Sábado passado um grupo bastante expressivo de guerreiros dos povos indígenas que vivem no noroeste do estado do Mato Grosso se deslocou de Juína para tomar o canteiro de obras da UHE Dardanelos, que aproveita uma fabulosa queda d´água do rio Aripuanã para produzir cerca de 260 MW de energia.
Lá estavam cerca de 100 funcionários da empresa e todos foram rendidos e ajuntados num dos galpões da usina. Nesta manhã de segunda-feira, os índios haviam acordado uma negociação para substituir esses funcionários por cinco funcionários graduados da empresa construtora.
As autoridades e a imprensa estão sabendo disso desde domingo, buscando soluções. O ministério da Justiça vai enviar uma comissão para negociar. A Funai está em polvorosa.
Os cerca de 250 índios querem uma conversa com autoridades federais e estaduais, bem como representantes da empresa construtora da usina. Querem refazer um acordo que a Funai havia intermediado para eles sobre reparações, ressarcimento e participação na constituição do capital da empresa que constrói a UHE Dardanelos. Querem mais do que lhes prometeram.
O que está acontecendo no Brasil que os índios estão revoltados com a construção de hidrelétricas, estradas e hidrovias, especialmente na Amazônia?
Não é difícil adivinhar. Os povos indígenas estão confusos e desnorteados diante da avalanche de programas de construção de empreendimentos de várias sortes -- hidrelétricas, rodovias, mais fazendas, novas cidades, muita gente chegando com violência, abusos e deserespeitos.
Ao mesmo tempo os povos indígenas estão vendo uma riqueza impressionantemente poderosa e desconcertante tomar conta do entorno de suas terras, ameaçar suas vidas, desequilibrar suas famílias, suas sociedades, balançar seus ethos, suas culturas, sendo cada vez mais sugados por esse dreno, essa máquina de destruir povos e culturas.
Daí que sua reação vem sendo, quando ultrapassa o torpor inicial, das mais duras, chegando a pontos de invasões e ameaças de lutas e revides.
Ao povos indígenas da Amazônia falta indigenismo. O que é indigenismo? É a intermediação entre os povos indígenas e a sociedade e o Estado brasileiros. Falta aos povos indígenas que vivem suas vidas autonomamente adquirir conhecimento qualificado sobre tudo que está acontecendo ao seu redor, sobre o posicionamento do Brasil como nação e como Estado em relação aos processos sociais e econômicos que os estão atingindo e que os atingirão mais e mais.
Quem poderia lhes dar esse conhecimento qualificado, de boa fé, mostrando as opções que poderiam ter para se posicionar com clareza, seja participando, seja demonstrando contrariedade? Que indigenismo poderia haver no Brasil?
Os índios vêm recebendo informação desqualificada de diversas fontes, a maioria delas apresentando suas visões parciais do mundo, sejam favoráveis aos empreendimentos, sejam contrários. Nem vale a pena citar aqui essas fontes.
O maior pesar que se tem é a falta de um órgão indigenista à altura do momento atual. Nos últimos anos, a política governamental tem sido de dispersar energias, encomendar ações indigenistas por diversos órgãos e ministérios, que resulta em fazer gracinha com a situação indígena. Informações dispersas e conflitantes domina a cena indigenista no atual momento governamental.
Deixar as coisas como estão significa simplesmente deixar a confusão rolar, os tratores passarem por cima dos protestos para obter licenciamentos escusos, operar negociações canhestras que terminam sendo provisórias, e esperar pelo que vier mais tarde.
Os representantes dos 11 povos do vale do rio Juruena e Aripuanã estão unidos pelo desespero e pela falta de indigenismo nessa luta meio desequilibrada, dispostos a fazer coisas mais inesperadas, se a situação não lhes parecer favorável. Têm poucos trunfos na mão, a não ser sua disposição inflamada de revolta, daí a força desproporcional que arregimentaram. Juntar 300 guerreiros de 11 povos diferentes não é tarefa fácil!
É possível que os poucos indigenistas da Funai na região consigam apresentar-lhes ideias e propostas negociáveis. Mas será por algum tempo.
Falta muito para que a situação de desequilíbrio entre povos indígenas e os planos do governo de implantar empreendimentos venha a encontrar uma posição melhor. Tudo trabalha contra.
