No primeiro dia do encontro, apresentamos para as subprocuradoras da República, Dra. Deborah Duprat e Dra. Raquel Dodge, coordenadoras das 6ª e 2ª Câmaras do Ministério Público Federal (MPF), nossos mais graves problemas. Ao mesmo tempo, solicitamos que o MPF intervenha junto aos poderes públicos - especialmente o Ministério da Justiça e o seu órgão indigenista, a Fundação Nacional do Índio (Funai) - para que estes busquem solucionar os problemas, fundamentalmente aqueles relacionados ao descumprimento dos dispositivos constitucionais que nos asseguram a demarcação e usufruto exclusivo de nossas terras. Junto com as subprocuradoras da República, avaliamos com preocupação que o desrespeito aos nossos direitos constitucionais gera outras questões graves, tais como a invasão de terras, a depredação do meio ambiente, a implementação de projetos e empreendimentos econômicos nas áreas indígenas que impactam de forma negativa as nossas organizações tradicionais, a judicialização das demarcações de terras, a perseguição e a criminalização de centenas de nossas lideranças no país. No decorrer do segundo dia de nosso encontro, realizamos levantamentos sobre os empreendimentos que agridem - direta e indiretamente - nossas comunidades e povos; sobre a situação fundiária de nossas terras; sobre as perseguições, prisões e agressões praticadas contra nossos líderes. Os dados preliminares que coletamos dão conta de 434 empreendimentos atingem nossos territórios. Os programas desenvolvimentistas do governo federal - vinculados ou não ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) - gerarão impactos em 182 terras indígenas, atingindo 108 povos. O InfoPen/MJ registra 748 indígenas presos em todo o país, e neste encontro, identificamos que muitas dessas prisões, bem como processos nos quais indígenas são réus, decorrem de nossa luta. Entendemos que lideranças são perseguidas e sofrem violências, praticadas inclusive por agentes da Polícia Federal. Em muitas regiões há juízes ocupantes de terras indígenas, ou que defendem interesses de fazendeiros e até de grileiros assentados em áreas demarcadas ou reivindicadas como de ocupação tradicional indígena. Tais juízes não podem julgar as ações relativas às nossas terras e devem ser impedidos, uma vez que são partes interessadas nas ações. Causa-nos preocupação a atuação do Poder Judiciário. Na grande maioria das regiões, o Judiciário tem adotado procedimentos e decisões contrárias aos nossos direitos constitucionais, especialmente nos casos de mandados de reintegração de posse nas ações contra demarcações de terras, nos expulsando de nossos territórios, e na decretação da prisão e na condenação de nossas lideranças que reivindicam a garantia, posse e usufruto de nossas terras. Já para o julgamento de ações que são favoráveis aos interesses indígenas, o Poder Judiciário tem protelado por décadas a tomada de decisões - a exemplo do caso Pataxó Hã-Hã-Hãe - à espera de julgamento no Supremo Tribunal Federal. Preocupa-nos muito a falta de iniciativa do governo federal no sentido de estruturar uma política indigenista que dê conta e atenda às diferentes realidades e demandas dos Povos Indígenas. As questões que destacamos neste documento são constantemente denunciadas aos órgãos públicos para que sejam tomadas medidas cabíveis para solucioná-las. No entanto, o Ministério da Justiça - através de seu órgão indigenista - não dá respostas. Não tem ação, é lento, burocrático e busca apenas acomodar os conflitos, sem querer resolvê-los. Isso vem acontecendo mais gravemente com relação à demarcação de terras em Mato Grosso do Sul. Apesar de a Funai ter se comprometido num Termo de Ajustamento de Conduta não demarcou as terras do povo Guarani Kaiowá, que sofre processo de genocídio. Em toda a Região Nordeste, as terras são afetadas pelos grandes plantios de cana-de-açúcar, pela construção de redes hoteleiras (resorts) e por grandes obras, como a transposição das águas do rio São Francisco e a construção da ferrovia transnordestina. No Sul e Sudeste do Brasil, nossos povos vivem em acampamentos à beira de estradas ou em pequenas áreas que não garantem mínimas condições de vida. Nos estados do Norte e Centro-Oeste, a Funai tem se omitido na conclusão dos procedimentos demarcatórios e na proteção de nossas terras, especialmente nos estados de Rondônia, Mato Grosso e Maranhão. Além disso, permite que sejam estruturados grandes empreendimentos econômicos que devastarão as terras indígenas, inclusive em áreas de povos que vivem sem contato com a sociedade brasileira. Exemplos disso não nos faltam, tais como o complexo hidroelétrico do Rio Madeira, a Usina de Belo Monte, as hidroelétricas projetadas para os rios Tapajós, Juruena, Teles Pires e outras em construção ou planejadas como Estreito, Serra Quebrada, Santa Izabel, Marabá, nos rios Tocantins, Araguaia e Tapajós. Para agravar este quadro, a Funai tem dado aval para a abertura de novas rodovias e ferrovias que rasgarão terras indígenas; tem dado pareceres favoráveis à construção de pequenas centrais hidroelétricas em rios que cruzam as áreas indígenas, como acontece na terra indígena Rio Branco; não se opõe ao plantio de monocultivos de soja transgênica, cana-de-açúcar, eucalipto, pinus ou à criação de gado em terras que estão em demarcação. E aqui lembramos que não houve nenhum posicionamento da Funai contrário a construção de usinas nucleares na região nordeste do Brasil, sendo que estas poderão afetar nossas terras e toda a população indígena. Neste encontro, também conversamos sobre o movimento indígena, nossas organizações, articulações e conselhos. Percebemos que existem dificuldades e que estas serão superadas se conseguirmos fortalecer as organizações em âmbito local, regional e nacional. Precisamos também acompanhar e participar, junto com nossas lideranças, das reuniões da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI). Queremos que ela se transforme efetivamente num conselho com condições e capacidade para discutir, propor e criar uma política indigenista que atenda nossas necessidades, direitos e as diferenças culturais. O movimento indígena precisa estar voltado para as nossas realidades e a partir delas interferir junto aos poderes públicos, cobrando e exigindo que os nossos direitos sejam garantidos. Hoje o órgão que deveria cuidar de nossos direitos tem servido mais a interesses daqueles que nos atacam ou que pretendem explorar as nossas terras. Estamos cansados disso. Queremos uma Funai que deixe de atender aos interesses econômicos e do latifúndio, e que pare de ser órgão licenciador de obras que rasgam nossas terras. Queremos uma Funai com recursos suficientes para retirar os invasores de nossos territórios e, ao mesmo tempo, ter condições de concluir os procedimentos demarcatórios de nossas terras. Chega de paralisia nas demarcações. Queremos uma Funai com condições de defender nossos direitos coletivos e individuais, especialmente de nossas lideranças que estão criminalizadas. Ao finalizar este documento, convocamos todos os povos indígenas do Brasil para nos unirmos contra os projetos do governo federal e dos governos estaduais e municipais que pretendem única e exclusivamente ganhar dinheiro e poder com a destruição da nossa mãe terra. Mãe que nos nutre, protege e garante a nossa vida e o nosso futuro, que são nossos filhos e netos. Somos, como bem lembrou um de nossos parentes, os povos do amanhã, porque não pensamos só no hoje. Queremos que a terra e a natureza permaneçam vivas para sempre! Luziânia, GO, 1º. de maio de 2011. POVOS INDÍGENAS PRESENTES:
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Fonte: Cimi
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