et al. Enciclopédia de Brasilidade, auto-estima em verde e amarelo. Rio  de Janeiro, BNDES e Casa da Palavra, 2005.
Fonte: 
Raul Mendes Silva