REFÉNS EM OBRA DE HIDRELÉTRICA NO MA
''Reféns de índios passam bem e situação é tranquila em usina'', garante PM
São 280 trabalhadores mantidos em cárcere privado no canteiro de obras da usina por índios no noroeste de MT.
Passam bem os cerca de 280 trabalhadores que são mantidos em cárcere privado por índios de 11 etnias nas obras da Usina Hidrelétrica de Dardanelos, no município de Aripuanã (976 quilômetros de Cuiabá). De acordo com a Polícia Militar, os índios estão agindo de forma pacífica e aguardam uma reunião nesta segunda-feira para negociar com os representantes da empresa Águas de Pedra, responsável pela usina.
O capitão Taques, da Polícia Militar, disse que o clima é aparentemente tranquilo. Ele confirmou que há cerca de 280 pessoas mantidas reféns por aproximadamente 200 índios. "Eles estão armados com arco e flecha. E dizem que vão chegar mais índios", frisou o capitão. Segundo ele, os reféns estão livres no canteiro de obras, mas os índios não permitem que eles deixem o local. "Estão em um pátio, no alojamento da obra, mas não podem sair".
Os índios devem se reunir na usina, por volta das 11h30 desta segunda-feira, com representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai), Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Casa Civil e da própria empresa responsável pela obra. Os índios cobram uma compensação financeira pela construção da usina pois, segundo eles, as obras afetam social, economica e ambientalmente a comunidade indígena. "Estudos feitos apontam que estamos sofrendo com esse empreendimento", argumentou Audecir Arara, um dos líderes indígenas da região.
O capitão Taques frisou que vai manter uma ronda na região para monitorar os índios e os reféns. "Vamos aguardar a reunião e a negociação. Eles [os índios] deram três dias para negociar. Se nada for feito nesse prazo, eles prometem atear fogo nos alojamentos e maquinários".
Audecir Arara garante que o protesto é pacífico e não há riscos de conflitos. "Não tem risco [de conflito] porque eles sabem muito bem que a gente está brigando pelo que é de direito nosso".
Invasão e cárcere privado
No início da manhã, os índios invadiram o canteiro de obras da usina armados e pintados para guerra. Os trabalhadores, que não resistiram à invasão, foram levados para um alojamento e permanecem isolados.
Os índios araras e cintas largas exigem compensações financeiras pela obra da usina, pois dizem estar preocupados com a possibilidade de escassez de peixe e água quando a usina começar a funcionar. Segundo Audecir Arara, a compensação seria para as etnias Cinta Larga e Arara, pois são as duas que sofrerão os impactos das obras. "As outras etnias estão do nosso lado porque quando elas precisarem de apoio em outros problemas na área delas, nós vamos apoiar", justificou o líder indígena.
De acordo com o coordenador regional da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Juína, Antônio Carlos Ferreira de Aquino, representantes do órgão e do Iphan em Brasília devem vir a Mato Grosso nesta segunda-feira para negociar com os índios. Aquino explica que a obra da hidrelétrica começou há cerca de três anos, em agosto de 2007. "Houve alguma falha no processo de licenciamento e a usina foi construída sobre um cemitério indígena. Os índios vêm negociando um ressarcimento", disse o coordenador.
Programa de ações
Paulo Rogério Novaes, gerente de Meio Ambiente da Águas da Pedra, empresa responsável pelo empreendimento, afirmou que a energética aguarda a aprovação de um programa de ações para a comunidade indígena. "A empresa jamais se negou a fazer algo pela comunidade, mas estamos aguardando um parecer da Funai, que está analisando estudos sobre o que é preciso fazer", explicou Novaes. Ele garante que o empreendimento, dentro da legislação ambiental, "está procurando fazer tudo o que é solicitado".
A Energética Águas de Pedra é uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) controlada pela Neoenergia (51%) e que tem também como acionistas Eletronorte (24,5%) e Chesf (24,5%). A previsão da Águas da Pedra é que a hidrelétrica entre em operação daqui a seis meses - janeiro de 2011. Até a conclusão da obra, a empresa estima que os investimentos no local serão de R$ 745 milhões.
Fonte: Blog do Mercío